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ETAR na região de Trás-os-Montes e Alto Douro

Capítulo 4 – Aproveitamento energético na região de Trás-os-Montes e Alto Douro

4.1. Energia proveniente dos Resíduos

4.1.2. ETAR na região de Trás-os-Montes e Alto Douro

O Homem, através da utilização que faz da água, tem ao longo do tempo alterado alguns mecanismos básicos do ciclo hidrológico, tendo surgido como resultado desta acção, o conceito de ciclo “urbano” da água, esquematizado na Figura 26. Este ciclo está associado à captação de água (superficialmente ou em profundidade), ao seu tratamento em estações de tratamento de água (ETA) e à sua distribuição aos vários utilizadores, nomeadamente zonas habitacionais, comércio, serviços e indústria.

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Figura 26 – Ciclo “urbano” da água. (Fonte: Marques, J. A. A. S. e Sousa, J. J. O., 2007)

A qualidade da água altera-se após a sua utilização, ou seja, após utilização as águas consideram-se águas residuais sendo que estas exigem, dadas as suas características, um tratamento adequado em estações de tratamento próprias, que são as chamadas estações de tratamento de águas residuais (ETAR). Nestas instalações, existe o tratamento das águas residuais com vista à recuperação, pelo menos parcial, dos padrões iniciais de qualidade, sendo a posterior descarga no meio receptor natural causadora de uma menor perturbação em termos ambientais, permitindo que o tratamento regenere naturalmente a qualidade inicial do recurso hídrico. (Marques, J. A. A. S. e Sousa, J. J. O., 2007)

Assim sendo, as águas residuais são sujeitas a um conjunto de tratamentos físicos, químicos e biológicos com a finalidade de separar os materiais sólidos, reduzir a carga orgânica poluente e eventuais metais pesados e ainda reduzir e desactivar a actividade dos microrganismos patogénicos.

Como tal, nas ETAR da região de Trás-os-Montes e Alto Douro, tal como em quaisquer outras ETAR, os tratamentos a que as águas residuais estão sujeitas dividem- se, por norma, em três linhas de tratamento: a linha líquida, a linha de lamas e a linha de desodorização.

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A linha líquida, onde se realiza o tratamento das águas residuais afluentes, é constituída pelas seguintes etapas:

• Tratamento preliminar, onde é efectuada a gradagem, tamisagem, remoção de areias e gorduras (no reactor biológico de tratamento de gorduras);

• Tratamento primário, que é efectuado em decantadores primários lamelares; • Tratamento secundário, que ocorre em reactor biológico. Nesta etapa há recirculação de lamas activadas, sendo que o efluente passa para os decantadores secundários rectangulares, verificando-se a recirculação das lamas biológicas para o reactor biológico.

• Tratamento terciário, sendo que nesta última etapa do tratamento da linha líquida efectua-se a filtração em leito de areia e de seguida o efluente é sujeito a desinfecção por radiação ultravioleta.

Por outro lado, a linha de lamas é constituída pelas etapas de espessamento, desidratação, estabilização química e armazenamento de lamas:

• O espessamento de lamas é efectuado apenas para as lamas biológicas em excesso através da flutuação. Após este espessamento, as lamas espessadas são misturadas e homogeneizadas com as lamas primárias;

• A desidratação das lamas espessadas é realizada após homogeneização das lamas, até um teor em sólidos de 27%, sendo efectuada com recurso ao condicionamento químico com polímero e à desidratação em centrífugas;

• A estabilização é uma etapa na qual ocorre a adição de cal viva, destinada a garantir condições adequadas ao seu armazenamento e transporte a destino final; • O armazenamento que se efectua antes do transporte a destino final é efectuado,

por norma, em silos;

No que diz respeito à linha de desodorização, esta consiste numa linha de tratamento de odores, constituída por um circuito de extracção generalizada de ar viciado do interior de todos os órgãos de tratamento, conduzindo-o a um sistema específico. O tratamento do ar consiste na sua lavagem química sequencial em três etapas:

• Lavagem ácida, com ácido sulfúrico;

• Lavagem oxidante, com hipoclorito de sódio; • Lavagem básica com hidróxido de sódio.

