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Juventudes brasileiras e desigualdade social

2. JUVENTUDE E DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL

2.3. Juventudes brasileiras e desigualdade social

Segundo o Censo de 2010, havia, no Brasil, 16,9 milhões de jovens entre 15 e 19 anos e outros 17,2 milhões na faixa etária entre 20 e 24 anos. Percentualmente, os jovens entre 15 e 24 anos correspondiam a 17,9% da população brasileira. (IBGE, 2011)

Esse enorme contingente de jovens, embora compartilhe o contexto social, econômico e político mais amplo do Brasil neste início do século XXI, fragmenta-se em diversos grupos, constituídos em situações socioeconômicas diversas, o que faz com que vivenciem e signifiquem os fenômenos atuais de formas diversas. Assim, a experiência da juventude assume condições e significações diferentes para jovens que vivem formas desiguais de inserção social, em suas diferenças de rendimentos familiares, de regiões em que moram e de variáveis como cor/raça e gênero. Portanto, quando se fala em juventude no Brasil, faz-se necessário flexionar tal substantivo em número.

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Considerados, naquele momento, como as famílias com renda mensal acima de R$10.982,00, em valores de setembro de 2003 (CAMPOS et. al, 2004). A renda familiar média dessas famílias era de R$22.487,00, 14 vezes maior do que a renda familiar mensal media no país. Essas famílias concentravam um terço de toda a massa de renda familiar do país, declarada no Censo de 2000.

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Adotou-se como método calcular, a partir dos dados do Censo de 2000, a renda da famílias mais ricas dos estados (1% delas) e, em seguida, aplicar valor do menor rendimento encontrado como uma linha de riqueza, considerando como ricas as famílias acima daquele valor. (CAMPOS et. al, 2004)

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Apesar dessa pluralidade que se observa na juventude brasileira, o jovem, ao longo da história, tem sido tratado de forma homogeneizadora. Abramo (2005b) afirma que, ainda que historicamente a juventude, que inicialmente era vivência restrita aos filhos das classes altas e médias, tenha sido mais recentemente estendida a todos os grupos sociais, a realidade dos jovens mais ricos continua sendo até hoje o padrão ideal, hegemônico, que norteia as significações sociais de como tal momento da vida deve ser experienciado.

Pesquisas têm apontado que, no entanto, nem todos os grupos de jovens brasileiros podem vivenciar esse período de suas vidas da forma como é possível para a juventude que integra famílias de elite. Em função de desigualdades de renda, escolaridade, situação no mercado de trabalho, raça/etnia e gênero, observamos que grande parte da juventude brasileira enfrenta um cenário educacional e ocupacional muito diferente daquele do qual usufrui uma privilegiada população jovem rica, branca e urbana. Vejamos.

O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) produz, anualmente, indicadores sobre emprego, trabalho e renda para a juventude. Em 2011, foram considerados nesse estudo os 46,3 milhões de jovens brasileiros entre 16 e 29 anos. Entre eles, 33,8 milhões fazem parte da População Economicamente Ativa (PEA) – que diz respeito aos indivíduos que estariam aptos ao trabalho, estejam trabalhando ou procurando emprego. Desse total, 85,5% estão ocupados e 14,5% desocupados.

Segundo o Dieese (2011), a relação entre trabalho e estudos ocorre de forma diferente para grupos distintos de jovens: a maioria dos jovens brasileiros, 55,2%, apenas trabalha ou procura trabalho; 17,9% estudam e trabalham ou procuram trabalho; 13,5% apenas estudam. A pesquisa mostra que as ocupações que mais geram empregos para jovens não exigem níveis altos de escolarização, como as funções de assistente administrativo e de operador de comércio em lojas e mercados. Podem ser observadas diferenças de gênero: entre as mulheres, destaca-se a ocupação de operadora de telemarketing e, para os homens, a de alimentador de linha de produção.

Corrochano et. al (2008) analisaram as diferentes combinações entre escola e trabalho para diferentes grupos de jovens brasileiros. O trabalho aparece como uma questão central para a juventude no Brasil que, em sua maioria, encontra-se no mercado de trabalho, trabalhado ou em busca de emprego, assim como ocorre em outros países da América Latina. A maioria frequenta ou frequentou a escola, mas a maior parte desses jovens tem sua trajetória escolar desenhada de forma não-linear, sendo marcada por interrupções e retornos.

Essas desigualdades nas combinações entre trabalho e estudos podem ser mais bem compreendidas se consideramos a renda familiar per capita dos jovens de diferentes grupos.

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Corrochano et. al (2008) verificaram que os jovens de menor renda ingressam mais cedo no mercado de trabalho, em condições geralmente precárias, e que também abandonam os estudos mais cedo quando comparados à juventude da camada mais rica, que se dedica exclusivamente ao estudo durante um período maior de anos. De forma convergente, em ambos os grupos a idade de 18 anos aparece como um marco de ingresso no mercado de trabalho.

