• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO II. ESTRUTURA ANATÔMICA DO CORAÇÃO DO BOTO CINZA, Sotalia guianensis, E POSSÍVEIS ADAPTAÇÕES CARDIACAS AO

2.3 Estudo da origem e distribuição das artérias coronárias no coração do boto cinza

O coração de uma fêmea adulta de 1,91m de cumprimento do boto-cinza foi utilizado para analisar a origem e distribuição da artéria coronária direita e esquerda. O órgão foi mantido sob refrigeração (-20°C) durante três dias até o processamento.

Após o descongelamento, os orifícios das artérias coronária direita e esquerda foram canulados para injeção da resina Acetato de vinil com um corante específico, na cor branca para artéria coronária direita e vermelha para artéria coronária esquerda.

Em seguida, o coração foi submerso em solução de hidróxido de sódio (NaOH) a 30% para corrosão do excesso de tecido adiposo presente nos sulcos coronário e interventiculares, portanto facilitando a dissecação e visualização das artérias coronárias.

Posteriormente este coração foi fixado em formol a 10% por 24 horas e dissecados. Os dados de origem e distribuição das artérias coronárias foram registrados por meio de fotografias e desenhos esquemáticos.

Os dados obtidos dos corações através dos encalhes dos botos foram inserido em uma planilha estabelecida (Anexo 01). Os termos anatômicos utilizados neste trabalho estão de acordo com International Committee on Veterinary Gross Anatomical Nomenclature. Nomina Anatômica Veterinária (1994), Nomina Embriológica Veterinária (1992), Nomina Histológica (1992).

3.0 RESULTADOS

______________________________________________________________________ 3.1 Descrição geral da Anatomia do coração do boto-cinza

Os cetáceos se caracterizam por apresentar uma cavidade torácica bastante larga, ocupando aproximadamente 2/3 do comprimento do corpo (Figura 08). O coração do boto-cinza localiza-se no interior desta cavidade.

Figura 07. Posição do coração nos Delphinidae(www.ms-starship.com).

O ápice do coração nos pequenos cetáceos está localizado, no antímero esquerdo do corpo e próximo a margem cranial-ventral do diafragma.

O coração está envolvido pelo pericárdio, um saco fibroseroso, que se adapta de modo perfeito ao seu redor.

Externamente podemos observar quatro câmaras cardíacas, dois ventrículos e dois átrios separados por um sulco coronário incompleto apenas na origem do tronco pulmonar (cone arterioso). O átrio direito é relativamente maior que o esquerdo. A base é essencialmente formada pelos átrios direito e esquerdo e pelos grandes vasos que entram (veias cava cranial e caudal e quatro veias pulmonares) e saem do coração (artéria pulmonar e artéria aorta).

O ventrículo direito ocupa ligeiramente mais que a metade da superfície ventral ou auricular do órgão. A espessura do ventrículo direito é menor do que a do ventrículo esquerdo. Os ventrículos constituem uma parte maior do coração sendo muito mais

Esôfago Dentes Cérebro Crânio Nadadeira Peitoral CoraçãoFígado Pélvis Ano Estômago Intestino Pulmão Rim Nadadeira Dorsal Gordura Cauda Coluna Vertebral Escapula Espiráculo

firme devido à maior espessura das paredes, no ventrículo direito mede em média 25,5mm nos filhotes, 31,75mm nos juvenis e 39,6mm nos adultos e no esquerdo de 30,93mm nos filhotes, 40,50mm nos juvenis e 47mm nos adultos.

Na face auricular observa-se o sulco interventricular esquerdo ou paraconal que delimita os ventrículos esquerdo e direito ocupado pelo ramo interventricular esquerdo de uma calibrosa e sinuosa artéria coronária (Figuras 08A e B, 11). Tanto o sulco coronário quanto o interventricular esquerdo e direito são infiltrados por tecido adiposo. Macroscopicamente as fibras musculares superficiais descem no sentido do ápice. Na superfície atrial ou dorsal o sulco interventricular subsinuoso não é bem demarcado. O sulco subsinuoso começa no sulco coronário e segue para o ápice continuando-se com o sulco interventricular paraconal. Este sulco contém espessos vasos sanguíneos envolvidos por tecido adiposo especialmente na metade proximal do seu curso.

