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O liberalismo de Locke: o cidadão com direitos naturais

John Locke nasceu na Inglaterra no ano de 1632.1 A Ingla- terra, a partir da segunda metade do século 17, transformou-se num império mercantil promissor. Nesse período a burguesia, como classe social, começa a ascender economicamente e a buscar os direitos individuais, os direitos cidadãos. Nasce, neste sentido, o cidadão, justamente com a Inglaterra, sendo Locke o seu teórico.

Em 1689 Locke publicou três grandes obras: Dois Tratados

sobre o Governo Civil, Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano e a Carta sobre a Tolerância.2 O Ensaio Filosófico sobre

o Entendimento Humano é a principal obra de Locke e versa sobre

a sua compreensão do espírito humano, ou melhor, da capacida- de de conhecer. Essa obra foi considerada a Bíblia do Iluminismo.

Locke combateu duramente a doutrina das idéias inatas defendidas por Platão e Descartes. Para Platão, o homem já tra- zia consigo (ao nascer) o conhecimento impregnado em sua alma, ao qual teria acesso por meio da reminiscência (recordação). Locke combateu ferozmente tais idéias. Defendeu que nossa men- te, no instante do nascimento, é como uma tábua rasa (papel em branco) que vai adquirindo conhecimento à medida que os senti- dos se confrontam com a realidade: “nada existe em nossa mente que não tenha sua origem nos sentidos”. Locke defende a idéia empirista de que tudo provém da experiência. A reflexão é o nos- so “sentido interno”, que se desenvolve quando a mente se de- bruça sobre si mesma, analisando suas próprias operações. B + 4 &? ) * + , +-- ... - - ^ 1U / 6 2 3 + ' 755]

1 Ver Almeida Mello (1991).

Nota-se que Locke lutará para derrubar as idéias inatas, que podem justificar uma ideologia, uma dominação. Por exemplo, os poderosos têm idéias inatas, já nascem com a idéia que irão dominar e explorar o povo e nós devemos aceitar isso?

São conhecidas algumas críticas que Locke tece contra os teóricos que defendem as idéias inatas (já nascemos com o conhecimento). De fato, se houvessem idéias inatas, elas deveriam estar presentes na mente das crianças e do selvagem crescido longe da civilização. A experiência, porém, mostra claramente o contrário. A sua verdade não pode ser averigua- da: admitida a existência de idéias inatas, não provenientes da experiência, torna-se impos- sível verificar o seu valor, como também distinguir o verdadeiro do falso, porque não pode- mos confrontá-la com a experiência, que é o único modo de estabelecer se alguma coisa é verdadeira ou falsa.

Locke também examina o processo cognitivo (intelecto). No momento do nascimento a alma é uma tábua rasa: não tem nenhuma idéia. O conhecimento humano começa com a experiência sensível e é condicionada por ela. Nada está na mente sem antes passar pela experiência. Advoga também que as capacidades do conhecimento são inatas, mas as idéias são adquiridas pela experiência. Locke ataca frontalmente o princípio das idéias inatas, como também todo o pensamento a priori, pois se a verdade fosse inata em nossas mentes, de nada valeriam a observação e a experiência. Na melhor das hipóteses, elas podem confir- mar o nosso conhecimento, mas nunca lhe acrescentar nada.3

Segundo Locke, adquirimos as nossas idéias de fora e todas elas provêm da sensação. Assim resta indagarmos: De onde vieram nossas idéias, se não são inatas? Como poderemos saber se nossas idéias, assim surgidas, são verdadeiras? Quanto pode o entendimento hu- mano compreender e que tipo de conhecimento está ao seu alcance? Conhecer, para Locke, significa perceber uma relação entre as idéias. Ora, as idéias são de dois tipos: há idéias simples, que derivam diretamente da sensação ou de uma experiência interior, que é a refle-

3 Para Locke, o espírito humano é uma tabula rasa ou um white paper, onde nada está escrito. “As idéias que se gravam nessa tabula ou

nessa folha só podem promanar da experiência. É nela que o espírito vai buscar todos os seus materiais para depois os modelar, combinar, transformar, com uma habilidade infinita” (Chevallier, 1983, p. 32, Tomo II).

xão. Também existem idéias complexas, que são combinações das idéias simples. Antes de experimentarmos a sensação não podemos pensar, pois tudo aquilo que se encontra no intelecto deve passar, primeiramente, pelos sentidos.

