• Nenhum resultado encontrado

2.3 ASPECTOS GERAIS DA ACTOR-NETWORK THEORY (ANT)

2.3.1 Conceitos-chave da TAR

2.3.1.1 O que significa ator, rede e teoria

O ator ou actante seria aquele elemento, humano ou não-humano, que executa determinada ação. Apesar de parecer um conceito simples, envolve certa polêmica ao considerar não só que os objetos têm a capacidade de agir como também ao entender a ação como um construto que não é redutível a um único indivíduo (LAW, 2009a).

Prefere-se utilizar a expressão actante ao invés de ator. Isso porque o termo ator denota um aspecto humano e de acordo com a ANT não é apenas o humano que age. Vários exemplos são dados nesse sentido, ao analisar a navegação portuguesa, mostra como os tripulantes, navios a vela, bússolas, cartas de navegação, etc., contribuíram para a navegação de longa distância (LAW, 1986). Nessa situação não seria possível atribuir o sucesso das navegações portuguesas apenas aos tripulantes.

Desse modo, dentro da TAR fala-se em ação distribuída (LATOUR, 2012), ou seja, a propriedade da ação pode parecer pertencer a um indivíduo, no entanto, por trás desse há todo um processo que leva o indivíduo a agir de determinada forma.

Agir posiciona o sujeito num denso imbróglio no qual a questão de quem está mesmo levando à frente a ação torna-se insondável (LATOUR, 1986, 2012, 2015). O actante se define justamente pelo modo que age. E agir é produzir uma diferença, um desvio, um deslocamento qualquer no curso dos acontecimentos das associações.

Latour (1988) descreve detalhadamente os movimentos de associação que levaram a constituição de Louis Pasteur como o porta-voz da microbiologia. Claramente, Pasteur é um ator com capacidade de traduzir (do tipo mediador) que participa da associação. No entanto, ele não foi o único responsável pelo desenvolvimento e expansão da microbiologia. Vários outros actantes - a exemplo do movimento higienista, cientistas da época, veterinários, criadores de animais, ácido láctico, antraz - contribuíram para a formação da microbiologia.

A preocupação da ANT não é de entender quem de fato é o pai da microbiologia (LATOUR, 1988) ou de qualquer outro fenômeno ao qual estuda. A TAR não busca o resultado, mas preocupa-se em perceber os efeitos dos movimentos dos atores (actantes) que compõe a associação. O actante é observado por meio dos efeitos que são causados e sentidos na rede.

Os atores se associam aos outros atores, formando assim uma rede, em que todos eles são transformados em 'atores', já que as associações permitem que cada um haja. Os atores são promulgados, habilitados e adaptados pelos seus associados que, por sua vez, promulgam, habilitam e adaptam esses atores (MOL, 2010, p. 260, tradução nossa).

Nota-se que ao explicar o que viria a ser atores/ actantes, conforme os preceitos da ANT, Mol (2010) menciona a expressão rede. Isso porque para Latour o mundo pode ser visto como uma rede de actantes (HARDMAN, 2009). Mas o que seria essa rede de actantes para a TAR? E de que forma ela funciona?

A rede pode ser vislumbrada como tudo aquilo que é formado pelo poder das associações. Dessa forma, as redes são as alianças, fluxos, movimentos e circulações (LATOUR, 2001) entre os actantes (humanos e não-humanos que se encontram engajados em determinado curso de ação).

Nas redes, os actantes acabam por influenciar e sofrer influências de outros actantes, isso porque a rede não é estática, ela está em constante processo de formação e transformação (MOL, 2010). E é justamente por conta dessas interferências constantes que o conceito de rede dentro da ANT não pode ser confundido com sua noção na computação onde há transporte de

informação sem deformação (LATOUR, 1999, 2015). Procurando evitar a confusão, Latour (2015) propõe utilizar a expressão rede de vínculos.

Os vínculos enfatizam a razão da ação, isto é, o que faz o actante fazer algo (grifo nosso). Para Latour (2002, 2015) é a partir da articulação entre os fatos (racionais) e fetiches (irracionais) - factish - que as pessoas agem. Ninguém age simplesmente por agir, há toda uma rede de relações por trás de cada ação.

Ao seguir os movimentos que levam as pessoas a realizar determinada ação inesperada é possível vislumbrar o ponto médio entre a ação vista como passiva, aquela que é ‘influenciada’, e ativa, própria dos indivíduos, que formam os vínculos (LATOUR, 2015).

