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Estudos que relacionam a anatomia com a fisiologia e o comportamento de mergulho em mamíferos aquáticos

CAPITULO II. ESTRUTURA ANATÔMICA DO CORAÇÃO DO BOTO CINZA, Sotalia guianensis, E POSSÍVEIS ADAPTAÇÕES CARDIACAS AO

1.4. Estudos que relacionam a anatomia com a fisiologia e o comportamento de mergulho em mamíferos aquáticos

Durante a atividade de mergulho, uma série de adaptações morfofisiológicas ocorre no organismo dos mamíferos aquáticos e, dentre eles pode-se destacar como principais o oxigênio (O2). O mesmo é desviado para suprir as principais regiões vitais, como o cérebro e o coração. O aumento da capacidade de apnéia também pode se relacionar com o elevado transporte de O2. Este pode ser armazenado em três regiões do corpo nos mamíferos marinhos: no sistema respiratório, no músculo esquelético e sistema circulatório, apresentando os ambos maiores concentração de mioglobina e hemoglobina, respectivamente, que os mamíferos terrestres (Boyd, 1997; Butler, 2001). Nos mamíferos aquáticos, mais 80% do O2armazenado está no sangue e nos músculos (Kooyman, 1989). Os golfinhos precisam subir à superfície para respirar freqüentemente e quando se deslocam rapidamente devem emergir para fazê-lo eficientemente, evitando desta maneira uma narcose. Quando um cetáceo permanece na superfície respirando, a pressão atmosférica nos alvéolos de seus pulmões age de forma similar aos mamíferos terrestres, mas quando mergulham a diferentes profundidades têm início certas mudanças a nível cardiovascular, que incluem a bradicardia e a diminuição da circulação periférica (Butler, 2001; William et al., 1999b). Essas ações conservam a capacidade de oxigênio no sangue para o coração e o sistema nervoso central, que necessitam de uma disponibilidade de oxigênio obrigatório, enquanto os outros tecidos dependem do meio anaeróbico para a conservação de energia (Butler, 2001). A conservação de oxigênio é necessária porque nem todo oxigênio sanguíneo, nem os músculos possuem oxigênio satisfatoriamente, de modo que adaptações são necessárias para a atividade de mergulho a certa profundidade e período de tempo (Butler, 2001; William et al., 1999a).

A bradicardia (redução na taxa de batimentos cardíacos) foi bem documentada como resposta cardiovascular ao mergulho dos mamíferos aquáticos (Kooyman, 1985; Kooyman et al., 1981; Noren et al., 2004; Williams et al., 1999a,b). Os mamíferos marinhos são os únicos que evolutivamente adquiriram a capacidade de diminuir a freqüência cardíaca durante a imersão de 45 a 60 batimentos por minuto quando nadam na superfície, a quatro batimentos por minuto, ou até menos, quando estão em apnéia. Dentre os cetáceos, a maioria dos delfinídeos mergulha a pouca profundidade (<100m) com tempo de apnéia menor do que 15 minutos (Butler, 2001). Os estudos anatômicos

sobre o coração indicam que estes animais apresentam uma capacidade cardiovascular menor comparado com baleias e pinípedes que mergulham a grandes profundidades (Falabella et al., 1999; Whitehead, 2003). Certas adaptações cardiovasculares e fisiológicas para o mergulho sugerem que uma preparação pré-mergulho é requerida para que o animal possa ter uma máxima capacidade de imersão. Nos cetáceos que mergulham a mais de 300m de profundidade, como a beluga e o cachalote, a bradicardia não é mais intensa, comparado com os pinípedes.

Os pinípedes manifestam as mais profundas bradicardia durante o mergulho (Kooyman, 1985). Vários autores sugerem que principalmente nas focas, as mudanças cardíacas durante o mergulho respondem por uma bradicardia com uma queda de 100 a 4 batimentos por minuto, com uma diminuição do rendimento cardíaco. Por exemplo, o elefante-marinho-do-sul, que possui um comportamento de mergulho diferenciado entre os pinípedes, chega a atingir entre 1200-1500m de profundidade, com apnéias de 120 minutos e apresentando uma bradicardia de um a quatro batimentos por minuto (Falabella et al., 1999). Os estudos realizados em pinípedes demonstraram que, apesar da extrema bradicardia, a pressão arterial permanece quase constante e não muda durante o reflexo do mergulho (Kooyman et al., 1981). Drabek (1975) indicou que a pressão arterial é mantida pelo aumento do tecido elástico presente no bulbo aórtico da

artéria aorta ascendente. É a adequada manutenção da pressão no sistema coronário

que assegura uma oxigenação do tecido cardíaco. Este autor realizou estudos sobre o bulbo aórtico nas focas da Antártida, indicando a existência de uma grande dilatação da artéria aorta ascendente, o que é surpreendente em comparação com os cetáceos e com os mamíferos terrestres carnívoros. O autor sugere ainda que as características da forma geral da estrutura anatômica do coração e especialmente da artéria aorta são adaptações anatômicas e fisiológicas à profundidade, freqüência e período de tempo que mergulha o mamífero aquático. Estas características permitem que a dilatação do bulbo aórtico mantenha a pressão sanguínea arterial, perfusão do cérebro e tecido cardíaco durante a bradicardia.

Portanto, os mamíferos aquáticos apresentam quatro adaptações que são de grande importância para a imersão profunda: 1) estrutura torácica flexível que permite o colapso do tórax com o aumento da pressão hidrostática; 2) grande dilatação das veias, sinus venoso e retia mirabilia (“rede maravilhosa”) quando o ar é comprimido; 3) pulmões que contém grande quantidade de tecido elástico; 4) elasticidade na traquéia [p.ex. golfinho-nariz-de-garrafa; foca-de-weddell; leão-marinho-do-sul, Otaria

flavescens (Kooyman et al., 1981); elefante-marinho-do-sul (Crespo, Garri, Lewis &

Lauria, 1996)] (Butler, 2001; Williams et al., 1999b; Würsig, 1989). O grau de desenvolvimento destas características varia de espécie para espécie dependendo das necessidades ecológicas e comportamentais para o mergulho profundo (Baird, Hanson & Dill, 2005; Butler, 2001; Kooyman et al., 1981). Os mamíferos que mergulham podem ser capazes de desviar sangue para determinados órgãos vitais durante a submersão, e utilizam a vasoconstrição para reduzir, ou interromper completamente, o refluxo do sangue para outros tecidos.

Até o presente momento não existem estudos sobre a estrutura anatômica do coração do boto-cinza, Sotalia guianensis. O primeiro registro foi realizado por Garri et

al. (2005b) que descrevem algumas características morfológicas do coração do boto-

cinza. O estudo sobre a anatomia a um nível mais profundo permitirá interpretar melhor a estrutura do coração em relação à profundidade e quanto ao período de tempo que esse animal mergulha. Pesquisas futuras poderão esclarecer investigações sobre o estudo das artérias coronárias, sistema de condução interventricular (I-V) e histologia do coração, que serão de suma importância para compreender melhor o padrão comportamental de mergulho desta espécie costeira.