• Nenhum resultado encontrado

Os antigos estudos organizacionais (EO), de forma geral, têm-se preocupado em entender e discutir o que seria uma organização de forma objetiva, observando-a como um ente estático, homogêneo, identificável e não problemático (DUARTE; ALCADIPANI, 2016).

Tradicionalmente, a organização é vislumbrada como uma ferramenta ou estrutura que permite ao grupo atingir seus objetivos (CZARNIAWSKA, 2013), ou seja, como um instrumento social limitado com estruturas e objetivos específicos (COOPER; BURREL, 1988). Por trás desse entendimento da organização como estática, há uma série de preceitos de natureza ontológica e epistemológica que são adotados.

Os teóricos que seguem essa visão baseiam-se no pressuposto de que há uma realidade anteriormente definida que existe independente do olhar de quem analisa. Assim, o estático é visto como normal e as mudanças são atribuídas a algum tipo de mal funcionamento que deve ser evitada a todo o custo, sob pena de perder a eficiência organizacional (COOPER; LAW, 2005; DUARTE; ALCADIPANI, 2016).

É a partir da década de 1970 que surgem novas formas de se observar as organizações. Nesse período as ciências sociais passam a ser influenciadas por uma diversidade de perspectivas teóricas, tendo como fundamento as ideias pós-modernas (NAYAK; CHIA, 2011) e pós-estruturalistas (CALÁS; SMIRCICH, 1999; COOPER; LAW, 2005), que levaram a uma maior reflexibilidade a respeito da constituição dos fenômenos.

Esse movimento volta-se para um questionamento das abordagens convencionais de desenvolvimento das teorias, fornecendo análises incisivas que mostram o funcionamento interno e as bases assumidas por trás de cada teoria, o que desencadeia uma profusão de aportes teóricos para o estudar os fenômenos sociais, inclusive os EO (CALÁS; SMIRCICH, 1999).

Apesar de ter trazido contribuições para o desenvolvimento inicial dos EO, a abordagem ontológica tradicional a qual vislumbra as organizações como estáticas já não possui os elementos suficientes para explicar os fenômenos organizacionais das últimas décadas (CAMILLIS; BUSSULAR; ANTONELLO, 2016; DUARTE; ALCADIPANI, 2016; NAYAK; CHIA, 2011). Novos acontecimentos como fusões, participação de grupos informais, colaboração, interações, aquisições, dentre outros (CZARNIAWSKA, 2013), demandam uma visão contemporânea que enfatize o caráter processual e relacional das organizações.

Isso pode-se fundamentar no que Nayak e Chia (2011) e Cooper e Law (2005) denominam ontologia do devir ou vir a ser (becoming ontology), onde o processo de formação dos fenômenos é enfatizado, e não uma ontologia de substância (substance ontology) que entende a organização como um resultado previamente estabelecido ou uma realidade dada. Dessa maneira, seguindo a ontologia do vir a ser, as organizações não passam de “ondas de estabilidade num mar de processos” (NAYAK; CHIA, 2011, p. 284, tradução nossa).

Tendo por base essa nova vertente ontológica, estudar os fenômenos organizacionais resulta em grandes mudanças para os EO. E adotar seus pressupostos significa que não há organizações prontas, mas em processo constante de formação (LEE; HASSARD, 1999; NAYAK; CHIA, 2011; TSOUKAS; CHIA, 2011). As organizações não têm a capacidade de explicar os fenômenos, são elas que precisam ser explicadas em maiores detalhes.

Assim, estudos a respeito da ética, estruturas, culturas, gêneros entre outros, acabam por ser substituídos pelas análises das micropráticas heterogêneas do processo de organizing. Isso porque as organizações estão sempre em curso ativo de ações como um resultado contínuo de processos caracterizados como precários e parciais (DUARTE; ALCADIPANI, 2016).

Dessa maneira, não adianta tentar definir ou conceituar o que é uma organização, pois ao tentar fazê-lo perdem-se as agências do processo, ou seja, seu desdobramento relacional é perdido. Sendo assim, a solução é buscar um entendimento ao longo do caminho ou da história de formação da própria organização (LATOUR, 2011). E entender como ocorrem os processos e as relações que ao longo do tempo formam e transformam as organizações, tendo sempre por base a fluidez, ou seja, a instabilidade, onde o ordenamento é dado como uma espécie de coreografia precária (LAW; LIEN, 2012) que nunca está pronta, pois sofre modificações frequentes.

A ontologia do vir a ser tem como fundamento de análise organizacional a visão processual e relacional. Ela enfatiza o organizing como um processo que é estabilizado temporariamente por um conjunto heterogêneo de práticas de humanos e não-humanos. Estudar esse processo transitório de composição e recomposição do organizing turístico requer a escolha de aportes ontológico e epistemológico que permitam observar e estudar a realidade segundo a abordagem do devir.