Não há princípios práticos inatos, pois estes não alcançam uma recepção universal, sendo impossível para uma mesma coisa ser ou não ser. Notemos que os princípios práticos são passageiros, se fossem inatos teriam de permanecer sempre. Vislumbramos como princí- pio moral, de prova e exemplarmente, o aborto, que é uma idéia adquirida; se fosse inata deveria permanecer.

O não matar é um princípio evidente, mas não é inato. Locke contesta o acordo uni- versal dos inatistas e refuta-os advertindo que isso não prova o que é inato, diz que a razão não descobre coisa alguma.

A outra obra importante de Locke chama-se Dois Tratados sobre o Governo Civil. É nela que Locke teoriza contra as idéias absolutistas. A vontade intelectual de Locke é de demolir a doutrina do direito divino dos reis de governar. Locke considerava esta teoria um veneno para a política. Procurava ele um contraveneno que fosse capaz de destruir tais idéias.

Assim como Hobbes e Rousseau, John Locke é considerado um pensador contratualista, ou seja, defendia que a sociedade civil moderna será instituída e organizada a partir de um contrato entre todos os indivíduos. Locke também parte do estado de natureza, passando pelo contrato, até chegar ao governo civil. O estado de natureza de Locke não é de inimiza- de e guerra, como o de Hobbes. No estado de natureza de Locke os indivíduos estão regula- dos pela razão, há uma organização pré-social e pré-política, segundo a qual todos nascem com os direitos naturais: vida, liberdade e propriedade privada. Sobre a razão natural: “En- sina a todos os homens, que, sendo todos iguais e livres, nenhum deve prejudicar o outro, quanto à vida, à saúde, à liberdade, ao próprio bem”. E, para que ninguém intente ferir os direitos alheios, a natureza autorizou cada um a proteger e conservar o inocente, reprimin- do os que fazem o mal, dando-lhes o direito natural de punir.4

4 “O contrato social de Locke em nada se assemelha ao contrato hobbesiano. Em Hobbes, os homens firmam entre si um pacto de submissão

pelo qual, visando a preservação de suas vidas, transferem a um terceiro (homem ou assembléia) a força coercitiva da comunidade, trocando voluntariamente sua liberdade pela segurança do Estado-Leviatã. Em Locke, o contrato social é um pacto de consentimento em que os homens concordam livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar ainda mais os direitos que provém originalmente no estado de natureza. No estado civil os direitos naturais inalienáveis do ser humano à vida, à liberdade e aos bens estão melhor protegidos sob o manto da lei, do arbítrio e da força comum de um corpo político unitário” (Almeida Mello, 1991, p. 86).

O direito de propriedade, segundo Locke, é a extensão de terra que cabe a cada ho- mem, é o que ele tem capacidade de lavrar, semear e cultivar. Locke não fala em acumulação da propriedade para fins especulativos. Ele afirma que os homens se juntam em sociedades políticas e submetem-se a um governo com a finalidade principal de conservar suas propri- edades, pois o Estado natural não a garante. O Estado é soberano, mas sua autoridade vem somente do contrato que o faz nascer: este é o fundamento liberal do pensamento de Locke.

John Locke foi médico, filósofo e político, defendeu idéias liberais e influenciou o sis- tema político da sua época. Sustentou que o poder não é somente do soberano, mas, de todos. A idéia de Locke era de que se formassem Estados por livre associação para produzir mais. É nesse período que ocorre a ascensão da burguesia que, mais tarde, estará à frente da Revolução Francesa (1789).

Na visão de Locke, os homens se juntam em sociedades políticas e se submetem a um governo com a finalidade principal de conservar suas propriedades. O Estado natural (isto é, a falta de um Estado) não garante a propriedade. Locke foi um teórico relacionado com a monarquia parlamentar liberal.

O contexto histórico em que nasceu John Locke não se caracterizou pela tranqüilida- de, muito pelo contrário, o século 17 foi marcado por constantes lutas entre a “coroa”, tendo o rei como representante do poder soberano (representado na Inglaterra pela dinastia Stuart, defensora do absolutismo) versus o “Parlamento”, tendo como representante a bur- guesia ascendente, partidária do liberalismo. Em toda a sua vida Locke posicionou-se contrariamente ao absolutismo, principalmente ao governo Stuart, vindo a ser perseguido, o que o levou a se exilar, só retornando a sua pátria após o triunfo da Revolução Gloriosa, com a instituição da República na Inglaterra, ou seja, o triunfo do liberalismo político sobre o absolutismo.