O tronco pulmonar segue para o cone arterioso do ventrículo direito entre a margem da aurícula direita e esquerda e se curva separa o lado esquerdo da aorta ascendente e posterior ao ligamento arterioso divide-se em artéria pulmonar direita e esquerda.

A artéria aorta apresenta uma parede espessa, ascende do ventrículo esquerdo e sofre uma dilatação próxima ao tronco pulmonar denominado bulbo aórtico (Figuras 03, 08A).

3.1.1. Átrio direito e esquerdo

Cada átrio é composto por uma cavidade principal ou átrio propriamente dito e um apêndice com forma irregular denominado aurícula. O átrio e aurícula direita são relativamente maiores comparados com o esquerdo.

As aurículas apresentam forma triangular, cujo vértice é ventral e suas margens são relativamente irregulares (Figuras 02, 03, 08B). A aurícula direita nos filhotes possui uma base de 59mm e uma altura de 28mm, nos juvenis a base é de 71mm e a altura de 38,5mm e nos adultos a base de 102mm e a altura de 41mm. Nos filhotes, a base da aurícula esquerda foi de 56,30mm e a altura de 26mm, nos juvenis a base de 69mm e a altura de 36,5mm e nos adultos a base de 97mm e a altura de 38,4mm. Esses resultados mostram que as aurículas são aproximadamente similares sendo ligeiramente

maior à direita. A parede medial da aurícula esquerda é relativamente mais espessa próxima à passagem do tronco pulmonar (Figuras 02, 03, 08B).

A cavidade interna de cada aurícula é reforçada por uma rede de músculos pectiniformes formados por largos feixes de fibras musculares (Figuras 09, 10 A, B e C). Estes feixes musculares dividem a cavidade da aurícula em pequenos compartimentos secundários. A rede de músculos pectiniformes é mais desenvolvida no átrio direito do que no esquerdo.

No átrio direito potente músculos pectiniformes constituem uma forte e proeminente crista terminal. Esta crista marca a abertura da veia cava cranial. A cavidade atrial direita recebe as duas veias cavas e o seio coronário. Este último recebe sangue das veias cardíacas enquanto o átrio esquerdo recebe as veias pulmonares.

A veia cava cranial se abre na região cranial esquerda do átrio direito. Caudal a esta elevação encontra-se uma depressão arredondada formando um divertículo localizado no septo interatrial denominada fossa oval. A veia cava caudal abre-se na parte caudal do átrio direito. No seio coronário é visível o orifício das veias cardíaca grande e média. As veias cardíacas mínimas se abrem na parede do átrio direito.

3.2.1 Ventrículos direito e esquerdo

O ventrículo direito (Figuras 02, 03, 08A e B) se caracteriza por apresentar uma valva atrioventricular direita denominada tricúspide, é composta de três cúspides que se unem a um anel fibroso que circunda a abertura. Cada cúspide é unida por estrias fibrosas (cordas tendíneas) que descem pela cavidade ventricular e inserem-se em projeções das paredes (músculos papilares) (Figuras 09, 10). A luz do ventrículo é atravessada por uma faixa fina de músculo denominada trabécula septomarginal que vai da parede septal à parede externa ou não septal (Figura 09). Esta trabécula proporciona um caminho mais curto para um feixe do tecido condutor, assegurando assim uma contração mais aproximadamente simultânea de todas as partes do ventrículo. Também podemos apreciar muitas cristas irregulares denominadas trabéculas carnosas (Figura 09 e 10).

