• Nenhum resultado encontrado

Manejo da paisagem e de plantas medicinais

Há pelo menos 12 mil anos as populações amazônicas vêm manejando a paisagem das mais diversas formas, em geral no sentido de torná-las mais produtivas e seguras para humanos, num processo conhecido como domesticação de paisagem (CLEMENT, 1999; CLEMENT e BOREM, 2009).

Existem evidências da ocupação humana na região amazônica há mais de 8.000 anos e registros arqueológicos da ocupação da região do rio Negro sugerem uma ocupação desta região há mais de 3.500 anos (CABALZAR E RICARDO, 2006).

Alguns desses resquícios arqueológicos podem ser encontrados nas chamadas terras-pretas, que se caracterizam como manchas de alta fertilidade provenientes do acúmulo de matéria orgânica e cinzas de acampamentos indígenas pré-coloniais (JUNQUEIRA et al. 2012).

Estima-se que aproximadamente 11,8% da floresta de terra firme da região amazônica é antropogênica (Balée, 1987), como as formações de castanhais (Shepard e Ramirez, 2011; Mori, 2001) e possivelmente de açaizais (Steege et al., 2013). Este processo de domesticação da paisagem é essencial para a resiliência do ser humano nestes ambientes.

Steege et al. (2013) levantaram aproximadamente 16.000 espécies de árvores ocorrendo na floresta amazônica e descobriram que 11 mil delas representavam apenas 0,12% dos indivíduos enquanto 227 espécies representavam 50% dos indivíduos levantados, com a predominância de palmeiras, sendo que Euterpe precatoria e Euterpe oleracea correspondem a 2% de toda a flora. É possível que estas espécies que possuem maior freqüência tenham uma relação com a ocupação humana na região.

Costuma-se chamar de saber ecológico tradicional ao conhecimento que populações locais têm de cada detalhe do seu entorno, do ciclo anual, das espécies animais e vegetais, dos solos, etc. Cardoso (2010) observou no rio Cuieras, afluente do Rio Negro, que as percepções próprias e classificação da paisagem pelos indígenas que lá habitam: condições de topografia, tipo de solo, vegetação, dinâmica e uso da paisagem influenciam nesta ordenação.

Este tipo de ordenamento também foi descrito por Aguiar (2007) entre agricultores tradicionais do Mato-Grosso, entre os Baniwa (Cabalzar e Ricardo, 2006; Abraão et al., 2008) e entre os Tukano (Abraão et al., 2010) do alto rio Negro.

Posey (1987) descreve o complexo sistema de classificação e manejo dos ambientes pelos Kayapó no Pará, segundo a concentração de recursos específicos que os caracterizam, partindo de uma ordenação por níveis verticais.

Haverroth (2013) trabalhando com os Kaingang em Santa Catarina também percebe um sistema próprio de ordenação dos ambientes, de acordo com as plantas e animais encontrados, mas também segundo o tipo de solo, grau de umidade, relevo e recursos hídricos.

Não só populações indígenas, mas também caboclos e outras populações possuem sistemas próprios de ordenação do ambiente (POSEY, 1987). Ming (2007) trabalhando com seringueiros no Acre estudou o zoneamento ecológico feito por eles de acordo com a vegetação e recursos naturais e como isto interfere nas atividades desenvolvidas em cada um destes locais.

A percepção temporal e cosmológica também é particular para cada população. Foi observado o uso de calendários astronômicos pelas comunidades do Alto rio Negro, que influenciam na época de cultivo e de coleta/colheita, caça e pesca de animais, nas festas tradicionais e eventos sociais. São elaborados complexos calendários baseados na posição de constelações e astros no céu. A variação climática também influi na percepção do tempo, com a observação de diversos períodos regulares de seca e chuva ao longo dos anos no Alto rio Negro, considerados períodos de inverno e verão (VALENCIA, 2010; CABALZAR et al., 2010; AZEVEDO et al., 2010).