Nesse sentido, não há nem ação passiva nem ativa, a ação é distribuída e deslocada. Há diversas agências atuando simultaneamente no mundo, assim não é possível atribuí-la exclusivamente a um actante (LATOUR, 2012).

Além das palavras (‘ator’ e ‘rede’), ainda há um hífen ligando as duas expressões. Esse hífen aparece para passar a ideia da inseparabilidade entre os termos, isso porque ‘ator’ e ‘rede’ constituem duas fases de um mesmo fenômeno, ou seja, formam uma única entidade.

Deve-se ter cuidado para não associar sua utilização a dicotomia agência (ator) versus estrutura (rede). Conforme visto anteriormente, não faz sentido atribuir ao ator a agência da ação e a rede simplesmente a estrutura. Ambos devem ser vislumbrados como os efeitos dos relacionamentos, ou seja, dos vínculos (LATOUR, 1999).

E com relação a expressão teoria, o que dizer dela? Em vários textos ANT critica-se a utilização da palavra teoria para designá-la, a exemplo de Callon (1999), Latour (1999), Law (1992, 2009a), etc. Então, se a TAR não é uma teoria o que ela seria? E por que, diante da aparente inadequação do termo, continuar usando-o?

A TAR consiste na indicação de caminhos ou de um repertório (MOL, 2010) que considera os princípios etnometodológicos, onde sistematicamente se registram e documentam as formas como as realidades são construídas de acordo com o olhar dos atores (LATOUR, 1999, 2012). Ou seja, algo similar a um método cru para aprender com os atores sem impô-los uma definição a priori de como é o seu mundo.

Apesar de, rigorosamente, a ANT não ser uma teoria, de acordo com a ideia de transformação do conteúdo transportado, pode-se transladar ou trair levemente esse o conceito original de teoria para adaptá-lo a proposta TAR. Assim, levando em consideração essa pequena translação, pode-se afirmar que a ANT é uma teoria com peculiaridades, segundo a visão de Mol (2010).

Se a ANT é uma teoria, então uma 'teoria' é algo que ajuda os acadêmicos a se sintonizar com o mundo, a ver e ouvir, sentir e provar, na verdade, a apreciá- lo. Se a ANT é uma teoria, então uma teoria é um repositório de termos e modos de engajamento com o mundo, um conjunto de reflexos metodológicos contrários. Esses ajudam a ter uma noção do que está acontecendo, o que merece preocupação ou cuidado, raiva ou amor, ou simplesmente atenção. A força da ANT não está na sua coerência e previsibilidade, mas no que à primeira vista, ou aos olhos dos que gostam de suas teorias firmes, pode parecer ser a sua fraqueza: a sua adaptabilidade e sensibilidade. Se a ANT é uma teoria, então uma teoria ajuda a contar casos, desenhar contrastes, articular camadas silenciosas, deixar as perguntas de cabeça para baixo, concentrar-se no inesperado, adicionar à sua sensibilidade, propor novos termos e mudar histórias de um contexto para outro. Se ANT é uma teoria, então ser um amador da realidade não é meramente ser um amador (MOL, 2010, p. 262, tradução nossa).

Apesar dessas expressões serem consideradas confusas (LATOUR, 1999; MOL, 2010), ou mesmo pouco precisas (CALLON, 1999; LAW, 1992), podendo levar a erros de interpretação por parte de pesquisadores menos atentos, elas continuam sendo utilizadas, já que acabam por representar de forma abstrata as ideias centrais propostas pela ‘teoria’, especialmente aquela relacionada a seguir os atores, conforme afirma Latour (2012)

Eu estava disposto a trocar esse rótulo por outros mais elaborados, ‘sociologia de translação’, ‘ontologia actante-rizoma’, ‘sociologia de inovação’, etc.; mas uma pessoa me observou que o acrônimo ANT (Actor-Network Theory) era perfeitamente adequado para um viajante cego, míope, viciado em trabalho, farejador e gregário. Uma formiga [ant] escrevendo para outras formigas, eis o que condiz muito bem com meu projeto (LATOUR, 2012, p. 28).

Além dos termos ator, ação, rede, vínculo e teoria, há uma série de outras expressões ou conceitos-chave que fazem parte do vocabulário/ metalinguagem da TAR. Dentre esses têm-se dois de seus fundamentos básicos que são o princípio da simetria generalizada e a translação.

Documentos relacionados