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Um dia, num baile te encontrei E beijei-te os lábios um mês após

Encantei-me tanto que te amei Nunca mais que te deixei E nos tornamos nós

Passou o tempo, que nem sei Um pouco afastado da estrada

Perto de uma cachoeira Fizemos nossa morada Onde a lua de madrugada

Batia à porta corriqueira, Fazíamos amor na alvorada Não temo hoje os inimigos Dizendo que tudo acabou

Nem lembranças me são castigos E jamais correrá perigos

O nosso eterno amor

Só por só sermos dois amigos Mas o tempo vai passar

Para sempre haveremos de partir Lá no alto vão nos enterrar

Em duas covas juntas vamos car E só peço uma coisa a ti

Nunca deixes de me amar Amo-te esta velha coxó Como te amei linda facial

Não porque tenho dó

Mesmo defunta não serás só Amei-te em volúpia nupcial Amar-te-ei um punhado de pó.

O amor. O amor é lindo. Lindo o amor. Amo o amor. Odeio o amor.

De quem será a culpa do príncipe tornar-se marginal? Ou da princesa tornar-se macabra? A vida. Sim, a vida. Não dá para ser bonzinho com uma mulher, ela vai deixá-lo. O príncipe encan-tado tem que ser um pouco guerreiro, tem que se deitar com as camareiras do castelo, senão não serve para elas. Não as entendo. Para ser o príncipe perfeito tem que ser um pouco sacana. Meio-termo.

A vida. Sempre a vida. A vida malvada, crua. A única capaz de ensinar os mais teimosos. Até mesmo os mais burros. Só não usa medida de dor. Usa quanta dor for necessária.

Mas será que é justa?

Lembro da sua pergunta, Barbara: “Por que eu? Mas por que ele?” Por quê? Qual pecado é merecedor de tamanho castigo? Tal-vez você não entenda. Eu compreendo, encontrei explicação na Bíblia.

Talvez você nunca leu a Bíblia. É um livro bom, traz a vida. Ensina como fazer as coisas direito, não magoar ninguém. O testemunho que posso dar-lhe é que se Antony tivesse lido-a e praticasse-a não lhe teria feito o que fez, não seria o seu carrasco. Não seria nem mesmo um toxicômano. Séria só o seu príncipe, seu belo príncipe, seu amante. Em contrapartida, se você a lesse e praticasse-a, não o odiaria. Perdoá-lo-ia. Iria rezar por ele.

Amar o inimigo, diz Jesus (Mat. 6, 43-44). Como isso é bom! Perdoar a todos nos faz viver melhor. Não gosto daquele tipo de testemunho que diz: “Eu bebia muito, batia na minha mulher etc., encontrei Jesus e Ele mudou minha vida.” Prero dizer que Deus é bom. Ele é meu melhor amigo. Cristo, o meu grande amigo Jesus Cristo. Deus, meu Pai.

O amor que vem de Deus é diferente, leva à vida.

Um amor que não destrói, que não envelhece, que não se acaba. Um amor que não se sucumbe à morte. Finalmente, algo que não se sucumbe à morte. Eu encontrei. Gosto disso.

Ele é a minha âncora, o meu porto, o meu castelo, onde me refugio. Por isso eu, um meio-termista, um controlado, posso ir ao inferno. Um passeio pelo inferno, o seu inferno. Posso ir sem medo de perder-me, ao mínimo vacilo, o mínimo perigo e volto

EDMILSON ANTUNES TAVARES

para meu castelo. Gozo desse poder, posso ir ao inferno sem car preso lá.

É bom saber que tem alguém por nós. Alguém mais forte que o mundo, mais forte que o tempo, mais forte que a morte.

Deus me ama. Eu amo Deus. Que bom!

Agora vou ao seu inferno. Vou mergulhar na sua dor. Li o primeiro capítulo, mas meu irmão chega, vamos para casa. Moro num sítio. Quero chorar, chorar apenas. Mas na frente dos meus irmãos? “Indecente”. Ainda mais sem motivos. Chorar por quê? Eu não a conheço. Chorar por uma garota que mora do outro lado do atlântico? “Indecente” demais.

