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Trade-offs em estratégia de operações: um conceito controverso

2 Revisão Bibliográfica – Estratégia de Manufatura

2.13 Trade-offs em estratégia de operações: um conceito controverso

O padrão coletivo dos recursos determina as capacidades da organização. Na manufatura, o padrão coletivo dos recursos, resultante das suas várias classes de decisão, determinará as capacidades da manufatura - em outras palavras, determinará o desempenho possível da manufatura em cada um dos critérios demandados.

Skinner (1974) defendia a idéia de ser impossível, a um determinado conjunto de recursos, apresentar desempenhos excelentes simultaneamente em todos os critérios demandados. Segundo ele, o desempenho de qualquer sistema estaria sujeito às restrições impostas pelas escolhas (decisões) feitas no seu projeto. Assim, por exemplo, o projeto de uma aeronave com alto desempenho em transportar carga exigiria escolhas que restringiriam o seu desempenho em aterrissar em pistas curtas; por outro lado, escolhas que resultassem em alto desempenho na aterrissagem em pistas curtas restringiriam a capacidade de carga. Não seria possível a uma aeronave apresentar desempenhos excelentes nos dois critérios simultaneamente – em outras

9 A expressão inglesa trade-off é normalmente traduzida para o português, na literatura, como compromisso.

Assim o trade-off entre dois critérios de desempenho seria a condição em que dois critérios estivessem em contraposição, exigindo do gestor uma solução de compromisso entre ambos. Uma escolha, por priorizar um dos critérios, necessariamente faria com que o desempenho no outro critério fosse comprometido.

palavras, existe um trade-off entre esses critérios. A tentativa de atendimento simultâneo a ambos resultaria em um projeto com desempenhos apenas medianos em ambos os critérios. Segundo (Skinner op. cit.), o projeto dos sistemas de manufatura estaria sujeito a restrições de mesma natureza. Decisões sobre os recursos que privilegiassem o desempenho em determinados critérios competitivos restringiriam o desempenho em outros. Haveria, portanto,

trade-offs entre critérios ou prioridades competitivas. As decisões sobre os recursos deveriam,

portanto, considerar esses trade-offs. O autor afirmava ainda que a indústria convencional, buscando maximizar a utilização dos recursos (aumentar a produtividade), acabava por comprometer a competitividade ao tentar atender a vários critérios de desempenho conflitantes ao mesmo tempo. Argumentava que, nessa tentativa, as empresas acabavam por adotar soluções de compromissos entre os critérios, levando os seus sistemas de manufatura a desempenhos apenas medianos e não verdadeiramente competitivos. Segundo ele, uma empresa, para ser verdadeiramente competitiva, deveria evitar as soluções de compromisso, focando suas operações em um número limitado, conciso e administrável de produtos, tecnologias, volumes e mercados.

Os argumentos de Skinner (op. cit.) conduziram publicações posteriores a admitir a existência dos trade-offs e a recomendar a avaliação destes nas decisões sobre os recursos de manufatura - por exemplo: Hayes e Wheelwright (1984), Fine e Hax (1985), Hill (1989, 1997); Boyer e Lewis (2002), Slack (1993) Slack e Lewis (2008), Corrêa e Corrêa (2006). Não obstante, a admissão da existência dos trade-offs não é unânime na literatura.

Principalmente após o sucesso demonstrado pelos sistemas japoneses de produção, a discussão sobre a existência ou não de trade-offs nas decisões de manufatura passou a ser assunto freqüente na literatura acadêmica. Womack et al. (1990) mostravam que o sistema japonês de condução da manufatura resultava em melhorias significativas em vários critérios de desempenho simultaneamente. Essa simultaneidade ocorria entre critérios que tradicionalmente eram considerados conflitantes nos sistemas de manufatura. Os japoneses conseguiam, por exemplo, melhorar simultaneamente a qualidade e os tempos de obtenção sem que com isso aumentassem os custos ou os estoques; muito ao contrário, os estoques em suas fábricas eram substancialmente menores que os das fábricas ocidentais. Constatações dessa ordem levaram acadêmicos como Schonberger (1992, 1996) e Hayes (1994, 2002) a defender que, pela adoção das melhores práticas de manufatura disponíveis, os sistemas produtivos poderiam obter desempenhos excelentes em vários critérios de desempenho.

