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Parte I-Problemática e enquadramento

1.3. Os Portugueses e os outros

1.3.2. Etnicidade e meio político

O discurso do governo é um discurso de tolerância e de preocupação com a integração das minorias na sociedade portuguesa, com particular atenção para os imigrantes lusófonos34. Vejamos, a título meramente exemplificativo, um extracto do discurso do actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, por ocasião da conferência sobre a Mundialização, as Migrações e o

Desenvolvimento que teve lugar no Centro Cultural de Belém em 1998:35

Como país de emigrantes das sete partidas temos que nos esforçar por ser igualmente uma Pátria acolhedora para quantos nos procuram e connosco querem viver e trabalhar.

Independentemente dos discursos, recorde-se que até há bem pouco tempo, a legislação portuguesa não incluía normativos relativos aos imigrantes residentes em território nacional e as leis existentes, apenas de forma indirecta, afectavam os imigrantes. É o caso do Decreto-Lei nº 797/76 de 6 de Novembro, que apenas permite que cidadãos nacionais se candidatem a concursos públicos para a concessão de habitação social ou o caso do Decreto-Lei nº 97/77 de 17 de Março, que obriga as empresas com mais de cinco funcionários a terem os seus

quadros de pessoal preenchidos com pelo menos 90% de cidadãos Portugueses.36

34 De recordar que em 17 de Julho de 1996 foi criada a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa-CPLP.

35

http://www.min-nestrangeiros.pt

36 Outros decretos–lei que afectam indirectamente os estrangeiros são apresentados em Rocha-

Em 1991 foi criado, no âmbito do Ministério da Educação, pelo então Ministro Roberto Carneiro, o Secretariado Coordenador de Programas de

Educação Multicultural (SCOPREM), actualmente designado Entreculturas que,

entre muitas outras acções, publica um boletim: Diálogo, de divulgação com objectivos também pedagógicos.

De entre os objectivos do Entreculturas, citam-se, entre outros, o de

“Prevenir xenofobia, racismo, segregação cultural e étnica”(www.min-

edu.pt/entreculturas).

Com o Decreto-Lei 212/92 de 12 de Outubro que instituiu o processo extraordinário de regularização de imigrantes clandestinos (200 000 em 1992, segundo Carvalho, 1992: 24), extensível aos cônjuges e filhos menores de 14 anos, Machado (1992) considerou que o Estado trouxe definitivamente a questão da etnicidade para a esfera política. Antes desse momento, apenas o Partido Socialista, na altura na oposição parlamentar, o fazia, ao incluir, por exemplo, representantes das comunidades imigrantes nas listas eleitorais para a Assembleia da República (Machado, 1993: 411).

A decisão de implementação do processo de legalização não foi algo simples, antes, decorreu da pressão por parte de várias entidades. Assim, por exemplo, o artigo de Helena Norte publicado no Diário de Notícias em Maio de 1992, refere-se a um seminário organizado na Universidade do Porto com o objectivo de formar um movimento de pressão para a legalização dos imigrantes clandestinos. O processo de legalização veio a decorrer entre 13 de Outubro de 1992 e 5 de Março de 1993, tendo sido exigidas duas condições para a legalização: estar em território português antes de 15 de Abril de 1992 e provar dispor de condições económicas mínimas para assegurar a sobrevivência. As entidades empregadoras que "confessassem" situações de irregularidade de emprego no seu seio, beneficiariam de uma amnistia, não sofrendo qualquer tipo de sanções.

Apesar da campanha desenvolvida apelando à legalização,

responsabilidade de sub-empreiteiros, para quem a legalização dos clandestinos significava, obviamente, perda de mão-de-obra barata. O programa Casa

Comum, exibido na RTP 2 em Dezembro de 1993, apresentou os seguintes

resultados do processo de legalização: quase 50000 pedidos de legalização, 38500 dos quais deferidos, 6000 misteriosamente não localizáveis, 700 pendentes por alegada falsificação de documentos ou registos criminais comprometedores e 700 indeferidos. O número de legalizados ficou, assim, aquém do previsto pelo governo: 70 a 80 000 e, na altura, a Igreja considerou que 30 a 40 000 indivíduos tinham permanecido em situação de clandestinidade, tendo outras fontes apontado números bem diversos. Independentemente dos números, foi amplamente considerado que o processo teve as suas limitações (uma das críticas recorrentes foi a de que os spots televisivos apelando à regularização da situação, passaram em horários em que os trabalhadores não estavam em casa) e diversas figuras da vida pública portuguesa exerceram pressão no sentido da abertura de um novo processo de legalização. Tal processo veio a ser iniciado pelo governo socialista (entretanto eleito em 1995) em 11 de Junho de 1996. Este novo processo previa um período de legalização mais alargado, mais concretamente de 6 meses, e exigiu menos documentos do que o anterior. Após a conclusão do processo, a fiscalização tornou-se apertada e passou a ser muito difícil permanecer em Portugal numa situação de clandestinidade.37