Cheguei em casa. Não tenho sono, dor apenas. Sento na cama para rezar. Repasso em minha cabeça a virgem de dezessete anos e choro. Não soluço, apenas permito aos meus olhos umede-cerem. Uma ou outra lágrima quase rola. Rezo o Pai-Nosso. Chego a dizer em oração ao lembrar de sua desgraça: “Não vou pedir nada nunca mais”. Recosto minha cabeça no travesseiro, lágrimas insistem em rolar. Não consigo dormir. Penso em sexo, besteiras, amanhã é segunda e preciso trabalhar, não posso passar a noite em claro.

É segunda, eu me levanto cedo, umas seis e meia. Eu sou alambiqueiro na fábrica de cachaça de minha família. Apanho o bagaço da cana moída, que cou secando e jogo-o na fornalha, é o meu serviço, e enquanto o espero queimar escrevo ou leio. Não leva mais que minutos, mas dá tempo.

“Ranger de pneus em um pátio de estacionamento par-ticular.” Essa frase me chamou a atenção. Estava frente a uma grande autora. Gostei muito do seu estilo. O caso dos olhares: o da vida, do qual fugia, o da morte, que a atraia. Este venceu aquele. Por isso o livro. Por isso este plágio.

Sim, estou plagiando você, sua obra. Um plágio louco, desvairado, descontrolado. Plágio dos seus inúmeros parágrafos – não aprovo, mas copio –, dos seus pontos desmedidos, suas frases curtas. Tocos de frases. Duras, mais dolorosas que frases inteiras. Até o tempo dos verbos. Tudo.

Pirei! Estou plagiando até a sua dor.

Era o início. Eu nem sabia da AIDS, eram as primeiras de-zessete páginas. Minha prima tinha falado, mas eu esqueci. Ou, talvez, quem sabe, ainda torcia por você. Uma esperança boba de que fosse mentira toda a sua história. O verbo no tempo presente me levou de volta a noventa e dois, eu estive na clínica. Estive no seu quarto enquanto chorava sozinha. Estive no banheiro da clínica enquanto você lavava todo aquele sangue. Aquele sangue, você nem percebeu na hora, a morte a estuprou, por isso todo aquele sangue.

O verbo no tempo presente, o presente. O presente não é, está sendo, pois quando seria, já foi.

Manhã de segunda-feira, a dor não me deixava. Queria ler logo o seu livro. Esperava não sei o quê.

Você era um pouco de mim. Não gosta muito de estudar, estuda o que gosta e se vira com o resto. Também sou assim.

Pro-blemas com os pais já não tenho, eles me amam, eu os amo tam-bém. Eles apenas me delimitam. Isso me incomoda. Prendem-me na lucidez. Não gosto da lucidez. Ser lúcido é fazer aquilo que a so-ciedade acha correto. Um saco!

A sociedade. Ela é uma merda!

Impõe regras demais. Os mais jovens sofrem mais. Homem não chora. Isso ou aquilo está errado. A sociedade é mesmo uma merda. Ela é dura demais com os seus homens. Muito mau com as suas mulheres.

A vida tem um pouco de participação nisso tudo. Uma jovem de até 18 anos ainda é muito nova e inexperiente para car-regar consigo o poder de engravidar e a virgindade. É muita res-ponsabilidade. Uma garota de 17 anos não podia nunca carregar em si a capacidade de contrair a morte.

O meio-termo, ele de novo. Agora me lembra, um homem de 28 anos já tem a responsabilidade de possuir a capacidade de matar.

Não há inocentes. Só culpados. Isso me enche, estou de saco cheio.

Sou o papai Noel, de saco cheio. Não o papai Noel do Natal, nascimento do Cristo, mas de qualquer outra data. Nascimento

do diabo. Padrasto Noel talvez, de saco cheio de amolações, de vontade de xingar todos. Impor-lhes coisas duras: “Antony, seu burro! Seu grande idiota! Por que você se envolveu com drogas? Por que você contaminou Barbara, a doce Barbara? – Não a co-nheço, mas sei que é doce. Quem sonha com o amor é doce como o amor. Doce e amargo. Estranho – Barbara, sua grandíssima imbe-cil! Por que você se deixou levar? Seu médico desgraçado! Por que não rasgou o seu diploma e salvou uma vida?”

