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Um modelo para o ensino sobre a natureza da ciência no contexto das ciências biológicas.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UNIVERSIDADE

ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS‐GRADUAÇÃO EM ENSINO, FILOSOFIA E HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS

TIAGO GUIMARÃES INÊZ

UM MODELO PARA O ENSINO SOBRE A NATUREZA

DA CIÊNCIA NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Salvador

2019

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TIAGO GUIMARÃES INÊZ

UM MODELO PARA O ENSINO SOBRE A NATUREZA DA

CIÊNCIA NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências, da Universidade Federal da Bahia/Universidade Estadual de Feira de Santana para obtenção do título de Mestre em Ensino, Filosofia e História das Ciências. Área de concentração: história e filosofia das ciências e implicações para o ensino das ciências.

Orientador: Prof. Dr. Charbel Niño El-Hani. Coorientador: Dr. Breno Pascal de Lacerda Brito.

Salvador

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TIAGO GUIMARÃES INÊZ

UM MODELO PARA O ENSINO SOBRE A NATUREZA DA

CIÊNCIA NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências, da Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana, como requisito parcial para a obtenção de título de Mestre em Ensino, Filosofia e História das Ciências, pela seguinte banca examinadora:

Banca examinadora:

Charbel Niño El-Hani – Orientador

Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo Universidade Federal da Bahia

Breno Pascal de Lacerda Brito – Coorientador

Doutor em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana

Universidade Federal da Bahia Darcy Ribeiro de Castro

Doutor em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana

Universidade do Estado da Bahia Indianara Lima Silva

Doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana

Universidade Estadual de Feira de Santana Maria Elice de Brzezinski Prestes

Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo Universidade de São Paulo

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AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências (PPGEFHC) por fornecerem toda a infraestrutura necessária para que esta pesquisa acontecesse.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão da bolsa de mestrado e o apoio financeiro para a realização desta pesquisa.

Ao meu orientador, Charbel El-Hani, pelo suporte, paciência, encorajamento e confiança. Obrigado por indicar quais caminhos deveria seguir para desenvolver este trabalho. Todos os seus conselhos certamente contribuíram imensamente para a minha formação como pesquisador.

Ao meu coorientador, Breno Brito, pelas críticas apontadas durante a apresentação deste projeto nos Seminários do Laboratório de Ensino, Filosofia e História da Biologia (LEFHBio) em Setembro de 2018. Também sou grato pelas suas inúmeras correções e sugestões que auxiliaram a refinar ainda mais este estudo ao longo dos últimos 12 meses.

Aos membros da banca de qualificação, Darcy Ribeiro e Indianara Silva. Agradeço pelos seus questionamentos e comentários. Eles foram fundamentais para a construção final deste estudo. À professora Maria Elice Prestes, pelo seu parecer sobre a construção da narrativa histórica da teoria celular. Também agradeço por indicar trabalhos recentes referentes à história dessa teoria.

Ao professor Antônio Nascimento Júnior, por introduzir-me nas áreas de Ensino, Filosofia e História das Ciências ao final da minha graduação. Todo o seu apoio e ensinamento foram essenciais para que eu chegasse até aqui.

Aos amigos que fiz ao longo dos últimos dois anos na cidade de Salvador. Em especial, aos companheiros de LEFHBio, Mário Amorim, Bárbara Schittini e Bruno Althoff que tornaram a minha jornada ainda mais agradável.

Aos meus pais, Vicente e Maria Eliza, pelos incontáveis conselhos, carinho e suporte. Sem vocês certamente não teria concluído mais essa importante etapa da minha formação.

À Marice, minha namorada, pela companhia constante, incentivo, amor e carinho durante todo esse tempo. Agradeço pelo seu apoio incondicional, mesmo a milhares de quilômetros de distância.

A Deus, por criar e sustentar todas as coisas, e por possibilitar que eu concluísse esta pesquisa.

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Dedico este trabalho aos meus pais, por terem me ensinado que a fé, esperança e amor são as principais virtudes da vida humana.

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RESUMO

Estudos têm revelado que muitas pessoas não compreendem como o conhecimento científico é construído e aceito, mesmo após educação científica. Uma das maneiras pelas quais se tem buscado superar este problema, na pesquisa e na prática da Educação em Ciências, é através do ensino sobre a Natureza da Ciência (NdC). A NdC pode ser entendida como um construto pedagógico que visa fomentar, entre os estudantes de Ciências, o entendimento das principais características do trabalho científico. Nos últimos anos, investigadores pertencentes à área da Pesquisa em Ensino de Ciências Naturais (Física, Química, Biologia, Ciências da Terra) têm buscado desenvolver formas de promover a instrução sobre o conhecimento científico segundo a especificidade de cada uma dessas áreas de ensino. Alinhado a essa perspectiva que enfatiza a instrução da ciência conforme a particularidade de cada campo das Ciências Naturais, este trabalho visa desenvolver a proposta de um modelo para ensinar sobre a NdC no contexto do Ensino de Biologia. Este modelo, denominado “Modelo Integrativo da Biologia para o Ensino da Ciência” (MIBioEC), está baseado em três pilares. O primeiro é a Abordagem de Semelhança de Família Reconceitualizada para a NdC (FRN), cujo fundamento é a ideia de semelhança de família desenvolvida pelo filósofo Ludwig Wittgenstein. O principal objetivo dessa abordagem é inserir a discussão da NdC nos currículos de Ciência a partir de categorias abrangentes que realcem os aspectos cognitivo-epistêmico e social-institucional do trabalho científico. O segundo pilar consiste na moldura conceitual da biologia proposta por Scheiner. Argumentamos que as cinco teorias gerais da biologia (célula, genética, organismos, evolução e ecologia) identificadas nessa estrutura são capazes de fornecer critérios para o ensino sobre a NdC a partir do contexto específico das Ciências Biológicas. Por fim, o terceiro pilar é a concepção pragmática de modelos como artefatos epistêmicos de Knuuttila, a qual melhor captura, em nosso entendimento, as diferentes formas de uso de modelos no trabalho científico. Por meio dessa visão, modelos podem ser considerados como objetos concretos, com os quais podemos interagir, trabalhar e colocar em ação para gerar conhecimento. Entendemos que o MIBioEC possui o potencial de promover o ensino e a aprendizagem sobre diferentes aspectos do conhecimento científico e de sua construção e aceitação que se fazem presentes nas Ciências Biológicas. Para ilustrar este potencial, apresentamos um exemplo de seu emprego para o ensino sobre certos aspectos da NdC a partir da história da teoria celular.

Palavras-chave: Ensino de Ciências, Natureza da Ciência, Semelhança de família, Ciências

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ABSTRACT

It has been shown that many people do not understand how the scientific knowledge is built and accepted, even after scientific education. One of the ways in which this problem has been faced, in the research and practice in Science Education, is through teaching about the Nature of Science (NoS). The NoS can be understood as a pedagogical construct that aims to foster, among science students, the understanding of the main characteristics of the scientific work. In recent years, researchers in the field of Research on the Teaching of Natural Sciences (Physics, Chemistry, Biology, Earth Sciences) have sought to develop ways of promoting instruction on scientific knowledge according to the specificity of each of these teaching areas. Aligned with this perspective that emphasizes the instruction of science according to the particularity of each field of the Natural Sciences, this work aims to develop the proposal of a model for teaching about NoS in the context of Biological Education. This model, named “Integrative Model of Biology for Science Education” (IMBioEC) is based on three pillars. The first is the Reconceptualized Family Resemblance Approach-to-NoS (RFN) whose foundation lies in the idea of family resemblance developed by the philosopher Ludwig Wittgenstein. The main goal of this approach is to include the discussion of NoS in science curricula based on broad categories that highlight the cognitive-epistemic and social-institutional aspects of scientific work. The second pillar consists of the conceptual framework of biology proposed by Scheiner. We argue that the five general theories of biology (cell, genetics, organisms, evolution and ecology) identified in this framework are capable of providing criteria for teaching about NoS from the specific context of the Biological Sciences. Finally, the third pillar is the pragmatic conception of models as epistemic artefacts put forward by Knuuttila, which best captures, to our understanding, the different ways of using models in scientific work. Through this view models can be regarded as concrete objects with which we can interact, work and put into action to generate knowledge. We understand that the IMBioEC has the potential to promote teaching and learning about different aspects of scientific knowledge and their construction and acceptance that are present in the Biological Sciences. To illustrate this potential, we present an example of its use for teaching on certains aspects of NoS from the history of cell theory.

