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2.3 ASPECTOS GERAIS DA ACTOR-NETWORK THEORY (ANT)

2.3.1 Conceitos-chave da TAR

2.3.1.4 Performatividade, performação e co-performação

O conceito de translação envolve não só a modificação de conteúdo do que é transladado, mas também está associada a desordem e precariedade, pois basta um movimento de translação falhar para que todo o processo de produção daquela rede de realidade também falhe produzindo uma nova rede.

5 A expressão caixa-preta é utilizada por Latour (2000) para designar aquilo que, independente de ser ou não entendido como complexo, tem seu conteúdo estabilizado como verdadeiro.

Assim, para Law (2004, 2009a, 2009b) e Latour (2012, 2013), ao invés de procurar entender como os objetos se estabilizam na rede, deve-se buscar entender como são produzidas as diversas redes de realidades.

Para estudar a multiplicidade de realidades proposta por Mol (2002, 2008) e/ ou os modos de existência de Latour (2013), Law (2004, 2009b) aplica o conceito de fractal vindo da física e da matemática. Nessa situação, o melhor seria observar o mundo ou as redes de realidades como um conjunto de objetos fractais.

Os objetos performados são sempre mais de um e menos que muitos; dessa forma, estão localizados em algum lugar no meio. A realidade não é nem singular nem plural, mas também não é um simples amontoado aleatório de pedaços e peças ou objetos. "Os interiores parcialmente se cruzam uns com os outros de maneiras complexas, e as práticas de agregação desses interiores juntos geram objetos complexos" (LAW, 2004, p. 62, tradução nossa).

Os métodos comuns utilizados pelas ciências sociais não estão totalmente equipados para estudar objetos múltiplos, difusos ou confusos (LAW, 2004; LAW; SINGLETON, 2005; MOL, 2008). Desse modo, deve-se recorrer a abordagens não usuais ou desconhecidas para seu estudo, uma dessas formas é por meio do entendimento da existência de diferentes tipos de realidades e objetos.

Para Law e Singleton (2005) há pelo menos três formas diferenciadas da dimensão euclidiana a qual os objetos podem ser percebidos. Notam-se objetospor meio de suas redes de relações e imutabilidade de conteúdo dentro da perspectiva de móveis imutáveis6 (LATOUR, 2000). Nessa situação, os objetos permanecem estabilizados a medida que a rede de relacionamentos que os compõe e produz se sustenta, quando essa rede se desmantela o objeto perde sua integridade física e deixa de ser o que era.

Diante disso, a rede de relacionamentos tem a capacidade até mesmo de influenciar a integridade física dos objetos. A importância das relações sobre os objetos é exaltada por Law (2004) e Law e Singleton (2005), que afirmam que esses objetos, ao possuírem um núcleo estável não perdem a sua integridade com facilidade. No entanto, o que os dá sentido é a estabilidade da rede de relações que os compõem. Isso porque, segundo a ANT, um objeto seria uma ordem de caixa-preta, que contém e/ ou é contido por uma rede de inúmeras relações (CAVALCANTI; ALCADIPANI, 2013).

6 Os móveis imutáveis são formas que possuem a capacidade de fixar o conhecimento e permitir sua disseminação além do ponto de origem. Sua formação dar-se por meio de um longo processo de translação das informações de interesse em algo imutável e móvel (ALCADIPANI; TURETA, 2009).

Conforme a rede de relacionamentos sofre alterações, os objetos se modificam e as mudanças acontecem de forma lenta. O objeto fluído pode ser vislumbrado como um conjunto de relações que muda gradualmente e se adapta ao invés de se manter rígido.

Outra forma de observar o objeto é por meio de uma metáfora de fogo, onde os objetos são percebidos como um conjunto dinâmico de elementos que estão presentes e ausentes. Nessa abordagem, as mudanças não são sutis como acontece nos objetos fluídos, mas ocorrem mediante saltos e descontinuidades abruptas (LAW; SINGLETON, 2005).

[...] objetos constantes são enérgicos, entidades ou processos que justapõem, distinguem, fazem e transformam ausências e presenças. Elas são feitas de disjunção. [...] vamos falar de tais entidades como objetos de fogo. O argumento, em parte, é que os incêndios são energéticos, transformativos e dependem da diferença - entre (ausência) de combustível ou cinzas e (presença)de chama. Objetos de fogo dependem da alteridade e a alteridade é generativa (LAW; SINGLETON, 2005, p. 344, tradução nossa).

A partir da possibilidade de estudar as múltiplas realidades por meio do conjunto de objetos complexos (LAW, 2004), volta-se para a performatividade, como forma de entender as diversas redes de realidades que são concomitantemente criadas.

