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5 Um modelo de referência para o processo de formação da estratégia de manufatura

5.2 A descrição do modelo de referência

5.2.6 Etapa 6 – Análise de foco

(requisitos mais diretamente relacionados: 1R, 2R, 3R e 4R)

O objetivo desta etapa é a análise de foco nas operações da manufatura e a definição das ações para a focalização.

A necessidade de manter o foco da manufatura já foi discutida nos Capítulos 2 e 4. No entanto, como o conceito é controverso na literatura e também pouco entendido na prática, como evidenciou a pesquisa de campo, algumas considerações adicionais são convenientes.

Muitas vezes, com o intuito de ocupar uma capacidade ociosa, aumentar a utilização dos

recursos ou mesmo “aproveitar a oportunidade” de um faturamento adicional, as empresas

acabam por gerar e manter manufaturas desfocalizadas, pela incorporação de produtos adicionais aos seus portfólios. Esses produtos incorporados podem, embora parecendo

semelhantes, impor demandas substancialmente diferentes sobre a sua manufatura em razão das formas diferentes com que competem.

A desfocalização ocorre quando a manufatura busca ter desempenhos ótimos em diversas tarefas conflitantes ao mesmo tempo utilizando, para isso, o mesmo grupo de recursos (máquinas, equipamento, mão-de-obra) e/ou o mesmo grupo de políticas operacionais (políticas de custos, de qualidade, de gestão de estoques, etc.). Com a desfocalização, a manufatura acaba por apresentar desempenhos insuficientes nos diversos critérios, comprometendo, assim, a competitividade do negócio.

Os conflitos ocorrem em razão das restrições impostas tanto pelos recursos quanto pelas políticas operacionais adotadas. Assim, por exemplo, uma máquina extremamente produtiva, que perfeitamente se adéqüe ao bom atendimento do critério custo (e, portanto, preço), poderá (como ocorre muitas vezes) restringir o desempenho no critério flexibilidade. Da mesma forma, uma máquina extremamente flexível dificilmente proporcionará ótimo desempenho em produtividade (e, portanto, em custo). Conseqüentemente, neste caso, se dois produtos diferentes A e B, com A competindo em custo e B competindo em flexibilidade, forem definidos para serem produzidos por uma mesma máquina, configurar-se-á uma perda de focalização. Se uma máquina extremamente produtiva for escolhida, o desempenho em flexibilidade necessário ao produto B será comprometido; se, por outro lado, uma máquina extremamente flexível for escolhida, ficará comprometido o desempenho em custo necessário ao produto A. Se, como uma terceira alternativa, uma máquina com desempenho médio entre produtiva e flexível for escolhida, os desempenhos competitivos de ambos os produtos serão comprometidos.

De forma semelhante, as políticas operacionais também impõem restrições da mesma natureza que a descrita acima. Seja, por exemplo, uma política de produção em lotes econômicos, adotada para proporcionar o correto balanço entre os custos de setup e de armazenamento. Uma política dessas privilegiaria a produção com custos baixos e seria adequada a produtos que competem por custos. No entanto, restringiria o desempenho em velocidade de entrega (pois os lotes econômicos poderão ser muito grandes e, portanto, ter atravessamento lento) para produtos que concorram nesse critério. Inversamente, uma política de fragmentação de lotes privilegiaria a velocidade em detrimento do custo (pois seriam produzidos lotes com tamanhos menores que o econômico). Submeter dois produtos que compitam diferentemente (um em custo e outro em velocidade) a uma mesma política para os

tamanhos de lotes de produção, configuraria também uma desfocalização, que pode comprometer a competitividade.

A identificação (e a análise) de problemas de focalização nas operações é, portanto, parte importante do processo de formação de uma estratégia de manufatura.

Ressalte-se que não são os diferentes fatores de desempenho demandados (custo, qualidade, flexibilidade, etc.) que impõem os trade-offs, mas sim os recursos (máquinas, equipamento, mão-de-obra) e as políticas operacionais (políticas de custos, de qualidade, de gestão de estoques, etc.) quando fatores diferentes são demandados. Daí resulta que perfis de importância iguais, mesmo que impostos pela fabricação de produtos diferentes, não constituem trade-off e, portanto, não geram desfocalização. A primeira tarefa na análise do foco é, portanto, a análise comparativa dos perfis de importância obtidos na Etapa 4. Um exemplo de análise comparativa é mostrado na Figura 15.

Figura 15: Comparação entre os perfis de importância entre dois pares FP/SM

Na Figura 15, se os perfis de importância fossem semelhantes, a chance de haver desfocalizações seria baixa. Como, no entanto, eles são substancialmente diferentes, desfocalizações poderão ocorrer se o conjunto escolhido de recursos e políticas da manufatura impuser restrições aos desempenhos ótimos demandados pelas diferentes importâncias. Portanto, a existência ou não de desfocalizações deverá ser avaliada através da análise das políticas e dos recursos necessários ao atendimento ideal dos vários perfis de importância. Esta é a segunda tarefa na análise de foco – a definição dos perfis de políticas e recursos da manufatura que seriam ideais para o atendimento dos vários perfis de importância definidos na Etapa 5.

