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6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.3. Uso e indicação de plantas medicinais

6.3.2. Etnovariedades

As etnovariedades correspondem às subclassificações das plantas identificadas pelos entrevistados. Não necessariamente elas correspondem às variedades botânicas ou comerciais. Estas subdivisões surgem de acordo com a percepção do indivíduo sobre o meio em que está, incluindo as características morfologicas, químicas e utilitárias da planta. Onde uma pessoas identifica uma planta, outro pode identificar várias plantas, que podem ter indicações diferentes.

São identificados dois tipos de saracura-mirá (Ampelozizyphus amazonicus) que correspondem à planta macho e à planta fêmea. Quando jovem esta espécie assume o formato de um pequeno arbusto até achar outra planta que servirá de suporte para que cresça como uma liana. Podem ser utilizadas as plantas adultas e as mais jovens, que foram as mais citadas. Das plantas jovens a parte utilizada é a raiz pivotante que é arrancada junto com a planta. O que grande parte dos entrevistados reconhece é que existem neste estágio dois tipos de planta, a planta macho e a planta fêmea. A planta macho tem uma única raiz pivotante e sua parte aérea não é bifurcada, enquanto a planta fêmea tem suas raízes e parte aérea bifurcada. É possível que a relação folk do sexo das plantas é feito com o formato destas raízes: raízes macho tem um formato fálico e raízes

fmeas tem um formato de pernas abertas. Os entrevistados que reconhecem esta diferença dizem que os homens só devem usar as planta machos e as mulheres as plantas fêmeas, caso contrário não terá eficiência.

“a planta macho tem só uma raiz e a fêmea tem uma perninha” C.G.R., 46 anos Se for utilizada a saracura-mirá adulta, que assume a forma de um cipó lenhoso de mais de 10 cm de diâmetro, não existe esta distinção de sexo, e tanto homens quanto mulheres podem utilizar.

Foram realizadas coletas botânicas da planta macho e da planta fêmea da saracura-mirá, que foram identificadas e separadas pelos próprios entrevistados. Como plantas jovens, não possuíam nenhuma parte fértil, mas foi confirmado pelo botânico que se tratava da mesma espécie botânica.

O cipó-abuta (Abuta imene) quando jovem, assim como a saracura- mirá, tem o formato de um pequeno arbusto e quando adulto de uma liana. A planta jovem foi chamada por um entrevistado de planta macho e a planta adulta de planta fêmea, mas não foi identificada nenhuma restrição no seu uso de acordo com o gênero.

Foi relatado que existem dois tipos de sacaca (Croton cajucara), uma com folhas mais largas, chamada de planta fêmea e outra de folhas mais estreitas, chamada de planta macho. Este segundo tipo não foi observado em nenhum local, mas é possível que seja outra espécie (Croton sacaquinha) com uso semelhante (Hidalgo, 2003), ou pode ser também que o local de ocorrência influencie o tamanho de suas folhas, já que ela é tanto cultivada no quintal, como observado, como ocorre em matas secundárias (Lorenzi e Matos, 2008), ou ainda pode corresponder a outra variedade, já que ela é uma planta considerada semi-domesticada (HIDALGO, 2003).

O crajiru (Friedericia chica) também é separado entre planta macho, com folhas mais estreitas, e planta fêmea, com folhas mais largas (Figura 20). Outra diferença é que as plantas com folhas mais estreitas tem o formato de um pequeno arbusto que se apóia sobre outras plantas vizinhas para crescer, enquanto as plantas com folhas mais largas se assemelham a um cipó. É possível que exista uma diferença morfológica entre esses dois tipos ou que realmente eles sejam variedades diferentes. A EMBRAPA de Manaus e o CPQBA da Unicamp, possuem em suas coleções de plantas

três tipos de crajiru, cuja maior diferença está no formato e largura de suas folhas. Algumas destas plantas nunca floresceram o que até hoje impediu uma comparação morfológica completa entre estes tipos.

Figura 20: Friedericia chica – crajiru. Fêmea (esquerda). Macho (direita)

Ocorre uma distinção, por parte dos entrevistados, entre plantas que ocorrem em várzea e terra-firme. A sucúba ocorre em terra-firme e na várzea, em floresta de igapó. Segundo um entrevistado era a mesma planta:

“É a mesma planta e serve para a mesma coisa, não tem diferença não” F.G.N., 43 anos Mas a partir de coletas foi revelado que a planta coletada na várzea era Himatanthus stenophyllus e a coletada em terra-firme era Himatanthus sucuuba.

Existe uma distinção entre a eficiência de plantas que ocorrem em terra-firme das plantas que ocorrem na várzea. O que fica claro com a carapanaúba: 70% das pessoas que fizeram referência a seu uso medicinal identificam dois tipos de planta, a da várzea e a da terra-firme:

“A carapanaúba da terra-firme tem a casca mais grossa e a água fica mais escura, a da várzea tem a casca mais fina e a água fica mais amarela.” J.S.C., 60 anos “A planta da terra-firme é muito melhor. A da várzea é lavada quando a água sobe, por isso é pior.” H.S, 64 anos

“É a mesma planta, mas uma é melhor.” O.A.G., 36 anos Neste trabalho foram identificadas três espécies da carapanaúba: Aspidosperma sp., A. excelsum e A. schultesii, as duas primeiras foram coletadas em terra- firme e a última em floresta de igapó. É possível que existam outras espécies de carapanaúba na região. Ribeiro et al. (1999) listam quatro espécies de Aspidosperma com o tronco acanalado ocorrendo na região amazônica. Uma das distinções utilizadas na identificação deste gênero é a cor do látex, existe um grupo com o látex vermelho ou marrom e outro com o látex branco, o que pode ajudar a compreender a diferença de cor dos macerados preparados com plantas da várzea e da terra-firme.

Parece que esta distinção da eficácia entre plantas da várzea e da terra firme é comum. Richard Spruce (2006) em sua viagem pelo rio Negro no séc. XIX observou:

“É voz corrente entre os índios que os produtos extraídos das árvores de igapó, casca, madeiras, frutos e resinas, são inferiores aos extraídos de suas congêneres da terra firme, ou seja, dos trechos da floresta situados fora do alcance das inundações.” SPRUCE, 2006. pg 89. Estas distinções, dentro das etnovariedades, podem indicar a importância de cada planta dentro do conhecimento de cada individuo, quanto maior os sub-grupos maior a importância deles, ou seja, quanto maior a classificação e distinção de uma espécie mais importante ela deve ser para aquele grupo (POSEY, 1987).

Na compreensão da distinção entre plantas de várzea e de terra firme, primeiro é importante considerar que as plantas na terra-firme são mais acessíveis e que se tratando realmente de espécies ou cultivares diferentes, elas podem ter a produção de compostos químicos diferentes. Além disto, nos casos de se tratar da mesma espécie,

plantas com ocorrência na várzea assumem comportamento fisiológico distinto sujeito aos regimes das cheias dos rios (JUNK et al., 2011).

Plantas aparentemente iguais que ocorrem na várzea e na terra- firme podem corresponder a espécies ou variedades diferentes, além disto o fato da planta estar na várzea, onde o ambiente é mais estressante, resultará na produção de compostos químicos diferentes. Espécies que ocorrem nos igapós tem substâncias tóxicas em suas folhas, necessárias contra a herbívora (OLIVEIRA et al., 2001). Porém o conhecimento e experimentação das populações tradicionais já deve ter selecionado as plantas mais eficientes.