Em relação ao mercado de trabalho, são muitas as desigualdades que se observam entre jovens de alta e baixa renda. Primeiramente, há diferenças de rendimentos: os jovens mais pobres recebem, em todas as idades, salários mais baixos do que aqueles de famílias mais ricas. Em segundo lugar, são distintas as posições ocupadas na cadeia produtiva: enquanto os jovens mais ricos se concentram nas posições de empregado e de empregador, em sua maioria com carteira assinada, entre os mais pobres é maior a proporção de empregados sem carteira, de trabalhadores domésticos e de empregados não-remunerados. (CORROCHANO et. al, 2008)

No que concerne à situação educacional, as desigualdades entre jovens de camadas socioeconômicas distintas podem ser apreendidas pela observação do número de anos de escolarização de cada grupo. Em uma divisão da população por quintos de renda familiar mensal per capita, Castro (2010) verificou que “aqueles se encontram no primeiro quinto têm em média cinco anos de estudos e os mais ricos que se encontram no último quinto possuem cerca de 10,4 anos, ou seja, estão 5,4 anos na frente dos mais pobres.” (p.95) Corrochano et. al (2008) observam que os jovens mais ricos concluem o ensino básico mais cedo e que, na faixa de 18 a 21, enquanto a maioria dos jovens de alta renda já concluiu o ensino médio e ingressou no superior, os sujeitos de menor renda se concentram no ensino médio.

Corbucci et. al (2009) percebem, ao analisar a situação do ensino médio, um expressivo problema de defasagem série-idade: em 2007, 82% dos jovens de 15 a 17 anos estavam na escola, mas apenas 48% no ensino médio, nível de ensino esperado para essa faixa etária. Castro (2010) afirma que, quando se olha para o quinto mais pobre da população, essa proporção cai para 29,6%, face a 78,5% quando se considera o quinto mais rico do povo brasileiro.

A educação superior, por sua vez, mostra ter índices de acesso menores ainda. Corbucci et. al (2009) ressaltam que, embora a frequência a esse nível de ensino tenha dobrado entre 1996 e 2007, atualmente ainda temos apenas 13% da população entre 18 e 24 anos frequentando universidades no Brasil, o que caracteriza uma das menores taxas da América Latina. Esse crescimento do ingresso no ensino superior – ligada ao incentivo de

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expansão do sistema privado, ao aumento de vagas em universidades federais, à criação do Programa Universidade para Todos (Prouni) e à ampliação do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) –, no entanto, mostra-se desigual quando se considera a renda dos sujeitos que integram essa pequena parcela que entra na universidade. Segundo Corbucci et. al (2009), “...a taxa de frequência oscila de 5,6% para os que têm rendimentos mensais per capita de meio a um salário mínimo (SM), até 55,6% para os jovens que se encontram na faixa de cinco SMs ou mais.” (p.102)

Abramo (2005b), em análise de uma pesquisa sobre o perfil da juventude brasileira, debruça-se sobre a forma como os jovens vivenciam subjetivamente questões relacionadas a trabalho e estudos, destacando sentimentos e interesses relativos a elas. Educação e emprego aparecem empatados como os assuntos que mais interessam aos jovens. A questão do emprego e das profissões se destaca como um dos problemas que mais os preocupa, havendo uma maior incidência dessa preocupação entre os jovens de família com renda mais baixa.

Os jovens associam ao trabalho, nesta ordem, a necessidade, independência, crescimento e autorealização. A ideia do trabalho como necessidade diminui à proporção que se trata de jovens com renda familiar mais alta e aumenta à medida que se eleva a faixa etária que se considera. Entre os jovens até 19 anos, o estudo aparece como atividade principal, estando metade dessa população trabalhando ou aspirando a isso; por sua vez, entre os jovens de mais de 20 anos, o trabalho é realidade, concreta ou como aspiração, para 90%.

Abramo (2005b) ressalta que a relação entre trabalho e educação se mostra um ponto crítico para a juventude atual. O que diferencia os múltiplos grupos de jovens é o fato de que o grau e a qualidade com que estudo e trabalho são vividos variam de acordo com desigualdades de idade, gênero e de classe social. Em relação ao trabalho, a autora afirma que “a desigualdade social não parece estar tanto no fato de os jovens entrarem ou não no mundo do trabalho, mas no tipo de relação com o trabalho, nas condições e qualidade do trabalho encontrado”, uma vez que a pesquisa constata que as condições de trabalho se tornam mais precárias à proporção que diminuem os níveis de escolaridade e de renda familiar dos jovens. (p.53)

A autora conclui que o trabalho é parte das vivências juvenis. Esse não aparece como exógeno à juventude ou como experiência para apenas pequena parte dela, nem como projeto futuro para os jovens com mais de 20 anos: o trabalho, para esse grupo, é uma realidade presente, que não nega a condição juvenil, e sim a constitui. Para a autora, a moratória relativa à adolescência hoje não tem tanto sentido de suspensão e espera para realizações adultas no futuro, e sim de possibilidade de vivências e experimentações das esferas do mundo adulto de

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maneira singular, com menos compromissos e encargos, vínculos menos definitivos, mais alegria e liberdade. Destacam-se, entre os jovens, sentimentos ambíguos em relação ao futuro, ligados a riscos e dúvidas, o que, segundo Abramo (2005b), deixa o jovem dividido entre investir no futuro, incerto, ou aproveitar o presente.

O que aparece como grande problema é o desemprego, preocupação que se mostra universal e altíssima em todos os grupos pesquisados. Abramo (2005b) conclui que o medo da falta de trabalho aparece como uma forte marca geracional. A demanda principal dos jovens se configura como a inserção, via trabalho remunerado, em uma estrutura socioeconômica em que não cabem todos.

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