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2. E NQUADRAMENTO TEÓRICO

2.1. Obesidade infantil

2.1.2. Etiologia e fatores de risco

Conforme refere Enes e Slater (2010), a obesidade tem etiologia multifatorial, ou seja, são muitos os fatores que concorrem para o seu aparecimento. Segundo Sousa et al. (2008), “o mecanismo responsável pela acumulação de tecido adiposo é complexo, e pode ser resultante de uma combinação de factores genéticos, metabólicos, psicológicos, ambientais e comportamentais” (p.9). Os mesmos autores referem que normalmente o ganho de peso está relacionado com um aporte de energia superior ao seu dispêndio, dispêndio este associado à taxa de metabolismo basal, efeito térmico dos alimentos e atividade, sendo que de todas estas variáveis a mais suscetível de ser modificada é a atividade física.

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Alguns autores referem causas endógenas para o desenvolvimento da doença, como alterações genéticas ou hormonais. No entanto, Sousa et al. (2008) referem no seu artigo, que estas causas contribuem apenas para 1% a 5% dos casos de obesidade, sendo os restantes 95% a 99%, originados por uma causa primária ou exógena. Para o tratamento de uma obesidade de causa endógena, torna-se fundamental considerar a causa e começar por tratá-la, se possível, seja ela genética, neurológica, endócrina, psicológica, ou consumo de fármacos.

Os fatores de risco podem surgir ainda durante a gestação e no início da vida com a não adesão à amamentação, como demonstram Araújo, Beserra e Chaves (2006). Com o crescimento da criança vão surgindo outros fatores. Enes e Slater (2010) destacaram do estudo de Oliveira, Cerqueira, Souza e Oliveira (2003), o papel do desenvolvimento económico e do processo de urbanização como catalizadores de padrões alimentares inadequados e modelos de ocupação sedentários, que poderão estar na génese do aumento da obesidade e, em particular, da obesidade infantil (inclusão das tecnologias na vida das crianças). No seu estudo de revisão da literatura, Enes e Slater (2010), mostraram que fatores como o aumento do consumo de açúcares simples, alimentos industrializados e diminuição da ingestão de frutas e legumes estão diretamente associados ao excesso de peso nos adolescentes, juntamente com fatores como a diminuição da prática de atividade física e aumento de atividades sedentárias. Hernandes e Valentini (2010), bem como Rinaldi, Pereira, Macedo, Mota e Burini (2008) também destacam a inatividade física como um fator que em muito contribui para o aumento de peso nas crianças. Wieting (2008), dentro do padrão alimentar, refere o aumento do consumo de alimentos hipercalóricos e ricos em gorduras, mas aborda também a questão da desresponsabilização dos pais acerca da dieta dos filhos como um fator que contribui para o desenvolvimento de obesidade nas crianças/adolescentes. É de referir a predisposição familiar também analisada por Brophy et al. (2009) e salientada por Sousa et al. (2008), como uma das causas endógenas para a obesidade. Segundo estes autores, em crianças com um dos progenitores obesos, o risco de desenvolver a doença é quatro vezes superior, e se ambos os progenitores são obesos este risco torna-se oito vezes superior.

Lourenço e Cardoso (2009) revisaram estudos recentes que nos mostram que há um interesse crescente acerca da possibilidade de o estado nutricional da criança e suas práticas alimentares estarem relacionadas com a obesidade em indivíduos adultos. A revisão evidencia que muitos estudos longitudinais prospetivos vieram mostrar associações entre as práticas alimentares e o desenvolvimento de excesso de peso e obesidade nas crianças e mais tarde na idade adulta.

