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As hipóteses etiológicas dos TA já passaram por diversas fases, variando desde modelos puramente biológicos até os exclusivamente sociológicos e psicológicos. No início do século XX, a AN foi considerada como decorrente de uma deficiência na glândula pituitária. A partir de 1940, as causas psicológicas ganharam destaque, sendo muito influenciadas por teorias psicanalíticas. Durante os anos 60 e 70, o ambiente familiar e os aspectos socioculturais entraram em evidência, momento em que a terapia sistêmica passou a ocupar lugar privilegiado no tratamento. Atualmente, com o desenvolvimento da biologia molecular e neuroimagem, verifica-se o maior interesse pelos fatores biológicos com foco nos aspectos genéticos e neurobiológicos (NUNES, 2006). Apesar dos avanços, trata-se de um terreno com muitas hipóteses, algumas evidências e pouco consenso.

Na literatura médica atual, predomina a ideia de que os TA apresentam etiologia multifatorial, ou seja, são determinados por diversos fatores que interagem de forma complexa em um determinado sujeito. Dessa forma, a ênfase recai mais nos fatores associados a esses quadros a partir de estudos estatísticos que no nexo causal propriamente dito. Nesse contexto, a etiologia dos TA é abordada a partir dos fatores predisponentes, que são aqueles que aumentam a chance do aparecimento do quadro, precipitantes, que marcam o aparecimento dos sintomas, e mantenedores, que determinam se o transtorno será perpetuado ou não (WEINBERG, 2008). Adotaremos essa divisão para sermos fidedignos com a literatura médica, embora caiba questionar sua precisão, pois, muitas vezes, não é possível determinar exatamente qual fator apareceu primeiro e a real validade da associação estatística.

Dentre os fatores predisponentes da AN, incluem-se os traços de personalidade como obsessividade, perfeccionismo, passividade e introversão. Sociabilidade, comportamento gregário, comportamento de risco, impulsividade e instabilidade afetiva estão mais associados à BN. A baixa autoestima ou autoavaliação negativa e a história pré-mórbida de outros transtornos psiquiátricos, sobretudo a depressão, são fatores de risco para os TA. De uma forma geral, fatores que reforçam as preocupações com peso e precipitam dietas como, por exemplo, a tendência à obesidade e as mudanças corporais características da puberdade, são considerados predisponentes, sobretudo para o desenvolvimento da BN (MORGAN; VECCHIATTI; NEGRÃO, 2002). O fato de a adolescência ser uma fase especialmente vulnerável ao surgimento desses transtornos apresenta justificativas que variam desde as alterações hormonais até as mudanças físicas e psicossociais que impõem novos desafios e podem ser vivenciados como ameaçadores (WEINBERG, 2008).

Muito se fala sobre o ideal de beleza feminino centrado na magreza como um importante fator para o desenvolvimento de TA. Pode ser que o reforço exercido pelas imagens difundidas pela mídia contribuam para o aumento da insatisfação com a imagem corporal. No entanto, isso não significa que ocorrerão alterações comportamentais suficientemente graves para o diagnóstico de TA. Além disso, relatos de pacientes cegos com TA são fontes de questionamento da real influência desse fator (FERNÁNDEZ-ARANDA et al., 2006). Não podemos esquecer que, além do discurso social, existe um sujeito responsável por essa escolha sintomática, o que torna relevante a investigação das particularidades da subjetivação da sexualidade feminina.

As profissões como atletismo, ginástica olímpica, balé, moda e nutrição também têm sido associadas aos TA. No entanto, não se sabe se elas teriam um papel predisponente ou se as pessoas já predispostas tenderiam a procurá-las com mais frequência (MORGAN; VECCHIATTI; NEGRÃO, 2002). Entre as experiências e eventos adversos relacionados ao desenvolvimento do TA incluem-se abuso sexual, traumas e comentários depreciativos relacionados ao corpo durante a infância (NUNES, 2006). O abuso sexual é considerado fator de risco para qualquer transtorno psiquiátrico, tendo maior importância na BN que na AN (UNIKEL- SANTONCINI; RAMOS-LIRA; JUÁREZ-GARCÍA, 2011; WEINBERG, 2008).