Jonh Locke é chamado também de filósofo contratualista, uma vez que entende que para a boa regulamentação de uma sociedade, ou para a mesma garantir direitos, ou até mesmo ser feliz, tornam-se necessárias a elaboração e a construção de um contato social que conceda de fato todas as garantias possíveis para a realização concreta de tais empre- endimentos. Assim, Locke parte do estado de natureza, no qual o homem vive num estágio pré-social e pré-político com liberdade e igualdade.

O estado de natureza de Locke é diferente do estado de natureza hobbesiano (uma vez que este é baseado na insegurança e na violência: “guerra de todos contra todos”). Para Locke, o estado da natureza é de relativa paz, concórdia e harmonia. Um dos direitos do homem no Estado Natural é a propriedade privada. Por teoria da propriedade, em Locke, entende-se a posse de bens móveis e imóveis. Como vimos, a propriedade já é realidade no estado de natureza e, sendo uma instituição anterior à sociedade, é um direito natural do indivíduo que não pode ser violado pelo Estado. Já para Hobbes, quem detém a propriedade é o soberano e os súditos não têm direito algum; em Locke o objetivo final é que o Estado garanta o direito de propriedade.5

Como a razão natural, na compreensão de Locke, ensina que todos os homens são iguais e livres, porém com direito aos bens, sempre surge o perigo iminente da invasão e da tomada dos bens de uns sobre os outros, na medida em que todos são proprietários. A saída é estabelecer um contrato entre os homens que dê total segurança e proteção aos proprietá- rios, não vindo a ocorrer a usurpação de uns sobre os outros. Então, o contrato social é a realização da passagem do estado de natureza para a sociedade política ou civil e visa exclu- sivamente a preservar e proteger a comunidade tanto dos perigos internos quanto externos.

O contrato é, igualmente, um “pacto de consentimento em que os homens concordam livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar os direitos que possuíam originalmente no estado de natureza”. Assim, o homem concebe “a sociedade política ou civil”. O próximo passo é a escolha de uma forma de governo capaz de garantir efetivamente os direitos dos cidadãos. Observa Locke: pode ser qualquer forma de governo, desde que “o governo não possua outra finalidade a não ser de conservação da propriedade”.

O governo civil contará com o poder Legislativo, considerado o mais importante entre os demais. A ele caberá a elaboração das leis, tendo como sustentação o poder delegado pelo povo, tornando possível a existência de

5 “Em suma, o livre consentimento dos indivíduos para o estabelecimento da sociedade, o livre consentimento da comunidade para a

formação do governo, a proteção do direito de propriedade pelo governo, o controle do executivo pelo legislativo e o controle do governo pela sociedade, são, para Locke, os principais fundamentos da sociedade civil” (Almeida Mello, 1991, p. 87).

leis e regras estabelecidas como guarda e proteção às proprieda- des de todos os membros da sociedade, a fim de limitar o poder e mudar o domínio de cada parte e de cada membro da comunida- de; pois não se poderá nunca supor seja vontade da sociedade que o legislativo possua o poder de destruir o que todos intentam asse- gurar-se entrando em sociedade e para o que o povo se submeteu a legisladores por ele mesmo criados (Locke, 1973, p. 77, 96, 127).

Em síntese, para Locke, a função do Estado é garantir os direitos naturais (vida, liberdade, propriedade). Entre os direitos que, segundo Locke, o homem possuía quando no estado de na- tureza, está o da propriedade privada, que é fruto de seu traba- lho. O Estado deve, portanto, reconhecer e proteger a proprieda- de. Locke defende também que a religião seja livre e que não dependa do Estado.

Locke passou para a História como o teórico da monarquia constitucional, um sistema político baseado, ao mesmo tempo, na dupla distinção entre as duas partes do poder, o Parlamento e o rei, e entre as duas funções do Estado, a Legislativa e a Executi- va, bem como na correspondência quase perfeita entre essas duas distinções – o poder Legislativo emana do povo representado no Parlamento; o poder Executivo é delegado ao rei pelo Parlamento.

De Locke passamos a descrever algumas idéias de outro im- portante teórico contratualista chamado Jean-Jacques Rousseau.