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Parte I-Problemática e enquadramento

Capítulo 2 Contributos da Sociologia e da História

3.3. Identidades e representações sociais

Um aspecto da identidade não abordado no ponto anterior é o das estratégias identitárias. Taboada-Leonetti (1990) falou do duplo estatuto teórico do conceito de identidade, por um lado, consciência subjectiva e, portanto, individual, conceito do campo da Psicologia e, por outro lado, relação com o outro, interacção, do campo da Sociologia.

Para este autor, as estratégias identitárias são o resultado de elaboração individual/colectiva dos actores, variando em função das situações e dos contextos e consequência dos objectivos dos mesmos (1990: 49). Entre as finalidades das estratégias estão a diferenciação (1990: 56) e a valorização (1990: 56).

Vala (1994: 29) refere não se saber ainda:

[…] como é socialmente regulada…a selecção dos observadores para quem se representa e com quem se interage.

Maleswka-Peyre (1990: 117) introduziu um conceito relevante para o nosso estudo: o de inconsistência de estatuto de um grupo. De facto, a discussão sobre a identidade nacional desenvolvida nos capítulos posteriores parece indicar que os Portugueses se consideram superiores a uns grupos e inferiores a outros.

Blanz et al. (1998) construíram uma tipologia de respostas à identidade social negativa, as quais estariam organizadas em dois eixos bipolares ortogonais, sendo os polos do primeiro eixo as estratégias invidividuais/colectivas e os do segundo eixo, comportamentos/cognições.

Intrinsecamente relacionado com o conceito de identidade está o conceito de representação a que, em seguida, dedicaremos alguma atenção.

Na década de cinquenta, um longo debate em torno da Psicanálise, mobilizou em Paris intelectuais e universitários. O debate, inicialmente nascido no seio de tertúlias fechadas, veio a alargar-se, tendo repercussões na imprensa e penetrando o tecido social. Num espaço de apenas três anos (de 1953 a 1956),

230 jornais e revistas não especializados publicaram cerca de 1600 artigos sobre a Psicanálise (Vala, 1993: 353).

Em 1961, Moscovici publicou um trabalho sobre a apropriação da teoria psicanalítica por diferentes grupos sociais, baseando-se em estudos por questionário e na análise de conteúdo da imprensa. Nesse estudo, procurou compreender duas ordens de questões. Uma questão de ordem específica: como é consumida, transformada e utilizada pelo cidadão comum uma teoria científica e uma questão de ordem geral: de que modo essa realidade é construída.

No quadro de análise das questões referidas, Moscovici propôs o conceito de representação social82

(Vala, 1993: 353). Melhor especificando, a primeira questão refere-se à difusão e apropriação do conhecimento científico, das suas teorias e conceitos pelo indivíduo comum, indivíduo enquanto cientista amador (Moscovici, 1976). Um protótipo dessa imagem seria Woody Allen utilizando nos diálogos dos seus filmes uma panóplia de conceitos psicanalíticos.

A segunda questão, refere-se à análise dos processos mediante os quais os indivíduos em interacção social constroem teorias sobre os objectos sociais que tornam viável a comunicação e a organização dos comportamentos (Moscovici, 1969). Neste sentido mais amplo as representações alimentam-se de teorias científicas, dos grandes eixos culturais, de ideologias formalizadas, de experiências e de comunicações quotidianas (Vala, 1993: 353-354).

O conceito de representação não é inédito. De facto, toda a Psicologia de raíz não estritamente comportamentalista utiliza, de forma mais ou menos saliente, e muito embora com diferenciações significativas, o conceito.

Numa primeira acepção, podemos entender a representação social enquanto “reflexo interno duma realidade exterior, reprodução conforme no espírito do que se encontra fora do espírito”, acepção que se enquadra num

82 Autores como Brewer & Kramer (1985: 227) utilizam o termo representação social, não na

acepção de Moscovici, mas para se referirem a um conceito mais difuso, no qual integram os estereótipos sociais. Em 1982, Tajfel tinha já estabelecido o paralelismo entre estereótipos sociais e representações sociais (Mudança social e psicologia social, Lisboa: Livros Horizonte).

modelo S-O-R, em que as representações são mediações entre os estímulos e as respostas.

No entanto, as representações sociais não são apenas isso, isto é, não são uma mera reprodução do mundo exterior, mas antes uma verdadeira construção, passíveis de análise no quadro dos modelos O-S-O-R, nos quais as representações surgem como mediações e como factores constituintes dos estímulos, dominando, portanto, todo o processo (Vala, 1993: 355).

Vala (1993: 357) referencia Piaget, quando este escreve: "[…] a representação é a expressão de um sujeito."

A teoria das representações sociais de Moscovici procurou reintroduzir uma abordagem mais social na Psicologia Social, enfatizando conceitos colectivos como os de cultura e de ideologia. A premissa base é a de que o indivíduo é, antes do mais, um ser social cuja existência e identidade estão enraizados numa colectividade. O indivíduo mantém uma relação dialéctica com a sociedade, é produto dela (das suas normas, convenções e valores) e, simultaneamente, um participante activo que a pode transformar (Augoustinos & Walker, 1995: 135).

Billig (1993) salientou a importância do estudo das representações sociais para a compreensão da sociedade pensante (“the thinking society”), continuando ainda hoje a questão da sua avaliação a ser problemática (Breakwell & Canter, 1993).

Leyens et al. (1994) referem que, alguns anos depois da emergência, na Europa, da teoria da identidade social, surgiu nos Estados Unidos uma abordagem designada por social cognition 83 (Leyens et al., 1994: 74).

