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Seção 4.1 – Os gregos: precursores da política e da democracia

4.1.1. A etimologia da palavra política

A palavra “política” provém dos vocábulos gregos pólis, politeia, política, politikè, ê

Pólis: a cidade, a região, ou ainda a reunião dos cidadãos que formam a cidade; – ê politeia:

o Estado, a Constituição, o regime político, a República, a cidadania (no sentido do direito dos cidadãos); – ta política: plural neutro de políticos, as coisas políticas, as coisas cívicas, tudo o que é inerente ao Estado, à Constituição, ao regime político, à República, à sobera- nia; – ê politikè (techné): a arte da política (Prélot, 1964, p. 7). Em sentido comum, a política é essencialmente a vida política, a luta em torno do poder; é o fenômeno em si mesmo.1

Para Kitto (1970), a formação da pólis grega resulta, entre outros fatores, de migrações dos dórios, beócios e tessálios (1200 a.C. em diante). Os núcleos urbanos, construídos em torno das fortalezas micênicas, se transformam em comunidades político-religiosas autôno- mas. Ática, Argos, Atenas, Esparta, Tebas, Mileto e Corinto estabelecem relações comerciais entre si e através de todo o Mediterrâneo. Em torno de 1000 a.C., o intercâmbio comercial transforma-se num processo de colonização e escravização de outros povos; “pólis é a pala- vra grega que traduzimos por cidade-Estado. É uma má tradução porque a pólis comum não se assemelhava muito a uma cidade e era muito mais que um Estado” (p. 107).

Na concepção de Chauí (1994, p. 371), pólis significa cida- de, entendida como comunidade organizada, formada pelos ci- dadãos (politikos), isto é, pelos homens nascidos no solo da cida- de, livres e iguais, portadores de dois direitos inquestionáveis: a isonomia (igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito de expor e discutir em público opiniões sobre ações que a cidade deve ou não realizar).2 Ser cidadão, para os gregos, significava usufruir de certas vantagens que nenhum outro homem conhecera. Como afirma Minogue (1998, p. 19): “Os cidadãos tinham riqueza, be- leza e inteligência diversas, mas como cidadãos eram iguais”.3

É exatamente na pólis grega (cidade) que se tem uma for- ma mais acabada e apurada da vida social organizada, o que a diferencia, e muito, das sociedades anteriores. Segundo Jaeger (2003), é da pólis que deriva o que entendemos atualmente por “política” e “político”, e mais, “foi com a pólis grega que apare- ceu, pela primeira vez, o que nós denominamos Estado – con- quanto o termo grego se possa traduzir tanto por Estado como por cidade. Sendo Estado e pólis equivalentes” (p. 98).

Segundo a descrição de Chauí (1994, p. 371), ta politika são os negócios públicos dirigidos pelos cidadãos: costumes, leis, erário público, organização da defesa e da guerra, administração dos serviços públicos (abertura de ruas, estradas e portos, cons- trução de templos e fortificações, obras de irrigação, etc.) e das atividades econômicas da cidade (moeda, impostos e tributos, tra- tados comerciais, etc.).

2 Sobre a “palavra” (a importância da discussão), observa Aristóteles (Pol. I; 2): “É evidente que o homem é um animal mais político do

que as abelhas ou qualquer outro ser gregário. A natureza, como se afirma freqüentemente, não faz nada em vão, e o homem é o único animal que tem o dom da palavra. E mesmo que a mera voz sirva para nada mais do que uma indicação de prazer ou de dor, e seja encontrada em outros animais..., o poder da palavra tende a expor o conveniente e o inconveniente, assim como o justo e o injusto. Essa é uma característica do ser humano, o único a ter noção do bem e do mal, da justiça e da injustiça. E é a associação de seres que têm uma opinião comum acerca desses assuntos que faz uma família ou uma cidade”.

3 O trabalho de Minogue (1998) é uma excelente síntese do pensamento político ocidental.

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Civitas é a tradução latina de pólis, portanto, a cidade, como ente público e coletivo. Res publica é a tradução latina para ta politika, significando, portanto, os negócios públicos

dirigidos pelo populus romanus, isto é, os patrícios ou cidadãos livres e iguais, nascidos no solo de Roma.