A parede não septal direita é menor em comparação com a parede não septal esquerda (Figura 09). A maior espessura da parede não septal direita representa 73,91% nos filhotes, 60,61% nos juvenis e 66,39% nos adultos da parede ventricular esquerda. As paredes septal e não septal são marcadas por várias trabéculas carnosas. As mesmas

formam uma complicada rede interna da qual surgem os músculos papilares e os feixes septomarginais (Figuras 09, 10). A trabécula septomarginal representa um poderoso feixe de fibra que corre obliquamente na cavidade do ventrículo direito da parede septal para não septal. A rede de trabéculas carnosas na parede do ventrículo direito é bem mais numerosa do que no ventrículo esquerdo (Figura 09). As trabéculas septomarginais são fortemente desenvolvidas e ramificadas e seguem no sentido da cresta supraventricular recebendo cordas tendíneas das válvulas átrio ventricular direita. As cordas tendíneas são bastante desenvolvidas. Foram observados músculos papilares nas paredes auriculares, atrial, septal e não septal do ventrículo direito.

O ventrículo esquerdo (Figuras 02, 03, 08A e B) apresenta uma valva atrioventricular esquerda denominada bicúspide ou mitral, que fecha o óstio atrioventricular, geralmente possui apenas duas cúspides principais (Figuras 09, 10). As cordas tendíneas da valva atrioventricular esquerda são geralmente mais musculosas do que a valva do ventrículo direito (Figura 09).

O septo interventricular é muscular, separa as duas cavidades ventriculares (Figura 09). A superfície da parede septal é pequena comparada com a parede não septal. Este septo apresenta uma espessura da parede máxima de 14mm para filhotes, 16,66mm para juvenis e 28,30mm nos adultos. A espessura máxima do septo interventricular (parede septal) comparado com a espessura da parede do miocárdio (não septal) foi de 82,14% nos filhotes, 80% nos juvenis e 58,86% nos adultos da parede septal.

As trabéculas cavernosas são muito mais espessas do que o compartimento da câmara ventricular direita (Figura 09).

Nas três faixas etárias observou-se a parede do ventrículo esquerdo muito mais espessa que a do ventrículo direito (Figura 09).

Figura 08 (A e B). Coração do filhote (fêmea) do boto-cinza de 78cm de comprimento. Referências: A.C., Ápice Cardíaco; A.D., Aurícula Direita; A.E., Aurícula Esquerda; Ar. Aor, Artéria Aorta ascendente; A.C.E., Artéria Coronária Esquerda; V.D., Ventrículo Direito; V.E., Ventrículo Esquerdo; Per., Pericárdio; T.P., Tronco Pulmonar (Foto: Carlos Moura, 2006). Escala=1cm.

A.E. Ar. Aor. T.P. A.C.E V.E. V.D. A.D.

08 B

Pulmão Per. A.C.E. V.D. V.E. Pulmão

08 A

A.C. A.C.E.

Figura 09. Aspecto do interior dos ventrículos direito e esquerdo do boto-cinza (face ventral) de um adulto (macho) de 184cm de comprimento. Referências: 1 e 2, valva atrioventricular direita e esquerda respectivamente; 1’ e 2’, cúspide da valva atrioventricular direita e esquerda respectivamente 3, ventrículo direito; 4, ventrículo esquerdo (Foto: Carlos Moura, 2006). Escala=1cm.

Parede não septal

Parede não septal Parede septal Trabéculas carnosas Trabécula carnosa Átrio direito Átrio esquerdo

1

2

4

3

1’

2’

Septo interventricular Trabécula septomarginal

09

Músculo pectiniforme Valva Tricúspide Valva Bicúspide Valva Aórtica

Figura 10 (A, B, C e D). Detalhe da anatomia interna do coração do boto-cinza. A-B e C-D, filhote (macho) e adulto de 102cm e 171cm de comprimento, respectivamente (Foto: Carlos Moura, 2006). Barra=1cm.