Keywords: Science teaching, Nature of science, Family resemblance, Biological Sciences,

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. A roda da ASF (FRA Wheel), mostrando categorias incluídas na FRN para

representar diferentes elementos que caracterizam as ciências……….... 27

Figura 2. Representação dos três níveis hierárquicos da moldura conceitual de Scheiner, exemplificados a partir das teorias gerais da evolução, do organismo e da ecologia…... 31

Figura 3. Modelo Integrativo da Biologia para o Ensino de Ciências (MIBioEC), mostrando como ocorre a relação entre seus diferentes elementos constitutivos………..… 41

Figura 4. Retrato de Robert Hooke (1635-1703) realizado pela artista Rita Greer em 2006...………...………... 46

Figura 5. Ilustração do microscópio composto utilizado por Hooke (1665)………..… 47

Figura 6. Ilustração da estrutura da cortiça feita por Hooke (1665)…….………..… 48

Figura 7. Desenho feito por Malpighi da traqueia (G, H), dos utrículos (C, E, F) e das fibras (D) presentes no tecido do carvalho……….…………..….. 51

Figura 8. Representação de corte de ramo de figueira realizada por Grew... 52

Figura 9. Antoni van Leeuwenhoek (1632-1723)... 53

Figura 10. Réplica do microscópio simples produzido por Leeuwenhoek…….……… 54

Figura 11. Capa da obra Micrographia (1665) de Hooke………...… 57

Figura 12. Microscópio composto de Joseph Jackson Lister……….………...… 61

Figura 13. Ilustração dos glóbulos presentes no cérebro do caracol Helix pomatia e da lesma Limax rufus……….………. 63

Figura 14. Núcleos das células sanguíneas de peixes ilustrados por Leeuwenhoek.……….. 65

Figura 15. Representações das células de Purkinje……….…………..………. 68

Figura 16. Ilustração da célula nervosa feita por Valentin………...………..….... 69

Figura 17. Matthias Jacob Schleiden (1804-1881)……….…………..…….. 71

Figura 18. Theodor Schwann (1810-1882)………..………….….. 73

Figura 19. Comparação das células de plantas e animais feitas por Schwann. As três primeiras figuras da esquerda para direita no canto superior representam células vegetais. As demais ilustram células animais... 75

(10)

Figura 21. Karl Wilhelm von Nägeli (1817-1891)... 79

Figura 22. Fases da clivagem do embrião do sapo (Grenouille commune)... 80

Figura 23. Processo de clivagem do embrião do sapo... 81

Figura 24. Robert Remak (1815-1865)... 81

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ASF Abordagem de Semelhança de Família

CdC Características da ciência

CI Ciência Integral

FRN Abordagem de Semelhança de Família Reconceitualizada para a NdC MIBioEC Modelo Integrativo da Biologia para o Ensino da Ciência

NdC Natureza da Ciência

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 1

1. O CAMPO DA NATUREZA DA CIÊNCIA ... 13

1.1 Propostas de abordagem da NdC para o Ensino de Ciências ... 15

1.2 A abordagem de semelhança de família reconceitualizada como ponto de partida para a construção do nosso modelo ... 20

2. MOLDURA HIERÁRQUICA DA BIOLOGIA COMO FUNDAMENTO PARA A SELEÇÃO DE TEORIAS BIOLÓGICAS ... 29

3. MODELOS NAS CIÊNCIAS ... 35

4. NOSSA PROPOSTA DE MODELO PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS ... 40

5. PERSPECTIVA HISTÓRICA DA TEORIA CELULAR ... 43

5.1. Primeiras concepções das células ... 45

5.2. O surgimento de explicações sobre a estrutura basilar dos seres vivos nos séculos XVII e XVIII 57 5.3. Teoria dos glóbulos ... 59

5.4. Os antecedentes da Teoria Celular ... 63

5.5. O estudo da histologia e o surgimento de novas pesquisas sobre as células animais ... 67

5.6. Primeiros passos da elaboração da Teoria Celular ... 69

5.7. Primeiras reações à teoria celular ... 77

5.8. Aceitação e incorporação da teoria celular pela comunidade científica ... 86

5.9. Compreensão de novos componentes celulares ... 88

6. PROPOSTA EM AÇÃO: USANDO O MIBioEC NO ENSINO DE BIOLOGIA ... .. 92

6.1 Práticas científicas ... 94

6.2 Conhecimentos científicos ... 95

6.3 Atividades profissionais ... 95

6.4 Certificação social e disseminação ... 98

6.5 Organizações sociais e interações ... 101

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 103

REFERÊNCIAS ... 104

ANEXO A ... 122

(13)

INTRODUÇÃO

É evidente a importância dada às ciências nas sociedades contemporâneas, como meio pelo qual obtemos conhecimento do mundo natural e social. Consequentemente, o conhecimento científico exerce grande influência sobre diversos aspectos da vida moderna, desde a tecnologia até questões filosóficas (MCCOMAS; CLOUGH; ALMAZROA, 2002). A ciência é capaz de modificar, por exemplo, o modo em que produzimos nosso próprio alimento, recursos energéticos, medicamentos etc.

Apesar dessa crescente importância e influência, atualmente, o valor do conhecimento científico tem sido constantemente ameaçado por diferentes movimentos anticiência. Um exemplo típico desse posicionamento diz respeito aos movimentos religiosos fundamentalistas contrários ao ensino da evolução biológica nas aulas de ciências. Para essas pessoas, não há nenhuma evidência empírica que justifique as ideias científicas sobre a evolução dos seres vivos. Alguns grupos também frequentemente argumentam que a teoria da evolução é somente uma “teoria”, um palpite dos cientistas, uma opinião autoritária que não está assentada em nenhuma base real sólida. Por conseguinte, essa teoria não deveria ser ensinada nas escolas, visto que ela não seria a melhor forma de explicarmos a diversidade biológica. Em seu lugar, deveríamos apresentar outras narrativas para a origem da vida e da espécie humana, como as visões criacionistas cristãs.

Desde o século passado, grupos criacionistas dos Estados Unidos têm divulgado ideias antievolucionistas na forma de vários artigos e livros, com o intuito de eliminar ou reduzir o poder explicativo das teorias científicas sobre evolução biológica no contexto do Ensino de Ciências (SEPULVEDA; EL-HANI, 2004). Nos últimos anos, posições similares a esta têm surgido no Brasil, a partir de organizações criacionistas como a Sociedade Criacionista Brasileira (SCB) e a Associação Brasileira de Pesquisa da Criação (ABPC).

Assim como nos EUA, recentemente no contexto brasileiro também têm aparecido propostas de inserção do ensino do criacionismo nas escolas públicas. Essa posição tem sido apresentada na forma de Projetos de Lei (PL’s), como o PL 5336/20161

, que sugere a inclusão da “Teoria da Criação” na base curricular do Ensino Fundamental e Médio.

O que é questionável em propostas como esta não é a fundamentação religiosa dessas visões, mas a tentativa de concebê-las e ensiná-las como se fossem teorias científicas com estatuto semelhante à teoria da evolução. Visto que a ciência e religião apresentem distintas validades epistêmicas, estas devem ser consideradas à luz de suas respectivas esferas. Sendo assim, é preciso que ambas reconheçam seus limites para que não haja a invalidação ou até mesmo negação do valor do conhecimento científico em relação ao religioso – conforme apresentado anteriormente –, e vice e versa.

Outro problema que está intimamente relacionado ao anterior refere-se à recusa de um papel para a ciência no mundo da pós-verdade. Em novembro de 2016, o Dicionário Oxford elegeu o termo “pós-verdade” (post-truth) como a palavra do ano2

. Curiosamente, no mês seguinte, a Sociedade da Língua Alemã (Gesellschaft für deutsche Sprache) escolheu a

1

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2085037

2

(14)

expressão “pós-factual” (postfaktisch) – que não parece diferente de pós-verdade - como a palavra de 20163.

