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Zooterapia no tratamento da malária e de seus sintomas

6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.7. Zooterapia no tratamento da malária e de seus sintomas

Apesar de não ser o objetivo deste trabalho a freqüente citação de zooterápicos no tratamento da malária e de seus males associados partiu-se para a discussão de seu uso.

A classificação realizada entre remédios de farmácia e remédios naturais pelos entrevistados agrupa os zooterápicos e fitoterápicos num mesmo grupo semelhante de remédios naturais, o que inviabiliza o estudo isolado de plantas medicinais ou animais medicinais nas comunidades estudadas.

Entre os remédios elaborados a partir de animais foram citados o “fel-de-paca”, a formiga tucandira, o dente do porco-do-mato, o breu-de-cunuaru, a casca do cupinzeiro e o própolis.

Tabela 21: Animais utilizados no tratamento da malária em Barcelos, Amazonas (2013)

Medicamento Animal Uso

Fel de Paca Mammalia - (Cuniculus paca L.) Malária; Fígado Dente de queixada Mammali - (Tayassu pecari Link) Malária; Febre Formiga Tucandira Inscecta – Hymenoptera - Formicide (Paraponera sp.) Malária Breu de Cunaru Anura (Ranidae) x Protium (Burseraceae) Dor de cabeça Casca de cupinzeiro Insecta – Isopetera (Ordem) Termitidae Malária

Própolis Insecta – Apidade – Apis melifera Malária

O “fel-de-paca” é a vesícula biliar da paca (Cuniculus paca), um

mamífero roedor, muito utilizado na alimentação local. Para o tratamento da malária e do fígado a vesícula é rompida e o líquido é dissolvido em um copo de água sendo ingerido. Ou então a vesícula pode ser desidratada e armazenado por um longo período de tempo até ser consumida.

O fel-de-paca teve oito citações para o tratamento da malária, o que o situa como o quarto remédio mais citado entre plantas e animais indicados para o tratamento da malária.

De todos os remédios citados, incluindo plantas e animais, o fel-de- paca foi reputado como o mais amargo, que é uma característica comum a remédios utilizados no tratamento do malária (BRANDÃO et al, 1992).

Conforme Chemas (2010) o consumo de partes de animais pode suprir a insuficiência de órgãos semelhantes, ou seja, o fel-da-paca que é relacionado ao fígado do animal pode remeter ao tratamento de doenças que prejudiquem o fígado, como a malária.

No levantamento de alimentos “reimosos”, ou prejudiciais, durante o tratamento da malária, a carne da paca ocupou um dos cinco primeiros lugares, com mais de 30% dos entrevistados relatando-a como sendo prejudicial ao paciente com malária, devido ao alto teor de gordura que possui e que seria prejudicial ao fígado debilitado pela doença. Não existe relação direta entre o consumo da carne do animal que é prejudicial a malária, com o uso do fel-de-paca, que tem propriedades medicamentosas para a mesma doença.

O uso da formiga tucandira, um inseto Hymenoptera da ordem Formicide e do gênero Paraponera, foi relatado por quatro colaboradores como importante no tratamento da malária e de suas febres.

Seu preparo é feito a partir da coleta de sete formigas em seus ninhos com o auxilio da nervura central das folhas do arumã (Ischnosiphon polyphyllus). Quando capturadas suas cabeças são esmagadas a fim de evitar que elas mordam o coletor. Estas formigas são torradas em panela, transformadas em pó e consumidas em forma de infusão.

A origem de seu uso é remetido a comunidades da etnia Yanomami que habitam a região e que disseminaram esta prática, segundo informam os entrevistados.

A formiga tucandira tem uma mordida dolorida e conhecida em toda a região amazônica que causa febres e sudorese no local da mordida. Ela é utilizada em rituais de transição entre o povo Sateré-Mawé.

Entre os 326 animais zooterápicos utilizados no Brasil levantados por Neto e Alves (2010) a formiga tucandira não é citada, enquanto neste trabalho ela foi um dos remédios mais citados, inclusive de uso prioritário no tratamento da malária.

O “dente-de-queixada” é retirado da queixada ou porco-do-mato (Tayassu pecari), mamífero da ordem Artiodactyla com ampla distribuição da América Central até o Sul da América do Sul. Ele foi citado três vezes para o tratamento da malária e três vezes para o tratamento de febres.

Foram descritas duas formas de preparo: na primeira o dente é torrado e transformado em pó para ser consumido em uma infusão; e no outro, ele é ralado e colocado na infusão.