V.D. V.E. Parede não septal Parede não septal Parede septal Cordas tendíneas Papila muscular Valva Tricúspide Valva Bicúspide Músculo pectiniforme Trabéculas carnosas Valva Tricúspide Átrio direito Átrio esquerdo

A B

Átrio direito Músculo pectiniforme Valva Tricúspide Trabéculas carnosas Cordas tendíneas Músculo papilar Valva Bicúspide Cordas tendíneas Músculo papilar Trabéculas carnosas

C

D

3.1.3. Artéria coronária

O suprimento sanguíneo do coração do boto-cinza é realizado pela artéria coronária esquerda e direita. A artéria coronária apresenta em direção dorsolateral ao ápice uma sinuosa e numerosas circunvoluções.

A artéria coronária direita origina-se acima da cúspide cranial da valva áortica (Figura 11) e atinge o sulco coronário ventral passando entre o sulco atrioventricular direito e o tronco pulmonar. Segue um trajeto circunflexo em volta a da aurícula direita e o ventrículo direito finalizando no sulco interventricular direito na face dorsal do coração. O ramo interventricular direito é bastante sinuoso.

A artéria coronária esquerda origina-se do seio aórtico acima da válvula semilunar esquerda (Figura 11). A artéria bifurca-se quase imediatamente em dois ramos: ramo interventricular paraconal (artéria descendente ventral) e ramo circunflexo (artéria circunflexa). Do ramo circunflexo originam-se vários ramos intermediários que irrigam a região ventral proximal. Na margem esquerda do coração destaca-se a presença de um ramo marginal oriundo também do ramo circunflexo, responsável pela irrigação desta região. O ramo interventricular paraconal abastece a face ventral do coração do boto-cinza, acompanha o sulco paraconal em direção ao ápice do coração, irrigando-o (Figuras 12, 13, 14).

Figura 11. Vascularização arterial do coração do boto-cinza adulto (macho) de 184cm de comprimento (Foto: Carlos Moura, 2006). Escala=1cm.

Orifício Artéria Coronária Direita Orifício Artéria

Coronária Esquerda

A artéria coronária direita possui inicialmente, um trajeto circunflexo, de onde surgem vários ramos intermediários que suprem à região proximal da face ventral esquerda e dorsal direita do coração. Esta artéria se continua no sulco interventricular subsinuoso, como ramo interventricular direito que se ramifica intensamente irrigando a superfície dorsal até o terço médio distal.

A artéria coronária esquerda possui um maior território de irrigação quando comparado com a artéria coronária direita.

Ambas as artérias coronárias apresentam-se sinuosas no seu trajeto em direção ao ápice cardíaco.

Em geral, não foram observadas diferenças marcadas na anatomia do coração de acordo com as faixas etárias, exceto uma menor cavidade ventricular direita nos filhotes devido à espessura das paredes ventriculares quando comparado com os indivíduos juvenis e adultos.

Figura 12. Vascularização arterial na face ventral do coração do boto-cinza. Referências: A.C.D., Artéria Coronária Direita (branco); A.C.E., Artéria Coronária Esquerda (vermelho); V.D., Ventrículo Direito; V.E., Ventrículo Esquerdo (Foto: Carlos Moura, 2006). Escala=1cm.

Figura 13. Vascularização arterial na face dorsal do coração do boto-cinza. Referências: A.C.D. Artéria Coronária Direita (branca) e A.C.E., Artéria Coronária Esquerda (vermelha) (Foto: Carlos Moura, 2006). Escala=1cm.

A.C.E. Ramos intermediários Ramo circunflexo Ramo interventricular direito A.C.D.

13

12

Ramos intermediários A.C.E.

Ramos intermediários V.D. Ramo interventricular esquerdo ou paraconal Ramo Circunflexo V.E. A.C.D.

Figura 14 (A e B). Vascularização arterial na face ventrolateral esquerda do coração do boto-cinza. Detalhe da distribuição da artéria coronária esquerda (Foto: Carlos Moura, 2006). Escala=1cm. Ramo circunflexo Ramo marginal Ramos intermediários Ramo interventricular esquerdo ou paraconal A.C.E.

A

Ramo circunflexo Ramo marginal A.C.E. Ramo interventricular esquerdo ou paraconal Ramos intermediários

B