Segundo o Dicionário Oxford, o significado de pós-verdade denota circunstâncias nas quais o apelo e reforço às emoções, aos sentimentos e à validação das crenças pessoais têm maior valor para a formação da opinião pública do que os fatos4. As expressões pós-verdade e pós-factual foram empregadas naquele ano para descrever uma cultura política que esteve pautada em paixões e impressões individuais, em detrimento dos fatos, com fins de manipulação. Esse fenômeno político foi marcante em 2016 e pode ser exemplificado pela campanha presidencial do candidato norte-americano Donald Trump, entre vários outros casos recentes.

Nos últimos anos, a ideia de pós-verdade também tem influenciado profundamente o lugar e a função do conhecimento científico aos olhos da população de diversos países, visto que se tem observado uma perda crescente da credibilidade do discurso da ciência nesse mundo pós-factual (MCINTTYRE, 2018).

A negação do caráter antropogênico do aquecimento global, ou até mesmo da sua existência, entre uma minoria de cientistas e parcela da população em geral é um exemplo evidente desse fenômeno. Em 2018, Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores do Brasil demonstrou seu cetismo sobre esse tema ao afirmar em seu blog pessoal que a mudança climática faria parte de uma suposta trama de “marxistas culturais” para suplantar as economias ocidentais e promover o crescimento da China5.

Outro caso que ilustra essa questão refere-se ao movimento antivacinas. Na última década, estudiosos têm observado o crescimento nas classes A e B de pais que evitam vacinar seus filhos devido à errônea associação entre a vacinação e surgimento de algumas doenças, como o autismo, em crianças (HUSSAIN et al., 2018).

É preciso lembrar que a recusa do papel da ciência em ambas as situações pode produzir implicações nefastas para as gerações presentes e futuras. Com a negação do aquecimento global, podemos testemunhar o derretimento em massa das geleiras nos polos, que por sua vez pode causar o aumento do nível do mar, processos de desertificação, alteração do regime das chuvas, intensificação das secas em certas regiões, aumento das taxas de extinção da vida selvagem, entre outros. No caso do movimento antivacinas, já temos acompanhado o retorno de doenças graves que até então eram consideradas erradicadas em vários locais do mundo, como o sarampo6. Em vista disso, podemos perceber que o que está em jogo não é somente o futuro da ciência, mas da própria humanidade.

Em muitos casos, as perspectivas negativas sobre a ciência mencionadas anteriormente estão intimamente relacionadas à falta de entendimento sobre o trabalho científico. Retornemos ao caso da teoria da evolução para ilustrar esse ponto. Conforme vimos anteriormente, frequentemente alguns grupos e/ou pessoas criticam esta teoria baseado na ideia equivocada de que ela é “somente uma teoria”, isto é, uma suposição qualquer que não

3 https://www.dw.com/en/dealing-with-post-truth-politics-postfaktisch-is-germanys-word-of-the-year/a-36702430 4 https://languages.oup.com/word-of-the-year/word-of-the-year-2016 5 https://www.theguardian.com/world/2018/nov/15/brazil-foreign-minister-ernesto-araujo-climate-change-marxist-plot 6 https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6006:dados-preliminares-da-oms-apontam-que-casos-de-sarampo-em-2019-quase-triplicaram-em-relacao-ao-ano-passado&Itemid=820

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estaria baseada em nenhuma razão convincente. Outra concepção similar a esta é aquela que afirma que a evolução não seria comprovada cientificamente, porque a teoria da evolução seria uma teoria científica e não uma lei (ALTERS; ALTERS, 2001). Embora a aceitação da teoria evolutiva envolva vários elementos7, a compreensão sobre a natureza do conhecimento científico é essencial para que ocorra a apreciação da importância desta teoria e, por conseguinte, da própria ciência (SMITH; SIEGEL; MCINERNEY, 1995; DAGHER; BOUJAOUDE, 1997, 2005; LOMBROZO; THANUKOS; WEISBERG, 2008).

A falta de entendimento sobre a ciência tem sido sintomaticamente, uma das principais preocupações de vários pesquisadores em Ensino de Ciências. Nas últimas décadas, diversos estudos têm revelado que estudantes de diferentes níveis de escolaridade, bem como professores e cientistas, não possuem uma visão sofisticada8 sobre os principais elementos que caracterizam o trabalho científico.

Ao revisar mais de vinte trabalhos destinados a investigar as concepções de ciência dos estudantes, Lederman (1992) concluiu que todos os estudos sinalizavam para a presença de visões inadequadas entre esse grupo. Dentre as diversas concepções obtidas por Lederman, destacamos a ideia de que o conhecimento científico é absoluto e que o principal objetivo dos cientistas é descobrir leis naturais e verdades. Além destes, o autor também constatou que os discentes têm dificuldades para compreender o papel da criatividade na produção do conhecimento, assim como a função das teorias e sua relação com a pesquisa científica.

Tratando-se dos professores de ciências, Gil Pérez e colaboradores (2001) elencaram sete concepções deformadas sobre o trabalho científico frequentemente encontrado na literatura do Ensino de Ciências. A visão empírico-indutivista e ateórica da ciência, a crença na existência de um único método científico de natureza linear e algorítmica, a ausência do reconhecimento do papel da criatividade e da imaginação durante o processo de construção do conhecimento científico, e a dissociação da ciência dos aspectos históricos, econômicos e sociais são alguns exemplos dessas concepções. Esses pesquisadores entendem que essas visões são equivocadas à luz das características essenciais da ciência. Para eles, uma suposta imagem positiva da ciência pode ser obtida através das perspectivas e teses epistemológicas consensuais presentes nos trabalhos de filósofos da ciência como Popper, Kuhn, Lakatos, Laudan, Toulmin, Giere sobre o conhecimento científico (GIL PÉREZ et al., 2001).

Em outro trabalho, Sarieddine e BouJaoude (2014) buscaram investigar as concepções de ciência de sete professores de biologia do ensino médio de uma escola particular libanesa. Após a análise dos resultados, os autores concluíram que grande parte dos docentes estudados não possuía uma visão apropriada sobre o conhecimento científico9.

7

Dentre estes, têm-se, por exemplo, crenças religiosas e valores pessoais (LAWSON; WORSNOP, 1992; OSIF; 1997; ALTERS; ALTERS, 2001; TRACY; HART; MARTENS, 2011); fatores psicológicos, políticos e sociais, visões de mundo (ALLMON, 2011); crenças epistemológicas e disposições cognitivas (SINATRA et al., 2003). 8

É bastante corriqueiro encontrar na literatura o emprego das expressões correta, sofisticada, adequada,

inadequada, ingênua, incorreta para fazer referências às concepções de ciência das pessoas. Apesar de

reconhecermos a dificuldade de utilizá-las (na medida em que pode soar como uma avaliação pessoal e derrogatória), decidimos manter os termos usados em cada trabalho citado, para sermos fiéis à maneira como os autores os utilizam.

9

Neste estudo, 57% dos professores entrevistados afirmaram que os cientistas usam um determinado método científico. Além disso, todos os participantes consideraram que, após o acúmulo de evidências, as teorias científicas recebem um status mais elevado e são transformadas em leis (SARIEDDINE; BOUJAOUDE, 2014).

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A presença de concepções equivocadas sobre a ciência também está presente no âmbito do ensino superior. Diversos trabalhos têm procurado elucidar a maneira como os cientistas e os estudantes universitários de cursos de ciências naturais (e.g., Biologia, Física, Química, Geologia) compreendem o conhecimento científico. Em muitos desses estudos, têm-se evidenciado que os mesmos não possuem um entendimento fundamental sobre o que é a ciência para além da prática de suas disciplinas.

Schwartz e Lederman (2008), por exemplo, investigaram a visão de ciência de 24 pesquisadores norte-americanos pertencentes a quatro disciplinas científicas (Química, Ciências da Vida, Física, Ciências da Terra/Espaço). Como resultado, os autores concluíram que os cientistas investigados apresentavam uma mescla de concepções informadas e ingênuas sobre a ciência10.