Estudos mostram que os TA tendem a ocorrer com mais frequência em parentes de primeiro grau de pacientes com diagnóstico de TA do que em parentes de pacientes saudáveis. Para a AN, esta chance é de 11 vezes maior, enquanto que para BN, é de 4 vezes. De qualquer forma, o padrão de herança genética não segue o modelo mendeliano simples em que a doença é causada por um único gene, mas sim um modelo complexo resultante da interação de múltiplos genes com o meio ambiente (COSTIN, 2006). Nesse contexto, a interação familiar também é apontada como importante fator, dificultando a separação entre o genético e o familiar. Habitualmente, apesar dos pacientes anoréxicos descreverem suas famílias como estáveis e sem conflitos, o que se observa é que essas são mais rígidas, intrusivas e tendem a evitar conflitos. Já os bulímicos, suas famílias são desorganizadas, perturbadas e sem afeto, características confirmadas pela observação externa. Uma relação distante e pouco afetiva com o pai também parece estar associada, prospectivamente, a alterações na conduta alimentar na adolescência (NUNES, 2006).

Dentre os fatores precipitantes, a dieta é o mais frequente. Também não é incomum localizar eventos estressores envolvendo uma desorganização da vida ou uma ameaça à integridade física precedendo o quadro de TA. O esclarecimento do desencadeamento do quadro é fundamental para o melhor entendimento do sintoma desenvolvido pelo paciente e contribui para a condução do tratamento (FERREIRA; CUNHA; TORRES, 2012; MORGAN; VECCHIATTI; NEGRÃO, 2002).

A manutenção do quadro é associada às alterações endócrinas e neurofisiológicas decorrentes da desnutrição, assim como aos fatores psicológicos que envolvem o crescente radicalismo e necessidade de controle que se observa na evolução do quadro. Não há como precisar quais desses fatores exercem maior influência na sustentação do quadro, fato que será retomado na discussão sobre o tratamento.

Alterações em vias serotoninérgicas (5-HT) têm sido associadas tanto à AN quanto à BN dada a presença de sintomas relacionados ao humor, controle de impulso, ansiedade, obsessividade e desregulação do apetite presentes nesses quadros. Estudos recentes que utilizam exames de neuroimagem funcional sugerem que essas anormalidades são irreversíveis, podendo estar presentes antes do desenvolvimento do quadro (BAILER; KAYE, 2011; JÁUREGUI-LOBERA, 2011; KAYE, 2008). No entanto, apesar das evidências de que agentes seratoninérgicos

reduzam os sintomas bulímicos, não existem comprovações quanto suas alterações quantitativas e reais efeitos em cada quadro. O sistema dopaminérgico também tem sido associado aos TA. Uma das hipóteses é que a fome altera esse sistema, predispondo a busca de prazer e recompensa através de alimentos (CARR, 2011). As alterações dopaminérgicas têm servido como um dos argumentos utilizados por autores que aproximam esses transtornos dos quadros psicóticos e que advogam a favor do uso de antipsicóticos no tratamento (MIOTTO et al., 2010). Os exames de neuroimagem estrutural sugerem variados graus de atrofia cerebral em pacientes com AN. Apesar da hipótese de que esses achados estão associados à desnutrição, esses são apenas parcialmente reversíveis após a recuperação nutricional (JÁUREGUI-LOBERA, 2011).

Conclui-se que existem muitas variáveis, fatores de risco e caminhos para que uma pessoa desenvolva um TA. Alguns doentes podem ter um pouco de todas os fatores mencionados, enquanto outros podem ter um ou dois. Da mesma forma, para alguns, fatores ambientais podem desempenhar um grande papel; para outros, nem tanto. Assim, o desafio para aqueles que trabalham com a clínica localiza-se na interação desses fatores em um caso singular e não na mera descrição estatística dos elementos genéricos envolvidos nos TA.