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As lamas resultantes do processo de tratamento de águas residuais necessitam de um destino final adequado. Para que estas possam ser adequadamente solucionadas, necessitam de um tratamento adicional para que ocorra a mineralização da matéria orgânica. Desta forma, a matéria orgânica poderá ser mineralizada por meio aeróbio ou anaeróbio.

Sob o ponto de vista da valorização energética das lamas residuais, a mineralização por meio aeróbio não dá origem à produção de metano ou biogás, logo não permite uma valorização energética das lamas residuais ao passo que no caso da mineralização por meio anaeróbio existe produção de metano ou biogás, logo este processo permite uma valorização energética das lamas residuais.

Assim, a digestão anaeróbia consiste num processo no qual os resíduos orgânicos sofrem um processo de degradação, por acção de microrganismos anaeróbios, na total ausência de oxigénio. Trata-se de um processo que ocorre naturalmente quando as condições envolventes o propiciam e apresenta como um dos principais produtos o metano, gás com elevado potencial energético.

Este é um processo complexo onde ocorrem trocas recíprocas de substratos e produtos entre as fases sólida, líquida e gasosa, sendo por isso fundamental a existência de uma relação equilibrada e coordenada entre os diferentes grupos tróficos bacterianos presentes.

No que diz respeito aos factores de controlo mais importantes no processo estes são:

• Escolha das características físicas e operacionais inerentes ao projecto do digestor;

• Capacidade do digestor;

• Controlo da temperatura (sempre que for previsto o aquecimento); • Mistura adequada no digestor;

• Produção e utilização dos gases gerados na digestão; • Cobertura do digestor;

• Qualidade do sobrenadante e características da lama a digerir.

Assim sendo, no processo de digestão anaeróbia, parte da matéria biodegradável é transformada em biogás, gás essencialmente constituído por metano e dióxido de carbono, resultando o excedente na produção de composto com possível valor

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comercial. O biogás resultante varia em qualidade de acordo com a composição e biodegradabilidade da matéria orgânica presente na lama. Em média contém 65 a 70% de CH4, 25 a 30% de CO2 e uma pequena fracção de H2S, N2 e H2. Sabe-se, também, que quanto maior a percentagem de metano, maior o poder energético do biogás. Consequentemente, o poder energético do biogás varia entre 20 a 25 MJ/m3, de acordo com a quantidade de metano existente.

Em condições de temperatura e pressão standard, o metano apresenta um poder calorífico inferior na ordem dos 35800kJ/m3. Tendo em consideração que o digestor contém apenas 65% de metano, o poder calorífico inferior do gás digerido é de cerca de 22400kJ/m3.

A produção de metano pode ser determinada pela equação seguinte 4.1: 𝑉𝐶𝐻4 = 0,35 × �(𝑆0− 𝑆) × 𝑄 × �103𝑔� �𝑘𝑔

−1

− 1,42 × 𝑃𝑥� [4.1]

sendo, 𝑉𝐶𝐻4 o volume de metano produzido em condições padrão 0ºC e 1 atm (m3/d),

0,35 o factor de conversão para a quantidade de metano produzido (m3) pela conversão de 1kg de CQO (Carência Química de Oxigénio), Q o caudal (m3/d), S0 a CQO no

efluente (mg/L), S a CQO no afluente (mg/L) e, por último, Px a pressão atmosférica.

Segundo a DGEG, a viabilidade económica da digestão anaeróbia das lamas, com consequente produção de biogás nas ETAR domésticas, exige um valor mínimo de população situado nos 15000 habitantes visto que nestes aproveitamentos grande parte do calor gerado é consumido directamente no processo de digestão das lamas e, eventualmente, na secagem das lamas, não sendo uma mais-valia energética, a menos que a produção de biogás seja elevada.

