5. MÉTODO
6.3. Análise das redações dos jovens ricos
6.3.6. Eu serei independente da minha família; tu serás eternamente dependente da
Segue-se a tabela com os conteúdos que os jovens ricos sobre a categoria “Família”, a terceira com o maior número de respostas.
Tabela 21 – Conteúdos que aparecem nos projetos de futuro dos jovens ricos – Família (continua)
Sujeito (Sexo)
Conteúdo no seu futuro Conteúdo no futuro do outro (pobre)
1 (F) “Me mudei da casa dos meus pais no meio da faculdade, aos 21 anos... me sustentando bastante, mas com alguma ajuda dos meus
pais.”
“Morava em uma casa situada na Zona Leste de São Paulo..”
“Podia usar o ônibus também, mas só quando chovia muito forte, que era quando sua mãe lhe
emprestava o dinheiro.”
“...o dinheiro que arrecadou, entregava à mãe.” “Sendo o mais velho de 5 irmãos, era quase como um pai para a família – pai que nunca obtiveram. Mas cedo colocou os irmãos para
trabalhar também.”
“Arranjou, então, um trabalho fixo de carregador de um mercado ali perto para o
irmão mais velho dos 4.” 2 (F) “Não me casei e não tive filhos – e nem
pretendo.”
“...nunca busquei o tipo de comprometimento que o casamento propõe.”
“...continuava morando no mesmo bairro em que nasceu, perto de sua mãe.” “Se casou, talvez tenha tido algum filho.”
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Tabela 21 – Conteúdos que aparecem nos projetos de futuro dos jovens ricos – Família (continuação)
Sujeito (Sexo)
Conteúdo no seu futuro Conteúdo no futuro do outro (pobre)
3 (F) “Agora, sonho em (...) casar e morar em uma casa só eu e meu marido.”
“Sinto tanta falta (...) de morar com meus pais.”
“Trabalhava desde pequeno, pois sua família precisava do dinheiro extra.” “Seus irmãos mais velhos abandonaram a escola e começaram a trabalhar, um muda de trabalho todo o ano e o outro trabalha em um grande supermercado, como gerente. Mas Pedro
não, Pedro era o orgulho da família. Sua mãe sempre dizia pra ele que ele faria faculdade e melhoraria de vida. (...) Todo final de semestre
ele mostrava suas notas para a mãe, e ela chorava de alegria.”
“...pensava que um dia [com estudos e trabalho] poderia melhorar a vida de sua mãe.” “Pedro, agora [depois de entrar na faculdade], está trabalhando de dia e de noite para ajudar a
família.” 4 (F) “No entanto [apesar de trabalhar num ambiente
de resistência à indústria], não deixei de aderir a valores que esboçam minha origem social: tenho um parceiro estável e quero ter filhos em
um futuro não tão distante.”
“Agora o momento parece ser pouco adequado para ter filhos]. Teatro engajado e construção de uma família são coisas quase incompatíveis.
Se por acaso , eu conseguir uma maior estabilidade, dando aulas na universidade, essa
possibilidade pode vir a ter maior espaço.”
“...e pensa em construir uma família.”
5 (F) “Negar as empresas do meu pai foi, sem dúvida, uma atitude que, em termos financeiros,
me prejudicou.”
“...não tenho condições de dar a meus filhos boas condições de estudo: dependerão ainda do sistema público que, há décadas estagnado, não se empenhou verdadeiramente em diminuir as
diferenças e tornar a vida da população verdadeiramente digna.” “...algum dia seja possível conseguir um trabalho bem remunerado e dar a meus filhos a
chance de seguirem seus sonhos, independentemente de quais forem.” 6 (F) “Escolha [fazer administração na FGV] que
sempre tinha sido a vontade do meu pai.”
“...[havia pressão para que] iniciasse a ajudar na renda da família mais cedo.”
“...[tinha que chegar em casa tarde] e ainda cuidar de seu irmão pequeno. Com o passar dos
anos seu irmão foi crescendo, sua família envelhecendo...”
“Nos fins de semana, era tradicional, e até hoje é, reunir a família toda junta, e matar a saudade
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Tabela 21 – Conteúdos que aparecem nos projetos de futuro dos jovens ricos – Família (continuação)
Sujeito (Sexo)
Conteúdo no seu futuro Conteúdo no futuro do outro (pobre)
7 (F) “Conheci meu noivo e planejamos nos casar ano que vem (2023). Pretendo ter 3 filhos e continuar a morar no Brasil, em São Paulo.”