Para alinhar essas escolhas, recorre-se ao modelo desenvolvido por Hassard e Cox (2013) ao qual sintetiza os caminhos de base ontológica e epistemológica que fundamentam as teorias organizacionais. Por meio da junção entre essas escolhas (ontológicas, epistemológicas, metodológicas e de natureza humana) são formadas as posições metateóricas. Dentro desse modelo são posicionadas as diferentes formas de análise organizacional que são adotadas nos estudos organizacionais (EO). Em seu terceiro quadrante ou terceira ordem dos EO, são apresentadas as bases que estão atreladas as novas demandas vindas com o pós-estruturalismo e pós-modernismo as quais possibilitam o estudo da organização como um verbo.

Assim, em termos ontológicos, sugere-se adotar o relativismo associado a uma epistemologia do tipo relacionista, de natureza humana desconstrucionista e metodologicamente reflexiva (HASSARD; COX, 2013). De forma geral, a ontologia volta-se para o estudo do que é considerado real, em termos de suas propriedades gerais e formas de existência. Ontologia significa uma “preocupação com o que é real, com o ser. É a soma total dos objetos e sujeitos que povoam o mundo” (PORT; MOL, 2015, p. 166, tradução nossa).

Adotar determinada escolha ontológica representa seguir uma forma de ver o mundo (DUARTE; ALCADIPANI, 2016; HASSARD; COX, 2013) e por consequência estudá-lo.Ao escolher uma ontologia do organizing baseado no devir, tendo por fundamento o estudo do relacional e processual, significa aceitar uma postura aberta ao seguir os fenômenos, sendo totalmente desprovida da existência de verdades.Isso porque, ‘verdade’ é aquilo que se acredita como tal no âmbito de uma coletividade.

E não há verdades estipuladas de antemão, mas apenas incertezas as quais o pesquisador pode tentar entender seu processo de formação e os meios pelos quais se relacionam, sem maiores pretensões de formar teorias ou de prever seu funcionamento.

Como exemplo de ontologia relativista tem-se a desconstrução literária, onde o significado dos textos encontra-se na forma de leitura e apropriação, ou seja, não há leitura verdadeira de um texto e nenhum texto além da leitura. (HASSARD; COX, 2013). De forma geral, tem como fundamento a ‘inexistência’ de qualquer verdade, no sentido de que não é possível acessá-la. Assim, o mundo pode ser ordenado de muitas formas. (LEE; HASSARD,

1999).O que se considera como verdade não é algo exterior para ser descoberto, mas sim uma construção coletiva. Portanto, algo não é considerado verdade por suas características imanentes, mas pela associação de elementos heterogêneos que o estabilizam.

A epistemologia relacional baseia-se na ideia de que existem relações entre indivíduos e elementos. Há todo um conjunto materialmente heterogêneo de processos, arranjos, relacionamentos que implica pessoas e é implicado por elas. As entidades tomam forma e adquirem seus atributos como resultado de suas relações com outras entidades (LAW, 2003). Ou seja, ser é se relacionar (MOL, 2002). Fora das relações não há nada.

Por isso que ao produzir descrições dos processos organizacionais é possível perceber as relações estabelecidas entre os diversos componentes da rede (LEE; HASSARD, 1999). O exemplo apresentado por Hassard e Cox (2013) diz respeito a formação do conhecimento como relacional, nessa é impossível sua construção/ formação independentemente dos valores, da posição do sujeito e sem considerar o contexto social. Desse modo, as epistemologias relacionais afirmam que fora dessa rede de relações não há existência de nenhum elemento.

Ao escolher por posicionamentos ontológico e epistemológico de caráter pós- estruturalista e pós-modernista (COOPER; LAW, 2005; HASSARD; COX, 2013; NAYAK; CHIA, 2011) volta-se para os estudos de Mol (2002, 2008) acerca da multiplicidade de realidades e de Latour (2011, 2013) sobre os modos de existência.

Como base epistemológica, adota-se a TAR, que atende a proposta relacional conforme afirmam Law e Urry (2005). Considerando que a formação dos fenômenos pode ser descortinada por meio do estudo das formas como os humanos e não-humanos se relacionam formando e reformando a rede heterogênea que compõem os fenômenos.

As seções seguintes apresentam uma síntese dos principais aspectos das escolhas ontológicas e epistemológicas realizadas pela pesquisadora iniciando com as proposições de Mol (2002, 2008) e Latour (2011, 2013). E posteriormente são apresentados os fundamentos basilares da ANT (ação/ ator/ rede/ teoria, simetria generalizada, translação e performance) com ênfase principalmente nas discussões de Bruno Latour, Michel Callon e John Law.

Documentos relacionados