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Ficou evidente na pesquisa dos referidos autores que um dos fatores que mais contribui para a prevenção do excesso de peso e obesidade é a amamentação, sendo este um fator já amplamente estudado, nomeadamente, por Araújo et al. (2006). Inversamente, indivíduos que sofreram uma introdução precoce de alimentação com leites adaptados têm maior possibilidade de ganho excessivo de peso por sobredoses de alimentação, o que não sucede com o leite materno, o qual só é produzido pelo estímulo da sucção. Daniels et al. (2009) vem também salientar o tipo, frequência e quantidade de alimentos ingeridos pela criança nos primeiros anos de vida como fatores determinantes para o desenvolvimento de obesidade na infância. Birch, Savage e Ventura (2007) também dão ênfase à alimentação no primeiro ano de vida, nomeadamente à manutenção do aleitamento materno.

São vários os autores, como Campbell, Crawford e Ball (2006), Patrick e Nicklas (2005) e Birch et al. (2007), que descrevem a influência das práticas alimentares, em ambiente familiar, no comportamento alimentar das crianças e, consequentemente, no desenvolvimento de obesidade.

Ventura e Birch (2008), Scaglioni, Salvioni e Galimberti (2008) e Johannsen, Johannsen e Specker (2006) salientam ainda a influência das atitudes dos pais, no desenvolvimento dos comportamentos alimentares das crianças.

Campbell et al. (2007) referem a questão do exemplo proporcionado pelos pais no ambiente familiar, já que as crianças desenvolvem muitos dos seus comportamentos por imitação de um modelo e, relativamente à alimentação, o mesmo sucede. Birch et al. (2007) referem também o estilo parental como um fator que pode contribuir para o desenvolvimento do comportamento relativamente à alimentação por parte das crianças. Por exemplo, pais demasiados autoritários em relação à alimentação das crianças podem levar a uma desresponsabilização das mesmas para com a sua própria alimentação.

Birch et al. (2007) salientam fatores socioculturais inerentes à evolução dos tempos. Nos tempos passados, os défices nutricionais estavam mais relacionados com a escassez de comida. No entanto, a mudança dos tempos levou a uma evolução no sentido completamente inverso. Hoje em dia, muitos dos défices nutricionais estão mais relacionados com o excesso de comida, especialmente comida extremamente rica em calorias, como já foi referido anteriormente. Segundo os mesmos autores, o momento de transição da infância para a adolescência é vincadamente marcado pelo aumento de consumo de bebidas altamente

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calóricas, bem com snacks e fast-food e, pelo declínio no consumo de leite e alimentos ricos em outros nutrientes.

Sendo o padrão alimentar um dos fatores que contribui para o desenvolvimento da obesidade infantil, Patrick e Nicklas (2005) estudaram os fatores sociais e familiares que influenciam o padrão alimentar e a qualidade da alimentação da criança. Os autores afirmam que o comportamento alimentar está em função do ambiente físico e social, estando essencialmente relacionado com a disponibilidade de comida, a preferência por algumas comidas no meio familiar, a quantidade das porções, os valores culturais, as práticas e crenças dos pais e a estrutura do momento da refeição. A forma como os pais desenvolvem as suas atitudes acerca da alimentação dos filhos, pode mesmo interferir com o nível de saciedade da criança, o que pode mais tarde determinar o desenvolvimento da obesidade.

Wieting (2008) refere ainda outros fatores sociais e ambientais que influenciam negativamente os hábitos alimentares e de atividade física das crianças, como por exemplo, as pressões financeiras e de tempo, que levam a que muitas famílias minimizem custos com a alimentação e a sua confeção, recorrendo mais vezes a refeições preparadas a baixo custo, mas ricas em calorias; a publicidade nos meios audiovisuais à junk-food e bebidas hipercalóricas; a maior disponibilidade de restaurantes de refeições rápidas nas zonas urbanas; menor quantidade de espaços adequados para a prática de atividades ao ar livre, também nas zonas urbanas, e ainda a facilidade que as crianças têm em ausentar-se da escola nos intervalos para o almoço, fugindo assim das cantinas das escolas para se alimentarem em cafés e pastelarias nos arredores da escola.

Livingstone (2001) também dá especial enfoque aos fatores sociais, embora considere que a relação entre os fatores sociais e a obesidade infantil seja ainda equívoca e pouco entendida, sendo necessários mais estudos que se centrem nesta questão.