Outro trabalho dessa mesma natureza foi realizado por Glasson e Bentley (2000). Entretanto, diferentemente do anterior, os autores buscaram entender como os cientistas compreendem a pesquisa científica. Para atingir este objetivo, eles entrevistaram quatro cientistas e dois engenheiros norte-americanos, após uma conferência na qual apresentavam seus trabalhos aos educadores do ensino fundamental e médio em um estado do sudeste dos EUA. Ao final desse estudo, Glasson e Bentley (2000) notaram que durante as entrevistas os cientistas representantes das áreas da biologia e química expressaram um forte compromisso com o empirismo11. Por sua vez, as falas dos engenheiros evidenciaram uma grande ênfase sobre a resolução de problemas.

As pesquisas mencionadas acima ajudam a elucidar a maneira pela qual os cientistas compreendem a ciência, bem como a prática científica12.

Tratando-se dos estudantes universitários, pesquisas têm mostrado que na maioria das vezes esse grupo também possui algumas visões distorcidas referentes ao conhecimento científico. Depois de analisar as visões de ciência de 45 estudantes dos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Física de uma universidade pública brasileira, Teixeira, El-Hani e Freire (2001) notaram que os discentes tinham algumas concepções equivocadas sobre a ciência. Dentre estas, têm-se, por exemplo, uma ideia ingênua e indutivista sobre o que é um experimento, uma visão experimentalista na qual o experimento é entendido como indispensável para o desenvolvimento da ciência, não se reconhecendo outras possibilidades de teste empírico, e uma concepção hierárquica das relações entre leis e teorias científicas.

Um estudo semelhante ao anterior foi realizado por El-Hani, Tavares e Rocha (2004). Após analisarem as concepções de ciência de 16 alunos ingressantes de um curso de Bacharelado em Ciências Biológicas de uma universidade federal brasileira, os autores concluíram que os discentes apresentaram algumas concepções inadequadas. As mais recorrentes estavam relacionadas à demarcação entre a ciência e demais formas de conhecimento, ao conceito de experimento, à função dos experimentos na prática científica, à ideia de modelo e às diferenças entre teorias e leis científicas.

10 Eles notaram que 70,8% dos entrevistados acreditam que a ciência requer uma base empírica. Ademais, 54,2% deles têm uma visão hierárquica da relação entre leis e teorias. Por sua vez, 62,5% dos cientistas reconheceram o papel da subjetividade na prática científica (SCHWARTZ; LEDERMAN, 2008).

11 O químico, por exemplo, descreveu a pesquisa científica como um empreendimento estritamente empírico, cujo principal objetivo é a busca da “verdade objetiva”. Ele também relatou que a ciência não possui pressupostos éticos (GLASSON; BENTLEY, 2000, p. 481).

12 De acordo com Erduran e Dagher (2014), prática científica refere-se aos elementos cognitivos, epistêmicos, sociais, institucionais, culturais, políticos e econômicos que compõem e sustentam a produção, avaliação e revisão do conhecimento científico.

(17)

Recentemente, Azevedo e Scarpa (2017b) buscaram investigar as concepções de ciência de 691 graduandos de biologia de 14 universidades brasileiras. Após analisarem 11 aspectos relativos ao conhecimento científico, as autoras observaram que os estudantes pesquisados possuem diversas concepções menos informadas sobre a ciência. Dentre estas, as principais dizem respeito a temas epistemológicos como instrumentação, práticas experimentais e natureza das teorias científicas. Além disso, estas pesquisadoras concluíram que, entre os três grupos de alunos representados pelos cursantes de bacharelado, bacharelado e licenciatura e somente licenciatura, o último foi o que menos apresentou concepções informadas sobre a ciência.

Esses trabalhos mostram que alunos e professores dos mais variados níveis de ensino, bem como cientistas, têm concepções equivocadas sobre a ciência. Embora esse problema seja comum a esses grupos, devemos ressaltar que podem existir diferenças qualitativas entre as visões de ciência dos mesmos. Samarapungavan, Westby e Bodner (2006), por exemplo, procuraram entender como as concepções de ciência variam entre pesquisadores da química em relação a estudantes do ensino médio, da graduação e da pós-graduação em química de uma universidade norte-americana. Após analisar as respostas fornecidas por esses diferentes grupos, os autores notaram que os conceitos de ciência apresentados por eles foram distintos.

Os pesquisadores também concluíram que o grupo que apresentou uma compreensão mais sofisticada da ciência foi o dos cientistas:

Os cientistas começaram definindo a ciência como uma tentativa de entender o mundo natural. Eles disseram que o que distinguia a ciência dos esforços não-científicos era que a ciência exigia objetividade baseada em procedimentos padrão para coletar evidências. Além disso, mencionaram normas e padrões específicos para avaliação de reivindicações científicas, incluindo normas metodológicas (por exemplo, manipulação experimental, replicação) e normas epistêmicas (por exemplo, precisão e exatidão, replicabilidade etc.) (SAMARAPUNGAVAN; WESTBY; BODNER, 2006, p. 485).

Por sua vez, Dogan e Abd-El-Khalick (2008) mostraram, em seu estudo, que não havia diferenças significativas entre o entendimento da ciência dos discentes e docentes do ensino médio da Turquia. Após avaliar as concepções sobre o conhecimento científico de um total de 2.020 alunos e 362 professores de ciências, os autores concluíram que a maioria das respostas de ambos os grupos para os diversos aspectos da ciência era semelhante. Estes pesquisadores também observaram que, na maioria das vezes, os professores participantes apresentaram as mesmas visões ingênuas sobre a ciência encontradas entre seus alunos. Por exemplo, todos os discentes e docentes sustentaram a visão de que diferentes formas do conhecimento científico, como hipóteses, teorias e leis, estão hierarquicamente inter-relacionadas em uma progressão que é dependente do acúmulo de evidências científicas (DOGAN; ABD-EL-KHALICK, 2008, p. 1093). McComas (2003) alega que a presença desse equívoco pode levar os alunos e professores a pensarem que as leis são mais importantes do que as teorias ou hipóteses. Essa visão também pode resultar na errônea ideia de que, com o tempo, as hipóteses e teorias serão transformadas em leis, e aquelas que não o forem serão descartadas ou permanecerão como meras especulações.

Quando analisados em conjunto, esses estudos revelam que podem existir diferenças e semelhanças qualitativas entre as visões de ciência de alunos, professores e cientistas. Eles também evidenciam que, na maioria das vezes, esses grupos não possuem um entendimento elementar sobre o modo como o conhecimento científico é construído e aceito. A ausência da compreensão sobre o trabalho científico pode refletir negativamente desde a atuação dos indíviduos em suas respectivas sociedades até o contexto específico da Educação em

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Ciências. Uma vez que a ciência exerce importante influência em vários países, uma compreensão insuficiente da mesma pode resultar em diversos problemas sociais. Ela pode, por exemplo, limitar a participação e contribuição efetiva dos cidadãos em discussões de cunho científico que têm implicações nas áreas da saúde pública, engenharia genética, segurança alimentar, meio ambiente etc.

McComas, Clough e Almazroa (2002, p. 3) declaram que essa falta de entendimento pode ser maléfica para os cidadãos que possuem voz ativa na avaliação das evidências científicas e tomada de decisões relativas ao financiamento da ciência. Segundo esses autores, muitas decisões ilógicas e atitudes irracionais referentes a essas questões científicas frequentemente estão baseadas em uma má compreensão sobre a própria ciência.

Já no âmbito da educação, pode-se resultar em um ensino e aprendizagem de ciências marcadas por uma série de problemas. Guerra-Ramos (2012, p. 631) ressalta que as ideias que os professores têm sobre o conhecimento científico têm uma grande relevância educacional, pois os mesmos têm a importante tarefa de introduzir a ciência para as futuras gerações, como uma das principais conquistas humanas intelectuais. Ela acrescenta que os docentes inevitavelmente expressam suas concepções sobre a ciência na sala de aula através de seus discursos e suas ações. Ademais, quando essa manifestação é explícita, ela pode influenciar diretamente a maneira como os estudantes compreendem o conhecimento científico.