Os dentes são obtidos do crânio de animais caçados para a alimentação e podem ser armazenados por um longo período de tempo.

A carne da queixada foi reputada como “reimosa” e prejudicial ao paciente com malária, provavelmente por seu alto teor de gordura, o que parece não ter nenhuma relação com o uso dos dentes desta espécie para o tratamento da doença.

O breu-de-cunuarú foi indicado duas vezes para o tratamento de febres. Ele é descrito como o breu proveniente do ninho de uma perereca feito dentro de um Protium (Burseraceae). Este breu foi coletado em meio de um roçado pelos entrevistados e segundo eles é um medicamento raro que pode ser achado no chão da mata. Ele é queimado e sua fumaça é inalada. Sua densidade é menor que dos breus obtidos de outras plantas do gênero Protium, o que pode ser resultado de sua constituição, idade ou possível degradação, já que foi coletado em meio a um roçado que sofre corte e queima.

O uso do breu-cunuaru ou breu-de-sapo é relatado desde o século XVII por naturalistas como João Barbosa Rodrigues e Emille Goeldi. Segundo Barbosa Rodrigues o breu seria elaborado pela perereca Trachycephalus resinifictor em árvores ocas a partir da coleta do breu em árvores do gênero Protium que seria misturado com uma exsudação do corpo destes animais (NETO e ALVES, 2010).

Nestes relatos históricos foi citado seu uso contra dor-de-dente, contraveneno, febres, convulsões infantis, epilepsia, derrames e afrodisíaco (NETO e ALVES, 2010).

Neto e Alves (2010) identificam o sapo Cunuaru como Hyla venulosa (Hylidae) e a espécie vegetal como Protium heptaphyllum. Silva (2008) considera que o breu do sapo cunuaru provém do Phyronohyas resinifictrix e Souza (2008) descreve assim a origem do breu-de-sapo:

“Um brático que faz os ninhos em troncos ocos de almecegueira (Protium sp.) com a resina desta planta no formato de panelas com vários discos e quando a chuva enche de água estes ninhos ela faz a ovoposição.”

Atualmente especula-se que o breu-de-cunuarú é o ninho que a perereca faz dentro de troncos ocos de Protium, onde ovoposita, porém não se sabe ao certo como se dá sua produção, se tem origem exclusivamente vegetal, animal, ou mais provavelmente a partir da interação química dos dois.

A casca do cupinzeiro foi indicada para o tratamento da malária apenas uma vez. Seu preparo é realizado a partir da casca do ninho formado, que é pilada para ser consumida em forma de infusão.

Bonfim et al. (2010) relata o uso destes remédios na medicina tradicional em todo o mundo e Costa e Neto (2006) relata o uso zooterápico de cupins e cupinzeiros em 11 estados do Brasil.

A casca do cupinzeiro é a ação da saliva dos cupins sobre o substrato que nidifica. O uso de cupins e de seus ninhos na medicina popular sugere que provavelmente compostos bioativos produzidos por microorganismos possam estar envolvidos e serem os responsáveis pela eficácia deste tratamento (BONFIM et al. 2010).

Bonfim et al. (2010) isolou do ninho de cupinzeiros bactérias e fungos que mostraram grande potencial antibiótico em testes in vitro.

O própolis produzido por abelhas foi indicado durante uma entrevista para o tratamento da malária, mas como a fonte desta informação teve origem numa publicação impressa, ela não deve ser reconhecida como um conhecimento tradicional, ao menos, na região de estudo. A aquisição do própolis é feita em comércios (farmácias e mercados) e neste caso sua produção é proveniente de Appis melífera, espécie exótica da região amazônica.

É discutida a questão ética e preservacionista no uso de zooterápicos. No caso dos mamíferos indicados para o tratamento da malária (queixada e paca) mesmo com a sobre-caça existem relatos da existência de grandes populações nas áreas de estudo. Um dos informantes descreveu a existência de grupos com centenas de indivíduos de queixada. Quanto aos insetos indicados (formiga tucandira e casca do cupinzeiro) a freqüência destes animais na região é alta. Grandes variações na disponibilidade destes animais citados ocorre de acordo com a sazonalidade, freqüência de chuvas e variação na altura do rio e dentro dos ambientes da região.

O uso de zooterápicos no tratamento da malária e de seus males associados é uma importante fonte terapêutica, sendo usados de forma prioritária por alguns entrevistados. Testes in vitro também são importantes para atestar sua eficácia sobre os Plasmodium da malária