Em 1993 foi nomeada uma Assessora para a Casa Civil do então Presidente da República, Mário Soares, exclusivamente dedicada ao

acompanhamento dos problemas das comunidades imigradas em Portugal. 38 Em

1993/94 foi criada a Associação de Professores para a Educação Intercultural e em 1996 foi criado, na dependência do Conselho de Ministros, o Alto

37 O Decreto-Lei nº 4/2001 de 10 de Janeiro veio definir uma nova orientação nas autorizações de

permanência.

38

Informações sistematizadas relativas às políticas nacionais e locais em relação aos imigrantes foram iniciadas por Rocha-Trindade, M.B.(Coord.) (1995). Sociologia das Migrações. Lisboa: Universidade Aberta.

Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, sob a presidência de José

Leitão.

O programa “Todos Diferentes, Todos Iguais” criado no âmbito da

Secretaria de Estado da Juventude (S.E.J.) teve por objectivo fomentar os

valores da paz e da tolerância junto dos jovens e o dia 21 de Março de 1996, proclamado o Dia Internacional do Racismo, foi também celebrado em Portugal.

A consagração do ano de 1997 como Ano Europeu Contra o Racismo intensificou a pertinência da questão e, é por demais óbvio, que inscrevendo-se Portugal num conjunto de quinze países da União Europeia, as políticas nacionais na matéria são (ou deveriam ser) articuladas com as políticas preconizadas por essa mesma União, as quais, por seu lado, têm que ter em consideração a realidade migratória da União no seu conjunto. No relatório de 1998 relativo ao Ano Europeu Contra o Racismo, José Leitão, o Alto Comissário para as Migrações e Minorias Étnicas, refere inúmeros seminários, encontros, cursos, realizados ao longo do ano, salientando a intervenção conjunta dos poderes políticos, das organizações privadas e dos cidadãos (5).

Tem-se também constatado um maior protagonismo das associações de imigrantes 39e de algumas organizações não governamentais e o estabelecimento

de compromissos internacionais na matéria. É natural que esse protagonismo seja hoje maior, atendendo a que a politização da etnicidade tende a acontecer depois de alguns anos de presença das minorias imigrantes nos países de acolhimento, isto é, quando as mesmas já conhecem algum grau de sedentarização, o que começa a ser o caso em Portugal (Machado, 1992: 132). Uma das dificuldades do movimento associativo africano em Portugal passa pelo facto das elites não se encontrarem, em geral, na liderança das associações mas estarem, antes, mobilizadas pelos processos de mudança política em curso nos seus próprios países de origem (Machado, 1992: 132). Um outro problema prende-se com a

39

Relativamente a associações de imigrantes em Portugal, de citar o livro de Albuquerque, R.; Ferreira, L. & Viegas, T. (2000). O fenómeno associativo em contexto migratório. Duas décadas

dificuldade em promover uma maior mobilização das comunidades que representam. Essas comunidades, dada a sua generalizada condição de vida precária, tendem a ter uma atitude de retraimento público e político (Machado, 1992: 133).

As associações de luta contra o racismo, diversas em Portugal, desempenham um papel central. A associação SOS-Racismo tem desempenhado um papel louvável ao editar, entre outras, publicações explicativas dos direitos e deveres dos estrangeiros (Amaral, s.d.), as quais possibilitam o esclarecimento dos imigrantes. Esta associação, apesar de apenas legalmente inscrita em 1993, desenvolve actividades que remontam aos finais da década de oitenta, nomeadamente, a organização de ciclos de cinema em escolas, debates e exposições temáticas. Referimos, ainda, o “Movimento Inter Povos” (1992), a “Frente Anti-Racista”(1994), a “Juventude Contra o Racismo na Europa” (1994), "Olho Vivo" (1988)…entre outras associações.40

Podemos, assim, concluir que:

[…] a nossa experiência democrática trouxe-nos a consciência, a sensibilidade e a reflexão […] proporcionou a emergência […] de movimentos anti-racistas, que ultrapassaram as elites intelectuais para penetrar largos sectores da opinião pública […]. (Amâncio, 1998: 79)