“...e trabalhou de dia durante toda a sua vida universitária, para ajudar a sustentar a sua
família.”
“Conheceu sua mulher e juntos fazem planos para se mudarem para viverem sozinhos em
uma casa e conseguirem se sustentar...” 8 (F) “...[com maior estabilidade no emprego] podia
pensar em começar minha família...”
“Para (...) ajudar a sustentar a família, o jovem arruma dois empregos...”
“...antes de acabar os estudos se depara com uma gravidez inesperada. (...) sustentando o
filho...”
9 (F) - “Sua mãe começou a se irritar e mandou ele
desistir [de fazer cursinho e prestar vestibular, após não passar 3 vezes]. ‘A gente não nasceu pra fazer faculdade não. Tá na hora de cair na realidade e começar a me ajudar a pagar as
contas.’” 10 (F) “...um estágio, que foi arranjado através de
alguns contatos que eu fizera com amigos de meus pais, numa produtora de som.” “Assim que retornei da viagem de 6 meses [mochilão pela América do Sul], esqueci de mencionar, me mudei da casa de meus pais para
meu primeiro apartamento...”
“...saiu para trabalhar em um boteco de seu bairro, como garçom, para ajudar com as despesas em casa, na qual morava com a mãe e
mais dois irmãos.”
“...[conseguiu emprego melhor com salário melhor] o que possibilitou uma boa melhoria na
casa onde vivia com a família.” 11 (M) “Enquanto era estudante de graduação, era
sustentado por meus pais...” “Continuo tendo contato com a família...
conquanto meu contato com eles tenha diminuído bastante e progressivamente ao longo dos últimos dez anos, dado o tempo que
tenho dedicado às outras atividades.”
“Escolhera engenharia pois assim poderia ajudar mais a família, em termos econômicos.”
“Como tinha que ajudar a família...” “...e a sua família já tinha melhorado de condição e não precisava mais de tanta ajuda.”
12 (M) “...mas sempre procurei aproveitar ao máximo os momentos que tive com meus amigos e
família.”
“...[começou a trabalhar] de modo a conseguir me sustentar sem a ajuda paterna.”
“...seu trabalho (necessário para ajudar na renda de sua família).”
“Atualmente tem uma renda mais alta do que a que tinha anteriormente, conseguindo melhor
qualidade de vida para seus familiares.”
13 (M) - “Minhas condições de vida melhoraram depois
que me empreguei como advogado, pude ajudar a minha família. Mas não era apenas a minha
família que importava [mas também outras pessoas em situação de exclusão social].”
14 (M) - “...talvez tenha se casado, talvez tenha tido
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Tabela 21 – Conteúdos que aparecem nos projetos de futuro dos jovens ricos – Família (continuação)
Sujeito (Sexo)
Conteúdo no seu futuro Conteúdo no futuro do outro (pobre)
15 (M) “[Pensei em fazer] Engenharia pelo meu pai que sentava comigo e me fazia estudar muita
matemática e só ‘tirar boas notas nessa matéria.””
“Porém por problemas com meus pais, por influência meio esquerdista e progressista, nada
muito forte, acabei me levando ao lado contrário ao conservadorismo de meus pais, que
também não era muito forte e não me reprimia, também nunca discuti nem busquei discutir
nada nesse sentido com eles.”
“...pode ter tido problemas com os pais...” “Esse jovem em específico (fictício) viu o pai
ser preso por roubar pão para a família não morrer de fome, viu a mãe trabalhar como doméstica nos bairros mais ricos e ter que demorar 3 horas no trajeto de casa para o trabalho. Viu-a trabalhar como costureira na
‘folga’ porque o marido estava preso e não tinha mais como sustentar a família.” “Ele se viu não podendo fazer uma área que gostasse como física ou histórica porque ele deve sustentar a si e a mãe que quase morre de
cansasso.”