No final da década de setenta, a vaga da cognição social chegou à Psicologia Social e, apesar de ter tido origem numa área específica de investigação, a da percepção das pessoas e formação de impressões, teve a ambição de abranger todo o domínio da Psicologia Social (Leyens et al., 1994:

74). Em oposição à teoria da identidade social, esta teoria enfatizou o cognitivo e não o motivacional (a primeira atribui igual valor às duas vertentes) e tem um âmbito individual, em vez de social.

Leyens et al. (1994: 75) referiram as definições de social cognition de Hamilton (1981) e de Fiske & Taylor (1984). Assim, de acordo com Hamilton (1981: 136) a social cognition inclui:

A consideration of all factors influencing the acquisition, representation and retrieval of person information, as well as the relationship of these processes to judgments made by the perceiver.

Fiske & Taylor (1984: 1), por seu lado, consideram que é o estudo de:

How people think about people and how they think they think about people.

Hogg & Abrams (1992) referem que Markus e Zajonc (1985) concluem na sua revisão dos estudos da cognição social, que a única coisa que esta linha de investigação conseguiu foi criar uma metodologia sofisticada que possibilitou confirmar os resultados do New Look na Psicologia Cognitiva. A cognição social ainda não encontrou respostas para muitas questões no domínio das relações intergrupais.

Messick & Mackie (1989: 72) referem-se a algumas das questões que continuam sem resposta: Existem categorias primárias (raça, género, idade,…) que são sempre automaticamente activadas e se sim, quais são as consequências? Como é que os processos atentivos e intencionais interagem com a activação automática das categorias sociais? Quais as interrelações entre as diversas medidas da discriminação intergrupal e qual o seu significado conceptual?

83 De notar que a expressão “social cognition” foi introduzida em Psicologia Social por Bruner e

O facto é que a cognição social, ao não dar atenção ao contexto social é, na nossa perspectiva, uma abordagem que encerra limitações. Mlicki & Ellemers (1996: 112) chamam a atenção para o facto de que as respostas dos sujeitos em contextos “naturais” (no caso do seu estudo, estudantes Holandeses e Polacos) diferirem do comportamento observado em grupos mínimos, devendo a investigação laboratorial ser complementada com investigações com grupos naturais.

O conceito de representação social tem pontos em comum com o de esquema social da cognição social, mas apresenta também diversas diferenças.

Em termos de pontos em comum, quer o esquema quer a representação constituem conhecimento social que facilita o processamento de informação social, são traços mnésicos com uma dada estrutura organizacional interna, recorrem a atalhos (shortcuts) cognitivos ou heurísticas no processamento da informação social, envolvem estruturas afectivas com dimensões normativas e avaliativas.

Passemos, então, às diferenças. A teoria das representações procura entender o funcionamento individual psico-sociológico, em ligação com os processos colectivos e sociais. As duas teorias são articuladas em diferentes níveis de explicação, tal como observado por Doise em 1986 (Augoustinos & Walker, 1995: 165).

A teoria dos esquemas não responde a questões como, por exemplo: De que modo as estruturas de conhecimento são partilhadas, por quem e por quantas pessoas? Há diferenças grupais no conteúdo das estruturas? O conteúdo não é perspectivado como passível de influenciar de uma forma significativa a aquisição dos esquemas? O processo de aquisição dos esquemas é universal através dos diferentes conteúdos e de diferentes grupos de pessoas? (Augoustinos &Walker, 1995: 176).

De resto, a teoria desenvolvimentista cognitiva assumiu que a aquisição de conhecimento social se processa por estratégias lógicas, sequenciais e universais que seriam universalmente controladas pelas capacidades cognitivas dos

indivíduos (Augoustinos & Walker, 1995: 176). As diferenças grupais não são interpretadas como reflectindo variações genuínas na distribuição social do conhecimento, mas como diferenças nos estádios de desenvolvimento cognitivo (Augoustinos & Walker, 1995: 176). Pelo contrário, a teoria das representações sociais, apesar de não esclarecer muito acerca do processo envolvido na aquisição e desenvolvimento das representações, coloca o estudo das estruturas cognitivas num contexto social e internacional (Augoustinos & Walker, 1995: 176-177).

As representações resultam de interacção social e constroem a compreensão do mundo social, permitindo a interacção entre grupos que partilham a representação (Augoustinos & Walker, 1995: 177).

A adopção de uma ou de outra teoria determina a forma como diferentes conceitos da Psicologia Social são perspectivados. Vejamos o caso do conceito de estereótipo.

A cognição social encarou os estereótipos como esquemas sociais. De facto, os estereótipos encontram-se na memória, possuem uma organização interna e são aprendidos pelos indivíduos desde os seus primeiros anos. A cognição social conferiu pouca atenção à natureza simbólica, política e ideológica, bem como às funções dos estereótipos (Augoustinos & Walker, 1995: 222).

Na perpectiva de Augoustinos e Walker (1995), os estereótipos são representações sociais, estruturas cognitivas e afectivas relativas a grupos sociais, que são largamente partilhadas e que emergem e proliferam num dado contexto social e político (Augoustinos & Walker, 1995: 222).

[…] les valeurs et les normes de la culture d’appartenance des individus qui y ont participé, ont modelé la répresentation qu’ils ont construite des différents éléments intervenant dans la situation expérimentale, cette répresentation contribuant, par la suite, à modeler leurs strtégies de réponse. (Vala, 1984: 353)

Dorai & Deschamps (1991) compararam as representações sociais que estudantes Franceses e Suiços tinham da União Europeia (na altura, C.E.E.),

encontrando uma representação mais positiva por parte dos Franceses (para quem a identidade nacional, continuava, no entanto, a ser mais importante do que a identidade comunitária) do que dos Suiços (exteriores à comunidade).

3.4. Estudos sobre identidade nacional e/ou visão dos outros em Portugal