Sendo assim, se os professores de ciências do ensino fundamental e médio, por exemplo, tiverem ideias equivocadas sobre o trabalho científico, seus alunos podem ser levados a desenvolver uma compreensão de ciência que se afaste amplamente de como ela realmente é. Isso é possível porque as concepções que os docentes têm “[...] fazem parte de uma complexa rede de ideias interconectadas a visões sobre ensino e aprendizagem da ciência” (GUERRA-RAMOS, 2012, p. 631).

A presença de visões inadequadas sobre a ciência também pode influenciar diretamente na formação dos futuros professores de ciências e até mesmos dos cientistas. Sabe-se que o ensino universitário é o responsável pela formação dos futuros professores e/ou cientistas. Todavia, muitas vezes, tal como nos outros níveis de ensino, o ensino superior também transmite visões deformadas da ciência (e.g.; visões empírico-indutivistas) (GIL PÉREZ et al., 2001).

Para que um docente possa promover condições para que seus alunos desenvolvam visões informadas sobre a ciência, ele deve possuir um conhecimento adequado da mesma, pois um professor não pode ensinar bem o que não entende (ABD-EL-KHALICK; LEDERMAN, 2000a). Não obstante, deve-se ressaltar que não existe uma relação simplista e direta entre as compreensões de ciência dos professores e alunos (LEDERMAN, 2007). Pesquisas têm mostrado que essa relação é muito mais complexa do que se pensa. Estudos empíricos sobre concepções epistemológicas de professores, práticas de sala de aula e concepções epistemológicas de estudantes às vezes mostram haver relações entre essas variáveis, às vezes não encontram tais relações, possivelmente porque há outros fatores intervenientes, como, por exemplo, pressão para cobrir o conteúdo, experiência de ensino e modos de gerenciamento da sala de aula (LEDERMAN, 2007). Abd-El-Khalick (2005) destaca, contudo, que isso mostra que a compreensão sobre o conhecimento científico dos professores não é suficiente para estabelecer a compreensão dos alunos, mas ela ainda permanece como uma condição necessária para a promoção de visões informadas sobre a ciência.

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Diante desse cenário, é notória a importância da Educação em Ciências, pois a mesma possui a incumbência de propiciar condições para que os estudantes dos mais diversos graus de escolaridade, bem como professores e cientistas, obtenham uma visão mais sofisticada sobre o conhecimento científico. Esse chamado é consoante com a visão de Hodson (2014) sobre os principais objetivos da Educação em Ciências. Para ele, o ensino e aprendizagem de ciências precisam abarcar quatro categorias essenciais: aprender ciência, aprender a fazer ciência, aprender a abordar questões sociocientíficas e aprender sobre ciência. Em relação à última dimensão, esse autor afirma que ela abrange o entendimento de como o trabalho científico é produzido, disseminado e avaliado. Também inclui a relação da ciência com a tecnologia, sociedade e meio ambiente, bem como as questões éticas e morais que são geradas pela prática científica (HODSON, 2014, p. 2551).

Dentre as diversas maneiras de se promover a instrução sobre o trabalho científico, podemos destacar o ensino sobre a Natureza da Ciência (NdC), que McComas, Clough e Almazroa (2002, p. 4) descrevem como segue:

A natureza da ciência é uma fértil arena híbrida que combina aspectos de vários estudos sociais da ciência, incluindo história, sociologia e filosofia da ciência, combinados com pesquisas das ciências cognitivas, como a psicologia, em uma rica descrição do que é ciência, como funciona, como os cientistas operam como um grupo social e como a própria sociedade direciona e reage aos esforços científicos.

Como esses autores argumentam, a natureza da ciência constitui um domínio fundamental para orientar educadores de ciências sobre como retratar com precisão a ciência para seus alunos (MCCOMAS; CLOUGH; ALMAZROA, 2002).

À luz dessa explanação, podemos concluir que a NdC pode ser entendida como um construto pedagógico do Ensino de Ciências que deve tomar como base, para sua elaboração, diferentes disciplinas metacientíficas13. Matthews (2015, p. 388) enfatiza que a integração e o ensino dessas disciplinas são essenciais para a educação em ciências, pois “a ciência é uma empreitada humana e, portanto, historicamente incorporada, que busca a verdade e tem muitos recursos: cognitivos, sociais, culturais, políticos, éticos, financeiros, psicológicos”.

A filosofia da ciência nos leva refletir sobre o que é ciência, quais são seus objetivos, valores, alcances e limites. Por meio dessa área também podemos pensar como ocorre a construção e justificação do conhecimento científico. Por sua vez, a história da ciência oferece o ambiente para a discussão dessas questões filosóficas. Ademais, através da história da ciência é possível mostrar como a ciência evoluiu ao longo do tempo. Por fim, a sociologia da ciência possibilita considerar como a ciência se relaciona com a sociedade e cultura. Além disso, essa área nos capacita a combater visões dogmáticas e cientificistas sobre o trabalho científico (ADÚRIZ-BRAVO, 2005, p. 4-5).

Matthews (2015) salienta que, a princípio, a NdC foi identificada com a filosofia da ciência. Consequentemente, houve uma ênfase sobre as áreas da filosofia das ciências associadas à NdC (e.g. epistemologia, metodologia, ética da ciência), assim como sobre a aprendizagem desses conteúdos. Posteriormente, a NdC foi ampliada para abranger a história da ciência em conjunto com a filosofia da ciência. Essa ampliação teve como base a interdependência de história e filosofia da ciência, como indicada pela famosa máxima de

13 Disciplinas metacientíficas correspondem a todas as áreas que têm como objeto de estudo a ciência. Alguns exemplos são a filosofia, história, sociologia e psicologia da ciência (ADÚRIZ-BRAVO, 2005, p. 3).

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Lakatos (1978, p. 102), “a filosofia da ciência sem a história da ciência é vazia; a história da ciência sem a filosofia da ciência é cega”. Contudo, após o surgimento de novos estudos sobre a sociologia e psicologia da ciência, a NdC foi ampliada para abarcar essas duas áreas14.

Existem diversas razões para promovermos o ensino sobre a NdC no contexto da Educação em Ciências. McComas, Clough e Almazroa (2002) argumentam que essa instrução pode melhorar a aprendizagem sobre a ciência. Eles afirmam que por meio do ensino da NdC é possível compreendermos os diferentes elementos da ciência, como teorias, leis, hipóteses e modelos. Além disso, é possível aprender sobre o desenvolvimento do conhecimento científico, bem como sobre seus valores e limitações. Semelhantemente, Driver e colaboradores (1996) enfatizam que a compreensão da NdC é capaz de melhorar a aprendizagem dos conteúdos científicos e aumentar o interesse pela ciência.

A aprendizagem sobre a ciência está intimamente relacionada ao importante problema das dificuldades de compreensão sobre a natureza e as práticas do trabalho científico. Conforme discutimos acima, alunos, professores e mesmo cientistas frequentemente apresentam visões equivocadas sobre o conhecimento científico. Sendo assim, a promoção de uma melhor compreensão da ciência representa, por si só, uma importante justificativa para o ensino sobre a NdC (MCCOMAS; CLOUGH; ALMAZROA, 2002).

Matthews (2015) entende que a aprendizagem sobre a NdC pode: (1) humanizar as ciências e conectá-las a preocupações éticas, culturais e sociais; (2) tornar as aulas de ciências mais desafiadoras e melhorar as habilidades de raciocínio e pensamento crítico; (3) contribuir para uma compreensão mais ampla e significativa do conteúdo científico; (4) auxiliar os professores de ciências a desenvolver um entendimento mais sofisticado e autêntico da ciência; (5) auxiliar os docentes a apreender as dificuldades de aprendizagem dos discentes; (6) contribuir para a análise mais clara dos debates educacionais contemporâneos que envolvem professores de ciências e planejadores de currículos, como, por exemplo, questões referentes aos métodos de ensino construtivistas, à educação científica multicultural, às críticas feministas da ciência e a questões sobre a relação entre ciência e religião.