16 (M) - “No fim da tarde ajudava seu pai no concerto e
na venda de peças para carros. Era assim que minha família era sustentada. Minha mãe era dona de casa, encontrava ela à noite para o jantar. Quando terminei o 3o ano do colegial, o tempo que ficava na escola, passei a usar como mecânico, ajudando meu pai. Dois anos depois, porém, ele morreu após um ataque cardíaco.”
“[Após a morte do marido] Minha mãe se desesperou e virou professora da escola em que
eu estudava.”
“Em 2018 comecei a apresentar o trabalho de mecânico aos meus irmãos, que começaram a trabalhar comigo. Essa ajuda deu certo, e há 2 anos eles largaram a escola. Minha mãe ficou feliz com o relativo sucesso dos filhos dela. Agora adoeceu, e não sei se vai aguentar mais
muito tempo.”
17 (M) - “O jovem que se formou em 2012 na escola
pública teve um futuro bem diferente de seus pais, porém muito aquém do ideal de igualdade
perante o jovem rico que tanto queremos buscar.”
“...[conseguiu fazer um curso técnico] diferente de seus pais que desde sempre precisaram trabalhar sem tempo livre nem oportunidades, tendo de sustentar uma família ainda jovens (20
e poucos anos) e sem ajuda e políticas sociais do governo (coisa que mudou para o jovem de
2012).”
“Esse jovem, agora com 28 anos, já pode pensar em ter um filho, com plenas condições
de garantir um bom desenvolvimento para a criança.”
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Tabela 21 – Conteúdos que aparecem nos projetos de futuro dos jovens ricos – Família (conclusão)
Sujeito (Sexo)
Conteúdo no seu futuro Conteúdo no futuro do outro (pobre)
18 (M) “...quero me apaixonar, me casar e ter filhos...” -
Total de sujeitos -
18
Total de respostas - 20 Total de respostas - 40
Significações dos jovens ricos sobre si mesmos:
Nesta categoria, os jovens ricos expressam seu desejo de autonomia em relação à família de origem e de construção de sua nova família. Querem encontrar alguém que amam, casar e ter filhos – planos que são feitos para após a estabilização no emprego. Falam do desejo de mudar da casa dos pais e se sustentar sem a ajuda paterna, em busca de sua independência. Nesse sentido, destacamos um jovem que fala sobre negar as empresas paternas, mesmo que isso lhe custe uma vida pior em termos financeiros, para seguir os seus próprios sonhos.
Significações dos jovens ricos sobre o outro (jovem pobre):
O futuro que os sujeitos ricos projetam para os jovens pobres, por sua vez, é caracterizado por uma dependência simbiótica que sua família de origem tem deles e vice- versa, pois nenhum desses polos tem dinheiro suficiente para se manter sozinho. O verbo que mais se repete, de forma exaustiva, quando falam da família do jovem pobre é “ajudar”: principalmente ajudar no sustento da família, mas também ajudar a cuidar dos irmãos mais novos. É uma família necessitada e o jovem pobre estuda, trabalha, vive para sustentá-la. Faz lembrar discursos muito ouvidos na TV de indivíduos pobres que ganharam dinheiro – sejam atores, jogadores de futebol, Big Brothers ou outros – e que citam como o primeiro destino da fortuna recém-adquirida ajudar a família, comprar uma casa própria para a mãe etc.
A família de origem desse jovem pobre também comporta múltiplas formas de dificuldades: nunca houve um pai para ajudar, o pai morreu, o pai foi preso por roubar pão para alimentar a família, a mãe quase morre de cansaço por trabalhar muito para compensar a ausência de um marido, a mãe fica doente, por incentivo dos familiares os irmãos mais novos largam a escola para trabalhar em subempregos, nasce um filho de uma gravidez inesperada... Quanto à nova família que poderia ser formada por esses jovens, há menções vagas: talvez tenham casado, talvez tenham tido filhos.
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A possibilidade de melhora de padrões de vida em relação à família de origem é pouco admitida: esses jovens estão condenados a prover, por meio de seus esforços nos estudos e no trabalho, para essa família desprovida. Nesse cenário, o jovem que estuda é o orgulho familiar, pois consegue acessar o meio para melhorar a sua vida e a dos seus. Isso inclui também seus futuros filhos, para os quais quer dar chances melhores do que as que teve – outro discurso muito ouvido na mídia, pelo qual as oportunidades melhores para as novas gerações devem ser fornecidas pelo esforço individual de seus pais.