Por outro lado, estão actualmente em vigor requisitos legislativos no que compete à protecção do ambiente e dos recursos hídricos que apenas são cumpridos com a correcta gestão das ETAR e assegurando que todos os processos envolventes decorrem de forma pretendida. (Carvalho, A., 2010)

No que diz respeito ao aproveitamento de energia das ETAR em Portugal, o potencial instalado de produção de energia eléctrica, a nível nacional, com base no Biogás está estimado segundo a DGEG (Direcção Geral de Energia e Geologia) em cerca de 886 GWh/ano, sendo que, segundo a mesma fonte, as ETAR contribuem com uma energia produzida de 157 GWh/ano para um potencial instalado de energia de 41

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No que diz respeito ao aproveito dos resíduos das ETAR na região de Trás

os‐Montes e Alto Douro para a produção de energia, existe uma empresa

responsável pela construção, gestão e exploração do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro que é denominada de Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, S.A.

A principal missão desta empresa passa pela exploração e gestão do Abastecimento de Água e de Saneamento em “Alta”, abrangendo a concepção, construção das obras e equipamentos, bem como a sua exploração, reparação, renovação e manutenção das infra-estruturas que constituem o Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro. Este sistema está, assim, responsável pela captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e pela recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios aderentes, garantindo um produto de qualidade através de processos de produção e de tratamento eficientes e respeitadores dos valores sociais e ambientais mais elevados, de modo a atingir as expectativas dos clientes.

A Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, S.A. foi criada pelo Dec. Lei nº 270- A/2001, de 6 de Outubro e abrange uma área de 11748 km2. Os Municípios servidos são: Alfândega da Fé, Alijó, Armamar, Boticas, Bragança, Castro Daire, Chaves, Freixo de Espada à Cinta, Lamego, Macedo de Cavaleiros, Mesão Frio, Mirandela, Mogadouro, Moimenta da Beira, Montalegre, Murça, Peso da Régua, Resende, Ribeira de Pena, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, São João de Pesqueira, Sernancelhe, Tarouca, Tabuaço, Torre de Moncorvo, Valpaços, Vila Flor, Vila Pouca de Aguiar, Vila Nova de Foz Côa, Vila Nova de Paiva, Vila Real e Vinhais.

No que diz respeito às infra-estruturas em actividade para abastecimento de água existem 23 ETA, 352 pontos de entrega e 1258 km de rede adutora que corresponde a 17,5 milhões de m3 de água produzida e um total de 430 mil pessoas abrangidas.

Relativamente às infra-estruturas em actividade para saneamento de águas residuais existem 101 ETAR e 474 km de rede de colectores que corresponde a 16,2 milhões de m3 de águas residuais tratadas anualmente e um total de 280 mil pessoas abrangidas. (Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2012)

Nas Figuras 27, 28, 29, 30 e 31 encontram-se identificadas as ETA e ETAR na região de Trás-os-Montes e Alto Douro, estando a região dividida em cinco sub-regiões que são: região do Alto Tâmega, Terra Fria/Terra Quente, Vale Douro Norte, Douro Superior / Terra Quente e Vale Douro Sul, respectivamente.

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Figura 27 – ETA e ETAR na região do Alto Tâmega. (Fonte: Águas Trás-os-Montes e Alto Douro, 2013)

Figura 28 – ETA e ETAR na região da Terra Fria/Terra Quente. (Fonte: Águas Trás-os-Montes e Alto Douro, 2013)

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Figura 29 – ETA e ETAR na região do Vale Douro Norte. (Fonte: Águas Trás-os-Montes e Alto Douro, 2013)

Figura 30 – ETA e ETAR na região do Douro Superior / Terra Quente. (Fonte: Águas Trás-os-Montes e Alto Douro, 2013)

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Figura 31 – ETA e ETAR na região do Vale Douro Sul. (Fonte: Águas Trás-os-Montes e Alto Douro, 2013)