Bell e Lederman (2003) argumentam que a compreensão da NdC é fundamental para que os estudantes possam aplicar o conhecimento científico em seu dia a dia. Uma vez que o impacto da ciência em nossa cultura é notável, torna-se mais que necessário munir nossos estudantes com um conhecimento mais profundo sobre a ciência. Só assim eles estarão aptos a avaliar as afirmações científicas, discernir entre argumentos científicos e pseudocientíficos, analisar criticamente as descobertas científicas, ser capaz de apreciar criticamente posturas anticientíficas, e assim por diante.

A compreensão da NdC tem sido defendida como um dos principais objetivos do Ensino de Ciências desde o final do século passado por numerosos pesquisadores e educadores (LEDERMAN, 2007). Consoante a este chamado, nas últimas décadas, diversos documentos de reforma do ensino de ciências de diferentes países têm buscado incorporar a instrução sobre a NdC. Dentre estes, podemos citar documentos publicados pela Association for Science Education (ASE) (1963) da Grã-Bretanha e por organizações nos Estados Unidos como a National Science Teachers Association (NTSA) (1982), American Association for the Advance of Science (AAAS) (1989) e National Research Council (NRC) (1996) (MCCOMAS; CLOUGH; ALMAZROA, 2002).

14 Para compreender melhor a história do desenvolvimento da NdC, ver McComas, Clough e Almazroa (2002), Duschl e Grandy (2013), Hodson (2014) e Lederman, Bartos e Lederman (2014).

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No contexto brasileiro, a busca pela abordagem dos aspectos históricos, filosóficos e sociais do trabalho científico, capturados pela NdC, pode ser ilustrada por diretrizes educacionais como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN+). A BNCC declara que uma das principais competências de ciências da natureza para o ensino fundamental, por exemplo, é “compreender as Ciências da Natureza como empreendimento humano, e o conhecimento científico como provisório, cultural e histórico” (BRASIL, 2017, p. 324). Já o PCN+ sinaliza a necessidade de entender o conhecimento científico em seu contexto sociocultural (BRASIL, 2002, p. 32).

Embora o ensino sobre a NdC tenha sido advogado por inúmeros pesquisadores e educadores em ciências ao redor do mundo por várias décadas, é preciso ressaltar que existem diferentes maneiras de alcançar esse objetivo. Dentre as principais alternativas, podemos destacar o que tem sido denominada “visão consensual” (VC) sobre a NdC (IRZIK; NOLA, 2011; MARTINS, 2015), ou, alternativamente, ideias-sobre-Ciência (ideas-about-Science) (OSBORNE et al., 2003) ou de aspectos gerais (general aspects) (KAMPOURAKIS, 2016).

Segundo os defensores da VC, é possível identificarmos um conjunto de princípios amplos e consensuais sobre a ciência que podem ser tomados como fundamento para trabalhar sobre a NdC no contexto escolar. De acordo com seus representantes, estes elementos podem ser apresentados na forma de listas e obtidos de diferentes maneiras, como, por exemplo, através dos documentos oficiais de reforma do ensino de ciências (e.g., MCCOMAS;

CLOUGH; ALMAZROA, 2002; LEDERMAN, 2007; LEDERMAN; BARTOS;

LEDERMAN, 2014).

A VC tem trazido importantes contribuições para a Educação em Ciências desde a década de 1990. Todavia, recentemente alguns autores têm criticado essa abordagem a partir de diferentes perspectivas. Essas críticas geralmente têm sido acompanhadas pela elaboração de novas propostas para abordar a NdC. Dentre estas, elencamos os trabalhos de Allchin (2011, 2017), Matthews (2012, 2015), Irzik e Nola (2011, 2014) e Erduran e Dagher (2014).

Para Allchin (2011), a VC oferece uma imagem limitada e incompleta da ciência. Ele desenvolve essa crítica devido à maneira como o conhecimento científico é apresentado pela VC: na forma de princípios declarativos reunidos em listas prontas. Após sugerir um afastamento radical dessa abordagem, este autor propõe uma visão mais ampla da NdC, que considera ser capaz de capturar as diversas dimensões da ciência, como o papel do financiamento científico, revisão por pares, fraude e validação de novos métodos etc. Allchin denomina sua nova abordagem de “Ciência Integral” (CI).

As limitações da VC também são notadas e discutidas por Matthews (2012, 2015). Ele argumenta que essa proposta é problemática, pois não está claro, por exemplo, quantos princípios devem ser incluídos em uma lista da NdC, ou de que forma os aspectos epistemológicos, sociológicos, éticos, filosóficos da ciência devem se apresentar na mesma (MATTHEWS, 2015). Baseado nestas e em outras considerações, Matthews (2015) propõe a mudança da ideia de “natureza” da ciência (NdC) para a de “características” das ciências (CdC). Ele defende que esta alteração, tanto de terminologia quanto de enfoque, pode nos auxiliar a evitar vários problemas associados à VC, bem como outros obstáculos de cunho filosófico e educacional que estão presentes em numerosas pesquisas sobre a NdC.

Os filósofos da ciência Irzik e Nola (2011, 2014) também buscaram elaborar uma nova maneira de trabalhar a NdC à luz dos problemas da VC. A principal crítica deles à VC diz respeito à forma como ela descreve a ciência: como um empreendimento monolítico, cego às

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diferenças entre as disciplinas científicas (IRZIK; NOLA, 2011, p. 593). Ancorados na ideia de semelhança de família de Wittgenstein (1958), Irzik e Nola (2011, 2014) desenvolveram uma nova proposta para considerarmos a NdC, denominada Abordagem de Semelhança de Família (ASF). Estes filósofos argumentam que a ASF pode superar alguns problemas inerentes à VC. Além disso, sob essa nova perspectiva, é possível considerarmos as diversas características que se sobrepõem as diferentes disciplinas sem generalizá-las demasiadamente para as demais ciências.

Após reconhecer e acrescentar novos benefícios à utilização da ASF, Erduran e Dagher (2014) propuseram a sua modificação, a fim de atingir algumas metas do Ensino de Ciências. Essa proposta foi denominada por elas de Abordagem de Semelhança de Família Reconceitualizada para a NdC (FRN). Dagher e Erduran (2016) argumentam que essa alteração é útil para organizar o currículo e a instrução de ciências. Além disso, elas também defendem que essa mudança é essencial para o desenvolvimento de uma compreensão mais rica e abrangente sobre a NdC.

A breve discussão apresentada acima permite observar que as diferentes abordagens da NdC surgiram com o intuito de fornecer uma nova compreensão sobre esse construto. Ademais, podemos notar que grande parte dessas propostas também buscou superar alguns problemas inerentes a essa área, principalmente no que diz respeito à maneira como a NdC é considerada pela VC.

Outra diferença substancial entre essas abordagens refere-se à forma como elas compreendem a NdC. De um lado, a NdC é assumida como simples e unificada, não se levando em consideração as diferenças entre as diversas disciplinas científicas. Essa orientação está presente, por exemplo, na VC, que assume uma ideia universalista ou geral da ciência, na qual se enfatiza a essência da ciência em detrimento das particularidades de suas disciplinas (HODSON, 2014; SCHIZAS; PSILLOS; STAMOU, 2016).

Conforme veremos adiante, essa posição tem recebido críticas nas últimas décadas por parte de filósofos, pesquisadores e educadores em ciências. Eflin, Glennan e Reisch (1999, p. 108), por exemplo, declaram que essa concepção pode nos levar a pressupor que existe uma natureza da ciência para ser descoberta e ensinada aos alunos. Eles também argumentam que essa abordagem é característica de uma visão essencialista da ciência, na qual acredita que exista uma essência ou conjunto de critérios que são capazes de descrever todas as atividades consideradas científicas.

De outro lado, a NdC é vista sob um olhar que contempla as distinções entre as ciências. Diferentemente da posição anterior, essa proposta entende que não existe uma natureza universal da ciência, que seja comum a todas as áreas da ciência. Por conseguinte, ao abordarmos a NdC também deveríamos levar em consideração o contexto específico de cada disciplina científica (SCHIZAS; PSILLOS; STAMOU, 2016). Essa concepção pode ser exemplificada pelas ASF e FRN, visto que ambas estão atentas às diferenças substanciais existentes entre as disciplinas.