Um saco cheio de amolações, porém coisas reais. Verda-des.

A mentira é doce e a verdade é amarga, isso na hora. Mas não demora muito tempo e seus sabores se invertem.

As coisas antagônicas são assim, vivem lado a lado. “San-gue, AIDS, AIDS, sangue”, san“San-gue, morte, morte, sangue. “Doe vida” é o que está escrito nos bancos de sangue.

A morte e a vida sempre lado a lado. …

É a vida e a morte ali Num romance depravado Ardente e explícito

Duas fêmeas se beijando na boca. Dá nojo! Mas me fascina!

Fascina-me a relação tão estreita entre as duas. Duas ami-gas. Irônico. A morte dá um sentido à vida. A vida modela coisas, algumas lindas, o tempo inteiro para entregá-las à morte.

Duas amicíssimas, uma vivendo em função da outra: Viva! Aproveite a vida! Ame a sua vida! Tudo porque há morte. A morte nos faz amar a vida. E se morreu, é porque viveu. Só vivos mor-rem. Se morreu é porque estava vivo. É óbvio. É uma explicação universal. Quase um consolo.

Duas amigas tão unidas, somos seus brinquedos. Uma amiga feia e uma bela. A feia ressalta a beleza da bela. A bela torna a feia ainda mais feia. A bela atrai e seduz os homens, mas não os quer, ajeita-os para a feia. São unidas. São amigas. Ridículo!

Ridículo, mas fascinante! Quase belo!

Ridículo mesmo sou eu, Edmilson Tavares, um romântico, que sonha amar e ser amado. Sonha com o amor a dois com todas as suas forças.

VIVENDO EM VIDA

Pelo campo que verdeja eu vejo ores Eu vejo cantores pássaros surgindo E a brisa leve, mansa a escoar-se. Percebo seus cabelos soltos esvoaçados O sol da manhã vivo.

Sinto vontade de viver ao ver você A vida queima dentro de mim É maior que eu

Minha boca chega a encher-se. Você brinca com a ponta dos dedos Tocando na água cristalina do rio

O sol, ainda inclinado, derrama luz sobre a água. Aproximo-me cândido, um menino de amor puro Você corre de mim numa inocente brincadeira Seus pés vão ligeiros pelo campo.

Eu paro para olhar você correndo. Desce como que mel da minha boca Ao observar seu corpo em vida a correr. Para ao longe, percebe que não a sigo

Seu olhar em mim faz-me morrer de encanto Olhar indagativo, sério, angelical!

Caio de joelhos ao chão, tenho que agradecer Sinto vontade de fazer uma oração

E prestar louvor ao Deus meu Ao único ser perfeito

Que põe a felicidade pura dentro da alma ingênua. Você pasma, sem entender muito o que acontece em mim Então eu caminho lentamente para você

EDMILSON ANTUNES TAVARES

Dobro os joelhos na sua frente e abro os braços Aí você desce a mim e subimos aos céus. Delirando nossos corpos se atritam E as escrituras se abrem para nós: “Crescei e multiplicai-vos”.

Para nós já não existe presente

Esse presente que nasce no futuro e morre no passado

Mas um presente que ca Que é sempre e sempre é Um presente eterno.

E de repente será tarde

A luz agonizará, morrerá o dia O céu em estrelas cará banhado

Ficaremos aqui a esperar a noite Nós e a vida

Você vai brincar a noite toda, e eu vou consigo Nós e ninguém; eu e você.

E para assistir às nossas travessuras Alguns pirilampos e talvez uma coruja

Ali naquela árvore que tem uma galha pendente sobre o rio

E um pouco acima de nós Zeloso por nós dois O nosso Deus.

Sonhar com o amor. Parece mesmo ridículo.

Seu livro, sua história. Você é o tipo de mulher com quem sonhei. Dezessete anos, virgem, inteligente. Louca para amar e ser amada, com vergonha de dizer.

“Amar e não conseguir dizer eu amo pode levar à morte.” Eu sonho dizer “eu te amo”, você sonha ouvir. Tem necessi-dade de dizer.

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