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1. Perspectiva Teórica sobre as diferenças entre sexo e género

Nos primórdios da investigação das diferenças entre os sexos na psicologia, a base para as conclusões centrava-se em mitos e caracterizava-se pelo racismo e sexismo das premissas pelas quais se guiava. Além disso, os investigadores eram na sua maior parte do sexo masculino e conseguiam esconder mal os seus preconceitos, para eles as diferenças biológicas eram as que melhor podiam explicar a “…a «evidente» inferioridade psicológica e social das mulheres…” (Amâncio, 1998, pág. 17).

Esta crença na inferioridade das mulheres serviu de orientação para procurar causas que fortalecessem essa mesma ideia, utilizando para tal, todos os casos possíveis, por exemplo a constatação que entre os grandes génios ou figuras de destaque da sociedade não se encontravam mulheres. Pearson (cit. in Amâncio 1998) foi um dos grandes críticos mais tarde desta visão evolucionista da civilização, alegando que para que houvesse cientificidade nesta teoria teriam que se comparar as distribuições dos dois sexos em torno da média e não só os extremos das distribuições estatísticas.

Várias ramificações surgiram no interior da psicologia, uma delas foi o estudo dos comportamentos humanos, a psicometria, que media a inteligência dos dois sexos, o que se provou ser também complicado, já que existiam mais variações entre indivíduos do mesmo sexo do que entre homens e mulheres. Ainda se seguiram outros estudos que tentaram comprovar a inferioridade da mulher através da análise de outras características físicas e psicológicas, como a agressividade e a afectividade que seria ligada mais à mulher, por esta passar pelo processo de maternidade.

Na sociologia esta corrente de pensamento mais ligada aos aspectos biológicos dos sexos esteve também presente. Um dos primeiros sociólogos, Émile Durkheim (1839/1967) “…que considera, na sua análise da divisão do trabalho social, que as diferenças entre os sexos e a divisão do trabalho sexual caracterizam o estádio civilizado das sociedades.” (Amância, 1998, pág. 19). E tal como os psicólogos recorre à ideia de que as mulheres têm uma condição de inferioridade face aos homens, devido a terem menos capacidades intelectuais e à sua fragilidade física e psíquica o que as relega para trabalhos menos qualificados e mais monótonos.

A explicação naturalista de Durkheim foi bastante criticada por autores mais recentes, como Besnard (1973) que numa reanálise sobre Le Suicide. Étude de Sociologie (cit. in Amâncio, 1998) aponta para aquilo que pretendia ser uma análise do social pelo social, cai no erro do etnocentrismo e aponta a causa da menor taxa de suicídio entre as mulheres a aspectos instintivos e não índole cultural e sociológica.

Ainda na teoria marxista, na obra de Engels podemos encontrar explicações naturalistas e também uma perspectiva classista, quando apresenta causas para a violência doméstica e para a concentração do trabalho doméstico apenas no sexo feminino. Para este autor, as actividades domésticas eram algo universalmente instituído fazer parte dos trabalhos do sexo feminino, tal como a violência doméstica seria algo que a posteriori sofreria evoluções positivas, pois a explicação para a sua existência prendia-se com resquícios de práticas e tradições pré-capitalistas, sendo condenável, apenas por essa via.

Somente a partir dos anos 60 começa-se a ter em atenção na análise das diferenças entre sexos o modelo de socialização e as diferenças que produz na distribuição dos papéis sexuais. Em 1974 o estudo de Maccoby e Jaclkin5 foi revisto e algumas das conclusões apontaram para a existência de algumas diferenças entre homens e mulheres, mas a maior parte só ganha relevo a partir dos 11 anos de idade, quando ganham a noção dos comportamentos do seu grupo de pertença, o que vem rejeitar definitivamente a explicação biológica que até então tinha sido a base para os estudos sobre as diferenças entre sexos.

Sandra Bern (1974) aponta para a necessidade de se construírem personalidades andróginas (orientações comportamentais masculinas e femininas), (cit. in Amâncio, 1998) pois segundo observações o afastamento de orientações comportamentais perniciosas no caso das mulheres faz com que elas tenham a auto-estima mais elevada, pois são capazes de se envolver numa maior variedade de situações.

Na esteira de Maccoby e Jaclkin, outros autores da área dos estudos de género como Deaux6 (1984) reafirmam a importância da socialização no processo de interiorização das normas e comportamentos que distinguem os dois sexos. Uma das ressalvas é a crítica de

5 Para análise mais detalhada ver Maccoby, E. E., & Jaclkin, C. N. (1974) – The psychology of sex differences.

Stanford, CA

6 Deaux, K. (1984). From individual differences to social categories. Analysis of a decade's research on gender.

Moscovici7 (1981) à psicologia social e à sociologia quando negligenciam o papel dos indivíduos nesse mesmo processo de socialização, vendo-os apenas como receptores passivos e não como indivíduos com capacidade de argumentarem contra alguns dos pressupostos implícitos nessa socialização de género feita pelas grandes instituições da sociedade (Estado, Igreja e Escola) e adoptarem por si, outras posturas.

Em suma, a dominação simbólica masculina continua a persistir nos dias de hoje, na forma como muitas tarefas se encontram divididas, no âmbito da economia e da cultura, com publicidades alusivas à condição feminina de mãe e de dona de casa, por exemplo nos anúncios de detergentes, marcas de produtos alimentares. Por seu lado, os homens continuam a aceder a cargos com maior poder, tanto no campo político, como da produção e educação. As mulheres são as mais afectadas pela precariedade no mercado de trabalho, porque estão confinadas à área dos serviços e do terciário e mesmo acedendo a mais altas qualificações, continuam a optar por licenciaturas ou especializações na área das ciências sociais ou humanísticas que as tornam quase sempre dependentes economicamente dos pais, ou dos companheiros.