Pólis e civitas correspondem (imperfeitamente) ao que, no vocabulário político atual,

chamamos de Estado: o conjunto das instituições públicas (leis, erário público, serviços públicos) e sua administração pelos membros da cidade. Ta politika e res publica correspondem (imperfeitamente) ao que se designa, contemporaneamente, por práticas políticas, referindo-se ao modo de participação no poder, aos conflitos e acordos nas to- madas de decisão e na definição das leis e de sua aplicação, no reconhecimento dos direi- tos e das obrigações dos membros da comunidade política às decisões concernentes ao erário ou fundo público.4

Afirmar que os gregos e romanos inventaram a política não significa dizer que, antes deles, não existissem o poder e a autoridade política propriamente dita.5 Para compreender- mos o que se pretende dizer com isso, convém examinarmos como era concebido e praticado o poder nas sociedades que não as greco-romanas.6

Chauí afirma que os gregos e romanos foram os pioneiros na política, mesmo que, no começo, ambos tivessem conhecido a organização econômico-social de tipo despótico ou patriarcal, próprio das civilizações orientais (1994, p. 374). Assim, um conjunto de medidas foi tomado pelos primeiros dirigentes – os legisladores –, de modo a impedir a concentração do poder e da autoridade nas mãos de um rei, senhor da terra, da justiça, das armas, repre- sentante da divindade.7

4 Para Châtelet (1985, p. 13), a pólis, a cidade grega, é entendida como um dos produtos mais marcantes do “milagre grego”. 5 Segundo Minogue (1998, p. 20), os gregos foram os pioneiros na política. O que vem antes deles, o despotismo oriental, não é política. 6 Conferir a análise de Chauí (1994, p. 371-381) sobre o conceito de política, segundo a etimologia. A invenção da política, segundo a

autora, dá-se com os gregos e romanos, bem como todo o vocabulário político que conhecemos atualmente refere-se aos gregos e romanos. A política é entendida pelos gregos como “vida boa”, como racional, feliz e justa, própria dos homens livres. Para os gregos, a finalidade da vida política é a justiça (entendida como concórdia) na comunidade.

7 Não apenas a política inicia-se com os gregos, mas “a poesia épica, a história, o drama, a filosofia com todos os seus ramos, desde a

Afirmar que os gregos e romanos foram os inventores da política não significa a insti- tuição de uma “sociedade e uma política cujos valores e princípios fossem idênticos aos nossos” (Chauí, 1994, p. 376). Em primeiro lugar, a “economia era agrária e escravista, de sorte que uma parte da sociedade – os escravos – estava excluída dos direitos políticos e da vida política. Em segundo lugar, a sociedade era patriarcal e, conseqüentemente, as mulhe- res também estavam excluídas da cidadania e da vida pública. A exclusão atingia também estrangeiros e miseráveis” (p. 376-377).

Quem realmente participava da pólis? A cidadania era exclusiva dos homens adultos, livres e nascidos no território da cidade. Como nos esclarece Chauí (1994, p. 377):

A diferença de classe social nunca era apagada, mesmo que os pobres tivessem direitos políticos. Assim, para muitos cargos, o pré-requisito da riqueza vigorava e havia mesmo atividades porta- doras de prestígio que somente os ricos poderiam realizar. Era o caso, por exemplo, da liturgia grega e do evergetismo romano, isto é, de grandes doações em dinheiro à cidade para festas, construção de templos e teatros, patrocínios de jogos esportivos, de trabalhos artísticos.

Como vimos, o conceito de política, no sentido originário, provém de pólis (politikos), cidade e tudo o que se refere a ela; conseqüentemente, a tudo que é urbano, civil e público.

O filósofo Platão, na obra A República, tratou da política e do Estado ideal.8 Abordou as formas ideais e degeneradas de política. Também Aristóteles tratou sobre o tema na obra

A Política. Este foi o primeiro tratado sobre a natureza, funções e divisões do Estado sobre as

várias formas de governo. Originalmente, a política é apenas uma ciência do Estado. Aristóteles tratou das três formas de poder: o poder paterno, pelo interesse dos filhos; o poder despótico, pelo interesse do senhor, e o poder político, pelo interesse de governantes e gover- nados. Atualmente o conceito de política se ampliou e refere-se a atividades que de alguma forma têm por referência a pólis.

8 Sobre a questão do Estado em Platão, Jaeger, na Paidéia (2003, p. 1.330) afirma que: “... para Platão o Estado nunca é o mero poder,

mas sempre a estrutura espiritual do homem que o representa”. E o governante, para Platão, deve conhecer os valores supremos, “... isto é, das coisas de que vale a pena preocupar-se na ação” (Jaeger, 2003, p. 1.372).