Para Callon (2007), a utilização do termo performatividade é vista como incorreta, isto porque denota objetos, fórmulas, instrumentos, etc., que parecem estáticos. O termo não passa a ideia de ação ou de um processo dinâmico em constante movimento. Dessa maneira sugere a utilização da expressão performação ao invés de performatividade.

Assim a performação pode ser vislumbrada como a criação da realidade a partir da prática, isso porque "disposição e prática nunca param e as realidades dependem de sua elaboração contínua, talvez pelas pessoas; porém com mais frequência por uma combinação de pessoas, técnicas, textos, arranjos arquitetônicos e fenômenos naturais" (LAW, 2004, p. 56, tradução nossa). Desse modo, quando por exemplo se afirma que as ciências sociais performam a realidade, significa dizer que ao mesmo tempo que estudam a realidade também atuam sobre ela, criando-a ou formatando-a (LAW, 2004). Os resultados de seus estudos podem fazer com que determinadas práticas se perpetuem ou não.

Além das ciências sociais ajudarem a performar a realidade (LAW, 2004), há uma série de outros exemplos nos quais não só se estuda determinada realidade como também é feita uma intervenção sobre ela.

Conforme afirma Callon (2008), “[...] ciência não é somente uma descrição do que existe, mas também é uma maquinaria poderosa que permite fazer existir o que descreve”. Assim, Callon (1998, 1999) observa que os estudos econômicos (economics) também

performam as práticas econômicas e não apenas observam o seu funcionamento como também a moldam e formatam.

Cabe ressaltar que a economics não é o único fator que agencia a economy. Há uma série de outros elementos como crises econômicas, conflitos, questões de ordem política, etc., que auxiliam na performação das práticas econômicas. Tendo isso em vista, Callon (2007) acredita que seria mais adequado utilizar a expressão ‘co-performação’ para designar a contribuição dos estudos econômicos na formação de suas práticas.

Ao explicar a co-performação da economics na economy, Callon (1998, 1999) apresenta os conceitos de emaranhado/ embaraçado (entangled), desemaranhado/ desembaraçado (disentangled), enquadramento (framing) e transbordamento/ vazamento (overflowing) como instrumentos para analisar a rede de actantes que formam a economy.

Ao voltar-se para a prática econômica, Callon (1998, 1999) observa que os agentes econômicos se encontram emaranhados numa rede de relações e conexões, e para seguir suas associações deve-se desemaranhar essa rede. Dessa forma, “[...] é necessário cortar os nós entre coisas e outros objetos e humanos um a um. Deve ser descontextualizado, desassociado e desprendido” (CALLON, 1998, p. 19, tradução nossa).

A partir do desembaraçamento efetuado na rede de relações pode-se estabelecer um enquadramento, ou seja, decidir quais relações devem ser consideradas e quais serão ignoradas. Os enquadramentos não são absolutos (totais), sempre há relações que ficam fora. Caso as relações excluídas do enquadramento impactem de alguma forma outros actantes impedindo- os de fechar seus cálculos tem-se os vazamentos.

Na verdade, sempre irão existir novos emaranhados e vazamentos fazendo com que não seja possível calcular tudo (CALLON, 1998, 1999). Isso porque emaranhados e vazamentos fazem parte de um mesmo processo.

À medida que as relações são desembaraçadas e enquadradas, novos emaranhados acabam por surgir (CALLON, 1998, 1999). O intuito é de observar a proliferação das relações que são estabelecidas a partir do envolvimento dos agentes no mercado, assim é possível perceber o surgimento dos consensos que irão apenas temporariamente definir os enquadramentos (CALLON, 1998, 1999).

Dessa forma, os diversos estudos econômicos acabam por co-performar as práticas econômicas, no sentido que ajudam a criá-las. Ao considerar de fato a co-performação, adota- se a postura de múltiplas agências, o que torna uma das máximas da TAR (seguir os atores) mais complexa. Como seguir essa multiplicidade de agências?

Ao seguir as relações e conexões estabelecidas pelos actantes envolvidos nas trocas econômicas (CALLON, 1998, 1999), pode-se melhor entendê-las, vislumbrando inclusive as realidades que são formadas, o mesmo pode ser dito com relação a qualquer outro fenômeno ao qual se queira estudar, a exemplo do turismo organizado pela comunidade.

No entanto, é impossível dar conta de todas as relações, em decorrência dos enquadramentos acarretarem em vazamentos. Mas o objetivo da ANT não é dar conta ou mesmo explicar os fenômenos em sua plenitude, acreditando que a ciência tem a capacidade de formar verdades absolutas e incontestáveis. Pelo contrário, valendo-se das brechas de conhecimento (ilustradas pela presença de incertezas e controvérsias) abre espaço para novos estudos que buscam tornar o processo de formação das controvérsias inteligível, esse é o objetivo da TAR (CALLON; LASCOUMES; BARTHE, 2009).

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