Autores dessa corrente sugerem que critérios tradicionalmente considerados como conflitantes na verdade, se apoiariam mutuamente. Nessas condições, a melhora do desempenho em um desses critérios não causaria a deterioração do outro, mas a melhora concomitante deste. Entre as evidências que corroboram essa linha argumentativa estariam inúmeros casos de sucesso na adoção de práticas como o TQM (Total Quality Management10) - quando melhoras na qualidade resultaram em melhoras no custo; ou como os FMS (Flexible Manufacturing Systems11) – quando melhoras na flexibilidade resultaram em melhoras no custo e na qualidade; ou como o JIT (Just in Time12) – quando um conjunto de práticas resultava na melhora simultânea nos desempenhos de praticamente todos os critérios competitivos.

Duas correntes, então, de certa forma, polarizam as discussões na literatura. A primeira admite a existência de trade-offs, defendendo que, devido a eles, a manufatura não poderia apresentar desempenhos excelentes em todos os seus critérios de desempenho simultaneamente. Conseqüentemente, o conjunto de regras de decisão para a manufatura deveria orientar as escolhas dos recursos de forma a que seus desempenhos resultassem excelentes nos critérios competitivos mais importantes para o mercado pretendido – escolhas mutuamente exclusivas ocorreriam nas situações de trade-off. Assim, seria muito improvável que um mesmo conjunto de recursos atendesse de forma excelente a todos os segmentos de mercado, no fornecimento de todas as famílias de produto produzidas. A segunda corrente não admite a existência dos trade-offs e sugere que as decisões de manufatura devam ser orientadas para a adoção das melhores práticas disponíveis – não haveria, então, escolhas mutuamente exclusivas. Como conseqüência do efeito cumulativo dessas melhores práticas, desempenhos excelentes seriam obtidos em todos os critérios competitivos. Autores dessa linha, como De Meyer e Ferdows (1987, 1990), sugerem, baseados em resultados empíricos, uma seqüência ótima para o melhoramento desses critérios: qualidade, confiabilidade, velocidade e custo. Segundo eles, nessa seqüência, haveria o melhor aproveitamento dos efeitos de suporte do melhoramento de um critério sobre os demais.

As hipóteses de existência e a de não existência de trade-offs, no entanto, implicam em conseqüências diferentes sobre as formas de competição e sobre a formulação de estratégias competitivas.

10A tradução corrente, na literatura, da expressão “total quality management” para o português é: gerenciamento

total da qualidade.

11A tradução corrente, na literatura, da expressão “flexible manufacturing systems” para o português é: sistemas

flexíveis de manufatura.

Na hipótese de existência de trade-off entre duas características de desempenho, uma empresa poderia optar por entregar um desempenho ótimo numa delas - a que fosse particularmente priorizada pelo segmento de mercado de interesse. Devido ao trade-off, essa empresa não poderia, simultaneamente, entregar um desempenho ótimo na segunda característica e, portanto, com a sua opção, estaria renunciando a outro segmento que a privilegiasse. Uma segunda empresa, visando o segmento renunciado pela primeira, optaria de forma inversa. Com sua opção e também devido ao trade-off, esta segunda empresa estaria renunciando ao segmento de interesse da primeira. Ambas as empresas estariam adotando estratégias de mercado diferentes. Como são múltiplas características levadas em conta pelo mercado e como são diversas as importâncias relativas que os clientes atribuem a cada característica, na hipótese de existência de trade-offs, seriam múltiplas as opções estratégicas de posicionamento para os vários competidores.

Por outro lado, na hipótese de inexistência de trade-off, pelo menos uma empresa poderia entregar desempenhos ótimos, simultaneamente, em todas as características, independentemente de quais fossem as importâncias relativas atribuídas a elas pelos vários segmentos de mercado. Essa empresa teria, portanto, a preferência de compra de todos os segmentos. Outras empresas, se tivessem a intenção de sobreviver, teriam que adotar a mesma estratégia e também entregar desempenhos ótimos simultaneamente em todas as características. Num mundo hipotético, onde trade-offs não existissem, todos os carros seriam Rolls-Royce e todos os relógios seriam Rolex. (Garvin, 1988).

Se, por um lado, a hipótese de existência de trade-offs ajuda a explicar as múltiplas formas de competição, por outro, falha em explicar, por exemplo, o sucesso japonês em apresentar desempenhos melhorados em vários fatores de desempenho simultaneamente. A hipótese de inexistência dos trade-offs, por sua vez, ajuda a explicar o sucesso japonês, mas falha em explicar as múltiplas formas de competição. Aparentemente, a discussão dicotômica de existência ou não dos trade-offs não seria a via apropriada para a obtenção das explicações.

2.14 Uma visão compatibilizadora entre visões contrárias sobre a existência de trade-offs