Essa discussão sobre como considerar a NdC tendo em vista a diversidade da ciência nos leva a pensar em qual nível de domínio da ciência a instrução sobre a NdC deve ocorrer (ABD-EL-KHALICK, 2012). Enquanto alguns pesquisadores têm buscado elaborar propostas de ensino sobre a NdC a partir de um domínio geral, outros (e.g., CETIN; ERDURAN; KAYA, 2010; KLOSER, 2010; SCHIZAS; PSILLOS; STAMOU, 2016) têm defendido que a inclusão da NdC no currículos deve acontecer segundo o domínio específico de cada disciplina científica, como a Biologia, Química, Física, Geologia etc. Os defensores de uma

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abordagem de domínios específicos argumentam que ela é necessária, pois existem diferenças significativas entre as disciplinas científicas.

Consideremos, por exemplo, o caso da Biologia. Estudiosos (e.g., MAYR, 2004; AYALA; ARP, 2010) têm argumentado que esta ciência possui características distintivas, que lhe são peculiares, e a distinguem, por exemplo, da Física. Um dos debates mais perenes e conhecidos a este respeito é concernente à presença e natureza de leis na Biologia (MAYR, 2004; RUSE, 1973). Enquanto algumas ciências como a Física e a Química estão assentadas sob leis, no âmbito das Ciências Biológicas existe uma grande discussão filosófica sobre a existência e natureza das leis nessa ciência, com diversos filósofos a indagando se a Biologia realmente possui leis (RUSE, 1970; HULL, 1974; BEATTY, 1995; BRANDON, 1997; WOODWARD, 2001).

Esse exemplo revela como ciências possuem diferenças importantes em alguns de seus aspectos. Além disso, ele também nos ajuda a perceber que o desenvolvimento de propostas sobre a NdC a partir do domínio específico de cada ciência pode lançar luz sobre o valor das características individuais de cada disciplina científica (SCHIZAS; PSILLOS; STAMOU, 2016).

As discussões apresentadas até aqui ratificam a importância da promoção do ensino e da aprendizagem sobre a NdC. Elas também nos ajudam a compreender que existem diversas maneiras de trabalhar esse construto, visto que podemos abordá-lo a partir de diferentes propostas e perspectivas. Em vista disso, o principal objetivo deste trabalho é buscar contribuir para a reflexão sobre a NdC, como construto pedagógico, por meio da proposta de um modelo para ensinar sobre a NdC no contexo das Ciências Biológicas.

Discutiremos nos próximos capítulos os três elementos que fundamentaram a elaboração da nossa proposta. Como ponto de partida, apresentamos, no capítulo 1, o campo da NdC a partir de suas principais características e divergências. Após essa breve explanação, discutimos as principais abordagens que os pesquisadores têm utilizado para abordar esse construto pedagógico no contexto da Educação em Ciências.

A partir dessa discussão, selecionamos a FRN (ERDURAN; DAGHER, 2014) como base para nosso modelo, por oferecer perspectivas que consideramos férteis para a discussão da NdC. Argumentamos que uma das principais razões para escolhermos essa abordagem refere-se à maneira como concebe a ciência, a saber, como um empreendimento heterogêneo, dando atenção às diferenças substanciais entre as diversas disciplinas científicas. Ao fazer essa opção, alinhamo-nos assim à ideia de que o ensino sobre a NdC deve ter na devida conta as diferenças entre estas disciplinas. Entre as diversas ciências, voltaremos nossa atenção para uma disciplina específica: a Biologia. Argumentamos que essa ciência pode fornecer um frutífero contexto para uma abordagem da NdC.

No capítulo 2, apresentamos uma proposta de abordagem das características do conhecimento científico no âmbito das Ciências Biológicas. Explicitamos como a moldura conceitual da biologia elaborada por Scheiner (2010) pode auxiliar na busca desse objetivo através da identificação de cinco teorias biológicas: celular, genética, do organismo, da evolução e da ecologia. Ademais, defendemos que a história dessas teorias é capaz de contextualizar a abordagem da NdC no âmbito da Biologia segundo as particularidades da FRN.

No capítulo 3, oferecemos um breve panorama sobre como os modelos científicos foram entendidos segundo as visões sintática, semântica e pragmática. Em seguida,

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defendemos que uma vertente específica desta última visão – a concepção de modelos como artefatos epistêmicos proposta por Knuuttila (2005a) – pode ajudar a alicerçar a construção do nosso modelo destinado a ensinar sobre a NdC à luz da FRN no âmbito da Biologia.

Em seguida, apresentamos no capítulo 4 esse modelo com suas principais características e a maneira como seus diferentes componentes interagem entre si. Nós o denominamos “Modelo Integrativo da Biologia para o Ensino da Ciência” (MIBioEC), porque entendemos que seus diferentes elementos constitutivos estão totalmente relacionados entre si. Advogamos que o MIBioEC tem o potencial de auxiliar a Educação em Ciências a atingir uma de suas principais metas, a saber, o ensino e aprendizagem sobre a NdC. Além disso, sustentamos que ele pode cumprir esse objetivo a partir de uma perspectiva rica e complexa, a qual também atenta para as particularidades das Ciências Biológicas e do Ensino de Biologia.

Posteriormente, no capítulo 5, tratamos da história da teoria celular com a finalidade de identificar alguns aspectos da NdC presentes no desenvolvimento dessa teoria e no capítulo 6, exemplificamos como o MIBIoEC pode ser empregado para ensinar sobre algumas características da NdC presentes na FRN à luz da história da teoria celular. Finalmente, no último capítulo, fazemos nossas considerações finais e elencamos algumas implicações do MIBIoEC para a Educação em Ciências.

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1. O CAMPO DA NATUREZA DA CIÊNCIA

O campo de estudos sobre a NdC é amplamente reconhecido pela sua complexidade e

diversidade (ABD-EL-KHALICK; LEDERMAN, 2000a; MCCOMAS; CLOUGH;

ALMAZROA, 2002; LEDERMAN, 2007; ACEVEDO-DÍAZ, 2008; HODSON, 2014; LEDERMAN; BARTOS; LEDERMAN, 2014; ACEVEDO-DÍAZ; GARCIA-CARMONA, 2016). Dentre as peculiaridades presentes no mesmo, podemos ressaltar aquela que diz respeito à própria definição do termo “Natureza da Ciência”.

A comunidade de pesquisadores da Educação em Ciências reconhece que a definição de “Natureza da Ciência” não é muito precisa, nem consensual, visto que cientistas, filósofos, historiadores e sociólogos da ciência não possuem uma única visão de ciência. Devido a essa ampla diversidade, alguns estudiosos têm enfatizado a dificuldade de caracterizarmos a Ciência com base na busca de uma suposta natureza única.

A visão de uma NdC única também vai contra a própria constituição da ciência. Tem sido defendida nos estudos sobre a ciência (e.g., DUPRÉ, 1993; GALISON; STUMP, 1996) a visão da desunidade da ciência, segundo a qual a produção do conhecimento científico envolve uma diversidade de práticas utilizadas em muitas áreas variadas e distintas de pesquisa, cada uma com diferentes objetivos, linguagens, estruturas conceituais, métodos. Sendo assim, devido a essa constituição multifacetada da ciência, deveríamos reconhecer e adotar uma visão ampla e pluralista sobre a expressão “Natureza da Ciência”.

Entre os críticos de uma concepção única da NdC, temos Allchin (2011, p. 526-527), para quem a própria frase “natureza da ciência” (principalmente com sua alusão à “natureza”) tende a conotar alguma essência inerente e universal. Todavia, como ele discute, essa visão diverge amplamente das diferentes respostas que filósofos, sociólogos e historiadores da ciência fornecem para explicar o que seria a ciência (ALLCHIN, 2004).

Embora não exista uma única definição e compreensão sobre a NdC, no contexto da Educação em Ciências tem-se admitido que pode haver um consenso sobre muitos aspectos elementares do conhecimento científico, o qual pode constituir um construto pedagógico que, uma vez incluída nos currículos de ciências, pode ser acessível e importante para alunos da educação básica e também do ensino superior. Essa tese é defendida, por exemplo, por Smith e colaboradores (1997). Para eles, há muito mais consenso do que discordância sobre a definição e/ou significado da NdC. Esses autores também reconhecem que existem inúmeras controvérsias no campo da Filosofia da Ciência (e.g., o debate realismo x empirismo). Todavia, eles acrescentam que essas discussões são inacessíveis, irrelevantes e até mesmo inapropriadas para a Educação básica, foco de sua discussão.