O gestor tem, via de regra, uma gama de alternativas possíveis de serem adotadas em cada situação em que uma decisão é requerida. Entre as responsabilidades do gestor da manufatura está a de tomar decisões sobre os recursos e as políticas de manufatura e, nessas, o gestor tem também, gamas de alternativas possíveis de serem adotadas. Assim o gestor, decidindo, por exemplo, sobre o tipo de mão-de-obra a utilizar, terá como alternativas a escolha de pessoas dedicadas (que realizam uma só tarefa) ou pessoas flexíveis (que têm habilidades para realizar uma grande quantidade de tarefas). Essas alternativas, no entanto, não são dicotômicas, pois podem ser encontradas pessoas com vários graus de habilidades. Pode-se, então, imaginar uma escala para as habilidades da mão-de-obra em que, num extremo, se encontrassem aquelas pessoas classificadas como flexíveis e, no outro extremo, aquelas classificadas como dedicadas. De forma análoga, podem-se imaginar escalas para todas as políticas e todos os recursos da manufatura. A Figura 16mostra alguns exemplos dessas escalas.

Figura 16: Exemplo de um perfil de decisões de políticas e recursos de manufatura

A cada uma das decisões tomadas pelo gestor corresponde um ponto nas escalas da Figura 16. A linha poligonal que une os vários pontos nas escalas corresponde ao perfil das decisões. Em termos estratégicos de manufatura, tanto melhor será o perfil de decisões quanto melhor estiver alinhado com as prioridades competitivas do negócio. O perfil ideal de decisões seria aquele que mostrasse o maior alinhamento ao perfil de importâncias do par FP/SM considerado. A Tabela 2apresenta um instrumento para analisar e explicitar quais decisões de manufatura impactam cada uma das prioridades competitivas do negócio. Evidentemente, o instrumento, como apresentado na Tabela 2 é um exemplo e deverá ser ajustado para cada negócio.

Tabela 2: Correlação entre prioridades competitivas e decisões sobre recursos e políticas da manufatura

Na Tabela 2 são também indicados os extremos das escalas para as características de cada política ou recurso. Como exemplo, para o recurso “equipamentos” atender idealmente a um requisito de competir em preço baixo, deveria ser especificado mais próximo ao extremo

“eficiente” da escala, ao passo que, para o atendimento ideal a um requisito de mix de

produtos alto, deveria ser especificado mais próximo do extremo “flexível”. Os extremos das escalas representam trade-offs (indicando, por exemplo, que um equipamento apresenta restrições em ser simultaneamente flexível e eficiente). Da mesma forma, por exemplo, para atender a um segmento de mercado que exija alto volume de produção e baixo mix de produtos, a mão-de-obra deveria ser dedicada e, portanto de menor custo; já para um segmento de mercado que demande alto mix de produtos, a mão-de-obra precisaria, necessariamente, ser mais flexível e, provavelmente, mais cara. O gestor, com base no instrumento da Tabela 2 deve então definir, para cada par FM/SM priorizado na Etapa 1, qual o perfil de decisões é ideal para o atendimento do perfil de importâncias definido na Etapa 4. A comparação dos vários perfis de decisão indicará onde existem desfocalizações. A Figura 17 esquematiza o procedimento para a comparação de dois pares FP/SM.

Prioridades competitivas Preço Pontualidade de Entrega Mix de Produtos Volume de Produção Atendimento às Especificações Decisões de políticas e recursos que impactam a

prioridade competitiva Mão-de-obra Equipamentos Lotes de produção Mão-de-obra Programação da produção Equipamentos Manutenção Mão-de-obra Layout Programação da produção Equipamentos Remuneração Mão-de-obra Layout Equipamentos Mão-de-obra Equipamentos Controle da Qualidade De Até Flexível Flexíveis Grandes Dedicada Eficiente Pequenos Flexível Complexa Flexíveis Preventiva Dedicada Simples Eficiente Corretiva Flexível Celular Complexa Flexíveis Por Habilidades Dedicada Em Linha Simples Eficientes Por Produção Flexível Celular Flexíveis Dedicada Em Linha Dedicados Polivalente Flexíveis No processo Dedicada Dedicados No produto Extremos das Escalas

Figura 17: Análise dos conflitos entre dois perfis de decisão

Como os perfis de decisões são substancialmente diferentes, há desfocalização. Ou seja, a utilização do mesmo conjunto de decisões para os dois pares FP/SM acarretará em desfocalização.

Na ocorrência de desfocalizações, as políticas e os recursos conflitantes deveriam ser separados para que o alinhamento ideal às prioridades competitivas fosse atingido, criando fábricas-dentro-da-fábrica como recomendava Skinner (1974). Evidentemente, nem sempre essa separação é factível por motivos vários (indisponibilidade de recursos, por exemplo). Nesses casos, os gestores deverão estar conscientes de estarem operando em condições sub- ótimas. Essa conscientização é imprescindível para que correções sejam feitas tão logo sejam disponibilizados recursos suficientes.

Outra possibilidade é buscar o relaxamento do trade-off, como discutido no Capítulo 2. Assim, por exemplo, uma política de lotes fragmentados (pequenos) privilegia a flexibilidade e prejudica o custo pelo aumento das quantidades de setup necessárias. Uma alternativa para o relaxamento desse trade-off seria a adoção de técnicas de setup rápido que, reduzindo os tempos de setup reduzem as quantidades econômicas dos lotes e permitem que lotes menores sejam produzidos com custos menores.

O registro desta Etapa 6 deve conter, no mínimo, as seguintes informações:

 As análises comparativas entre os perfis de decisão dos vários pares FP/SM

priorizados conforme definidos na Etapa 2.

 As descrições claras das desfocalizações identificadas  As recomendações para o relaxamento dos trade-offs.

 As recomendações das ações para a focalização com a descrição das fábricas-dentro-

da-fábrica recomendadas.

 A descrição das eventuais sub-otimizações com as quais a manufatura terá que

conviver devido a inviabilidades de focalização.