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O ser humano aprendeu a retirar do meio ambiente os recursos necessários para sua sobrevivência que permitem sobrepor várias dificuldades, particularmente as doenças. Várias espécies vegetais são utilizadas no tratamento direto ou como auxiliar em diversas doenças (ALEXIADES, 1996).

A etnobotânica é o conjunto de estudos sobre a relação dos seres humanos com as plantas (ALEXIADES, 1996; COTTON, 1996). Apesar de durante a história da humanidade sempre ter ocorrido intercâmbio entre diferentes populações, incluindo a troca de plantas e conhecimentos, de forma natural, uma abordagem científica e metódica sobre os usos e exploração de plantas utilizadas por outras populações surgiu durante o Renascimento com as grandes navegações, quando os europeus abordavam povos desconhecidos à procura de plantas e drogas que pudessem ter utilidade para eles. Entretanto apenas em 1895 Harshberg definiu a etnobotânica como uma disciplina das ciências (SCHULTES, 1994).

A etnobotânica se insere dentro da etnobiologia que Posey (1987) define como o estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito da biologia ou o estudo do papel da natureza no sistema de crenças e de adaptação do homem a determinados ambientes.

Essa terminologia surgiu com a linha de pesquisa conhecida como etnociência que ganhou impulso a partir dos anos cinqüenta com alguns autores norte- americanos que começaram a desenvolver pesquisas, principalmente junto a populações autóctones da América Latina. Inicialmente, os estudos da etnociência voltaram-se para análises de aspectos das classificações de folk ou etnoclassificações e sobre categorias de cores, plantas e parentesco próprias de diferentes sociedades. No Brasil, pesquisas etnobiológicas começaram a ser mais freqüentes nos anos 1980, embora muitos trabalhos anteriores, desde o século passado, possam ser considerados etnobiológicos (HAVERROTH, 2013).

A etnobotânica pode ajudar a solucionar alguns dos grandes desafios da humanidade como a segurança alimentar, a busca de novos medicamentos, produção de fibras e produção de combustíveis (MARTIN, 1995; ALEXIADES, 1996; COTTON, 1996).

Estudos etnobotânicos levam em consideração que populações tradicionais oferecem um bom indicador sobre a eficiência e segurança de plantas medicinais (BALICK e COX, 1996).

Entretanto é necessário considerar que, acima de tudo, estes trabalhos científicos podem e devem ser um caminho para o desenvolvimento das próprias comunidades envolvidas e que todo o trabalho etnobotânico deve possuir algum retorno para as comunidades (MARTIN, 1995).

Alguns dos métodos que podem ser utilizados para a bioprospecção de novos medicamentos são a etnobotânica, a seleção aleatória de plantas (randômica), a seleção baseada na quimiotaxonomia (Brito, 1995), a seleção a partir da observação de animais e a seleção a partir de uma abordagem mística (embora estes dois últimos praticamente não sejam utilizados pela ciência). A etnobotânica continua sendo o método mais eficiente para a bioprospecção de novos medicamentos (COX, 1994).

Estudos revelam que a busca de novos medicamentos a partir de trabalhos etnobotânicos é mais eficiente na descrição e descoberta de plantas com potencial terapêutico do que a busca aleatória (BRANDÃO et al. 1992; ELISABETSKY, 2005).

Para cada 22.900 substâncias sintetizadas, um medicamento é colocado no mercado, porém, quando a pesquisa é feita com plantas de uso popular ou tradicional, a relação é cerca de 50 vezes menor, ou seja de 1:400 (BRITO, 1995).

Enquanto apenas 1% das plantas estudadas a partir de plantas selecionadas aleatoriamente se mostraram eficazes para o tratamento da malária, 20% das plantas selecionadas a partir de trabalhos etnobotânicos foram eficazes contra esta doença (KRETTLI et al., 2001).

Brandão et al. (1992) consideram que a abordagem etnofarmacológica é mais proveitosa que a busca ao acaso. Eles observaram que das 22 espécies usadas para a malária e/ou sintomas relacionados, quatro (18%) mostraram atividade contra P. berghei, enquanto das 273 plantas testadas ao acaso, somente duas (0,7%) foram ativas.

Existem mais de 126 trabalhos publicados sobre plantas antimaláricas utilizadas por comunidades tradicionais de todo o mundo (WILLCOX E BODEKER, 2004).

Entre os mais recentes, realizados na África, Madureira (2005) encontrou 14 espécies antimaláricas em São Tomé e Principe; Fowler (2006) listou mais de

uma centena de espécies utilizadas contra a malária e febres na Zâmbia; Botsaris et al. (2007) estudaram 40 plantas antimaláricas na África; Idowu et al. (2009) listaram 38 plantas antimaláricas utilizadas na Nigéria, Nguta et al. (2010) catalogaram 40 plantas reputadas como antimaláricas no Quênia e Pascaline et al. (2011) listaram 44 espécies utilizadas no Quênia.

Na região amazônica e no Brasil alguns trabalhos etnobotânicos para o estudo de plantas antimaláricas foram realizados. Brandão et al. (1992) levantou 41 espécies utilizadas contra a malária e seus males associados no Pará e Rondônia dentro de áreas de assentamentos rurais; Milliken (1997a) entre os Yanomami de Roraima levantou 25 espécies utilizadas por estes indígenas; Hidalgo (2003), junto a ribeirinhos e caboclos do rio Solimões e rio Amazonas, encontrou 82 espécies utilizadas para o tratamento da malária e de suas febres; Caraballo et al (2004) estudaram plantas antimaláricas na região amazônica da Venezuela, próxima ao Brasil, e encontraram 18 espécies utilizadas pelas comunidades locais.

Trabalhos de revisão sobre plantas antimaláricas também são importantes por agruparem dados que são publicados aleatoriamente. Milliken (1997b) listou 956 espécies utilizadas na América Latina e em todo o mundo. Oliveira et al. (2001) listaram 197 espécies utilizadas como antimaláricas no Brasil e Mariath et al., 2009 estudaram a ação de 476 espécies antimaláricas utilizadas nas Américas a partir da revisão de literatura.

Preocupados com a validação dos dados de trabalhos etnobotânicos como suporte para pesquisas de atividades metabólicas de plantas antimaláricas, Willcox et al. (2011) sugeriram uma série de indicadores para verificar a qualidade dos dados obtidos. Entre os aspectos considerados nesta pontuação está a originalidade do trabalho, se a coleta de material biológico foi acompanhada do informante que indicou a planta, se foi realizado o depósito do material vegetal em herbário, se a identificação foi realizada em um herbário, a quantidade de informantes (>10), a concordância de uso (>2), a experiência dos informantes no uso da planta indicada e finalmente se o pesquisador é fluente na língua do informante colaborador.