Assim como Smith e colaboradores (1997), Abd-El-Khalick e Lederman (2000a, p. 666) também argumentam que não existe um consenso entre filósofos e historiadores da ciência, cientistas e educadores de ciência sobre uma definição específica para a NdC. Eles também reconhecem que não existe uma única NdC, nem tampouco um acordo geral sobre o significado desse termo, visto que as concepções de NdC são dinâmicas e modificam-se ao longo do desenvolvimento do conhecimento científico. Todavia, eles acrescentam que este desacordo não deve ser tomado de uma maneira surpreendente e incômoda, na medida em que o trabalho científico tem uma natureza multifacetada, complexa e dinâmica que dificulta a existência de uma única definição da NdC. Em outro trabalho, Abd-El-Khalick e Lederman (2000b, p. 1063) argumentam que, “apesar dos contínuos desentendimentos sobre uma

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definição específica para a NdC, em um certo nível de generalidade e dentro de um certo período de tempo, há uma ‘sabedoria compartilhada’ sobre a NdC”. Eles ratificam a importância de levarmos em conta nossos objetivos educacionais, pois no âmbito da educação básica a generalidade de alguns aspectos importantes da NdC são virtualmente não controversos e acessíveis, podendo promover o ensino e aprendizagem da NdC.

Smith e Schwarmann (1999) declaram que o nível de compreensão sobre a NdC que os estudantes precisam ter deve ser sólida, mas elementar. O que os alunos precisam compreender não são profundas questões discutidas pelos filósofos, historiadores e sociólogos da ciência, mas as características gerais que compõem o conhecimento científico. Em vista disso, eles concluem que é necessário e apropriado adequar o nível de tratamento da NdC ao grau de compreensão, habilidade e desenvolvimento intelectual dos alunos.

Do mesmo modo, Lederman, Bartos e Lederman (2014, p. 973) também reconhecem que “o que é necessário quando se considera a NdC, como é o caso do conteúdo científico típico, é a sua adequação educacional e de desenvolvimento, bem como a sua apresentação de uma forma ligada à vida dos estudantes, mas a um nível aceitável de generalidade”.

Ideia semelhante a esta é apresentada por McComas e Clough (2019). Estes autores afirmam que, ao considerarmos o contexto escolar, a NdC deve passar por um processo de transformação, ou seja, de transposição didática (CHEVALLARD, 1989), que envolve escolher quais aspectos da ciência queremos ensinar.

McComas, Clough e Almazroa (2002, p. 6) ressaltam que, “no nível dos detalhes, sempre haverá um debate ativo sobre a natureza última da ciência”. No entanto, eles entendem que a principal função dos professores de ciência não é inserir os alunos nas complexas questões filosóficas que permeiam esse debate, mas descrever precisamente a função, os processos e os limites do empreendimento científico.

Lederman, Bartos e Lederman (2014) argumentam que o nosso público-alvo não são os cientistas, filósofos nem historiadores, mas os alunos e professores de ciências. O que buscamos alcançar não é a formação de filósofos ou cientistas, mas a promoção da alfabetização científica através do ensino e aprendizagem sobre a ciência.

Nesse sentido, a NdC pode ser entendida como um construto pedagógico do Ensino de Ciências que se ocupa das principais características do conhecimento científico. Esse construto deve tomar como base, para sua elaboração, diferentes campos do conhecimento, como a História, Filosofia, Sociologia e Psicologia da Ciência. A seleção e adequação dos conteúdos dessas áreas metacientíficas devem passar por um processo de transposição didática levando em conta o contexto escolar, objetivos de aprendizagem, currículo, metas de avaliação etc. (EL-HANI; NUNES-NETO; ROCHA, 2019).

Os argumentos apresentados pelos autores acima mostram que um consenso filosófico sobre a NdC é inalcançável. Essa dificuldade deve-se ao fato de existirem diferentes formas de compreendermos o conhecimento científico, seja através da História, Filosofia e Sociologia da Ciência, ou das visões dos cientistas, pesquisadores e educadores em ciências (ABD-EL-KHALICK, 2012).

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1.1 Propostas de abordagem da NdC para o Ensino de Ciências

No entanto, a despeito dessas discordâncias, vários autores afirmam que existe um grau de concordância bastante fundamental sobre quais elementos da NdC devem ser inseridos nos currículos de ciência da educação básica (HODSON, 2014). Esses componentes da NdC que devem ser ensinados são amplamente aceitos nos documentos curriculares de ciências e entre filósofos, historiadores, sociólogos e educadores da Educação em Ciências (LEDERMAN; BARTOS; LEDERMAN, 2014). Abd-El-Khalick (2012, p. 355) afirma que:

[...] esse entendimento da NdC é positivo e pragmático, pois aproveita consenso (e não controvérsia e desacordos) entre filósofos, historiadores e sociólogos e enfoca um nível de generalidade que torna os entendimentos-alvo da NdC praticamente incontroversos, ao mesmo tempo que os mantém relevantes para a ciência escolar.

A defesa desse suposto consenso propiciou o surgimento de uma importante abordagem da NdC: a Visão de Consenso (VC)15 (em inglês, CV: the Consensus View) (IRZIK; NOLA, 2011). Para os defensores da VC (e.g., MCCOMAS; CLOUGH; ALMAZROA, 2002; OSBORNE et al., 2003; LEDERMAN, 2007; ABD-EL-KHALICK; 2012; LEDERMAN; BARTOS; LEDERMAN, 2014), existem determinados postulados (tenets) que caracterizam o conhecimento científico e que podem ser trabalhados no Ensino de Ciências. Esses elementos consensuais frequentemente são apresentados na forma de listas de tópicos.

De acordo com Norman G. Lederman (2007) – um dos principais idealizadores dessa abordagem -, a NdC poderia ser entendida com base nos seguintes postulados consensuais: o conhecimento científico tem uma natureza empírica; observação e inferência são práticas diferentes da ciência; leis e teorias científicas são tipos distintos de conhecimentos; o desenvolvimento da ciência envolve a imaginação e a criatividade humana; o conhecimento científico é subjetivo, devido às crenças, ao conhecimento prévio, às experiências e expectativas dos cientistas16; a ciência é praticada dentro de um contexto cultural amplo que exerce influência sobre o trabalho dos cientistas; a ciência nunca é absoluta ou infalível. Nos últimos anos, essa lista tem sido modificada (e.g., MCCOMAS; CLOUGH; ALMAZROA, 2002; NIAZ; MAZA, 2011; ABD-EL-KHALICK, 2012; LEDERMAN; BARTOS; LEDERMAN, 2014) a partir da reconfiguração e/ou adição de novos itens.

Os adeptos da VC ressaltam que a apresentação dessas listas está baseada em um consenso pedagógico que não é absoluto, incontestável e imutável (ABD-EL-KHALICK; LEDERMAN, 2000a). No entanto, como discutem Bagdonas, Zanetic e Gurgel (2012), o conselho anunciado por estes pesquisadores pode ser esquecido com a ampla divulgação destes trabalhos. Como resultado, seria possível encontrarmos professores utilizando a lista de aspectos “consensuais” sobre a natureza da ciência como um novo currículo a ser ensinado nas aulas de ciências.

15 Essa visão tem sido nomeada desse modo principalmente pelos críticos dessa abordagem (e.g., IRZIK; NOLA, 2011; HODSON, 2014).

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Esse postulado traz uma confusão de graves consequências entre as práticas científicas envolver elementos subjetivos, como crenças, valores, interesses etc., e ser “subjetiva”, o que tem outras implicações, que minam qualquer compromisso com o valor epistêmico da objetividade no entendimento da ciência, mesmo num entendimento mais sofisticado, que tome, por exemplo, objetividade como intersubjetividade, o que reconhece, de um lado, a participação de elementos subjetivos na prática científica, mas não entende a ciência como uma atividade meramente subjetiva.

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