Assim sendo, e tendo em conta que na região de Trás-os-Montes e Alto Douro existem 101 ETAR para um total de 280 mil pessoas abrangidas, ou seja, corresponde a aproximadamente 2772 habitantes por ETAR, então segundo os estudos apresentados pela DGEG, analisados anteriormente, a viabilidade económica da digestão anaeróbia das lamas, com consequente produção de biogás nas ETAR domésticas, não apresenta rentabilidade pois nestes aproveitamentos grande parte do calor gerado é consumido directamente no processo de digestão das lamas e, eventualmente, na secagem das lamas, não sendo uma mais-valia energética, a menos que a produção de biogás seja elevada. (Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2012)

Apesar de a DGEG por em causa a viabilidade económica e considerar como baixa a rentabilidade da digestão anaeróbia das lamas, com consequente produção de biogás, nas ETAR da região, a Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro em colaboração com a empresa Tecaprod S.A., têm em curso a instalação de um sistema inovador de aproveitamento do biogás produzido na ETAR de Vila Real. Assim, o projecto da ETAR de Vila Real prevê o aproveitamento do biogás produzido pelo processo de digestão anaeróbia como combustível de um sistema de micro-cogeração de potência de 100 kW, sendo que este tipo de sistema produz energia eléctrica e térmica com rendimentos superiores a 90%. A energia térmica é aproveitada no próprio processo de

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digestão enquanto que a energia eléctrica produzida será utilizada pela própria ETAR sendo o excedente injectado na rede pública. Assim sendo, este é a única instalação conhecida na região. (Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2012)

Por outro lado, no que diz respeito ao potencial do aproveito dos resíduos das

ETAR na região de Trás‐os‐Montes e Alto Douro para a produção de energia, a

produção anual de metano 𝑉𝐶𝐻4 pode ser estimada pela equação 4.1 e com base nos dados registados no ano de 2012, ou seja, para um caudal de 16200000 m3/ano, um

CQO no efluente de 625 mg/L (S0), um CQO no afluente de 150 mg/L (S) e uma pressão

atmosférica de 1 atm.

No que diz respeito aos valores considerados do CQO, estes têm em conta, no caso do CQO no efluente, que o valor de CQO de um esgoto doméstico, em média, apresenta valores situando-se entre os 250 mg/l e os 1000 mg/l, sendo por isso considerado o valor médio de 625 mg/l, enquanto que no caso do CQO no afluente o valor 150 mg/L está coerente com os principais valores limites de emissão (VLE) na descarga de águas residuais, vigentes no Decreto Lei nº236/98, de 1 de Agosto, relativos à qualidade do efluente depurado. (Cerdeira, Lara, 2008)

Assim: 𝑉𝐶𝐻4 = 0,35 × �(625 − 150) × 16.200.000 × �103𝑔� �𝑘𝑔 −1 − 1,42 × 1� 𝑉𝐶𝐻4 = 0,35 × [7695000 − 1,42] = 2693249,50 𝑚 3 𝑎𝑛𝑜 �

Tendo em conta que o poder calorífico inferior do gás digerido (metano) é de cerca de 22400kJ/m3, então a produção anual estimada de metano na região de Trás-

os-Montes e Alto Douro é de 2693249,50 m3/ano que corresponde a uma energia produzida estimada de 60328,8 GJ/ano, ou por conversão, 16,758 GWh/ano, e um

potencial estimado de energia de 4,4 MW.

Visto que as ETAR a nível nacional contribuem com uma energia produzida de 157 GWh/ano, então a energia estimada produzida de 16,758 GWh/ano nas ETAR da região de Trás-os-Montes e Alto Douro corresponde a 10,67% do valor nacional actualmente produzido, sendo assim claramente evidente que existe um alto potencial da região para a exploração deste recurso.

O valor estimado reflecte o potencial de produção de energia nas ETAR da região de Trás-os-Montes e Alto Douro no caso de todas as ETAR estarem equipadas

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com infra-estruturas preparadas para a produção de biogás, no tratamento dos resíduos, com recurso à digestão anaeróbia.

Assim sendo, e tendo em conta o potencial energético instalado nas ETAR da região 100 kW (ETAR de Vila Real), verificamos que o potencial estimado de produção de energia das ETAR é francamente maior visto que o valor estimado (4400 kW) é 44 vezes maior que o valor instalado de produção de energia.