O manejo do ambiente e das plantas pode ser definido como qualquer atividade humana, consciente ou inconsciente que irá alterar o seu desenvolvimento natural (ERICKSON, 2006).

Na realidade todo ser vivo tem a capacidade de alterar o meio em que vive e neste processo podem ocorrer pressões de seleção entre os organismos que resultam numa coevolução e interdependência entre estes organismos. Quando este processo é consciente ocorre o que se chama de domesticação (RINDOS, 1984; ODUM, 1996).

Durante um longo período de exploração do meio ambiente e de seus recursos naturais é natural que aconteça uma pressão de seleção tão intensa que leve a domesticação da paisagem e de algumas espécies vegetais e animais.

A domesticação tem sido compreendida de forma ampla envolvendo diferentes níveis de organização da diversidade, desde o nível de populações

de espécies até alterações em comunidades de espécies e paisagens. Ao manejar determinado ambiente, o homem pode vir a domesticar esse ambiente, no sentido de aumentar a disponibilidade das espécies úteis, modificando sua estrutura demográfica e para maximizar a produtividade do ambiente (CLEMENT, 1999).

Lévi-Strauss (1950) considera que populações indígenas da América do Sul tiveram um trabalho focado no manejo e domesticação da paisagem em detrimento da domesticação de espécies. A domesticação da paisagem implica na mudança intencional ou não intencional para o melhor aproveitamento dela por seres-humanos ou para outras espécies (ERICKSON, 2006).

Segundo Junqueira et al. (2010) existem grandes áreas na Amazônia que sofreram influência do homem e que podem ser reconhecidas pelas características de sua vegetação, concentração de espécies úteis, matas secundárias e ainda pela composição do solo, como as terras pretas de índio e outros vestígios deixados por antigos moradores.

Borém et al. (2009) descrevem a seleção e domesticação de plantas silvestres a partir do processo de manejo da paisagem onde costuma ocorrer o: a) manejo incipiente da paisagem, com um manejo inconsciente e interferência mínima humana, seguido pela b) paisagem semi-domesticada com um manejo mais intenso e consciente e c) a paisagem domesticada, com uma paisagem totalmente manejada pelo ser humano que depende de sua interferência para existir.

A domesticação de plantas é um processo eminentemente co- evolutivo entre o homem e as espécies vegetais, mediado pelo uso e manejo, que acarreta mudanças gradativas na estrutura demográfica, morfológica e genética das populações das espécies, conferindo a elas maior ou menor dependência de ações humanas para sobreviver e se reproduzir (RINDOS 1984; HARRIS, 1989; HARLAN 1992; CLEMENT, 1999).

O estudo de domesticação implica em considerar que as populações humanas atuais não são meros repositórios de diversidade genética, mas sim promotores e possíveis amplificadores de diversidade intra-específica (PERONI, 2006).

O manejo e cultivo das plantas permite maior produção e controle na qualidade das partes desejadas, além de sistematizar a produção e facilitar a colheita (MAZOYER E ROUDART, 2010; CLEMENT et al., 2009).

Cotton (1996) classifica os estágios da domesticação de plantas em a) espécies semi-domesticadas como sendo aquelas que podem ser cultivadas; b) plantas

domesticadas como aquelas que necessitam do ser humano para completar seu ciclo; e c) plantas protegidas como aquelas que não são cultivadas nem propagadas, mas são favorecidas durante o seu desenvolvimento.

Cada espécie de planta e cada ambiente que sofre algum tipo de manejo tem um histórico de uso e evolução própria, o que exige análise profunda de seus aspectos para procurar compreender a influência do ser humano em seu desenvolvimento. Os estudos etnobotânicos que procuram compreender a relação dos indivíduos com todo o ambiente em que estão, a partir de uma abordagem cultural e utilitária, podem ajudar a compreender estes processos evolutivos.