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O jovem pobre, por ele mesmo e pelo outro

5. MÉTODO

6.4. Algumas comparações conclusivas

6.4.1. O jovem pobre, por ele mesmo e pelo outro

Esforço pessoal e Mudança de vida

O jovem pobre, por ele mesmo: O grupo de jovens pobres com que trabalhamos vê a si

mesmo como um conjunto de indivíduos que, com dedicação e persistência, através de seu esforço pessoal, conseguirá a superação de sua condição material de pobreza e conquistará os seus sonhos, mudando as suas vidas.

O jovem pobre, pelo outro: O grupo de jovens ricos também reproduz a ideologia do esforço

liberal na visão que tem do pobre. No entanto, percebe que, por mais que alguns indivíduos das camadas empobrecidas possam fazer um superesforço de trabalhar e estudar e, com isso, possa ter sucesso, a regra é outra: os pobres, em geral, não sucedem, não mudam muito de vida.

Comentário: Há um desencontro entre a esperança de ascensão social que o jovem pobre traz

para o seu futuro e entre a forma determinista pela qual os jovens ricos significam o futuro desse outro, que está fadado a continuar em sua condição socioeconômica, a não ascender, por mais que faça esforços para isso.

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Ensino médio

O jovem pobre, por ele mesmo: Ao falar do seu ensino médio, o grupo de jovens pobres traz

uma crítica à qualidade da escola pública, que não dá boa base para passar no vestibular. Esse grupo apresenta, também, a ideia de que o estudo é um meio que leva à riqueza.

O jovem pobre, pelo outro: Para o grupo de jovens ricos, o fato de um sujeito pobre

terminar o ensino médio é algo excepcional, que só vem por um esforço de superação: das dificuldades pessoais com o estudo; da pressão da família e do grupo social para que abandonem o estudo e ingressem no mercado de trabalho; das péssimas condições do ensino público.

Comentário: Os dois grupos naturalizam a condição de precariedade que percebem na escola

pública: não analisam as condições históricas e sociais que produziram um ensino público precarizado, reservado para as classes empobrecidas, e um ensino particular de (poucas) escolas de elite de qualidade, destinado para a camada alta. Se, para os pobres, essa crítica à escola pública pode vir de uma experiência concreta de acompanhar a dificuldade de outros sujeitos de sua classe social em ingressar na universidade, para os ricos isso parece se ligar à reprodução de uma ideologia que opõe o público, visto como algo de má qualidade, ao privado, visto como algo excelente.

Ensino superior

O jovem pobre, por ele mesmo: Os jovens pobres manifestam o desejo de ingressar em

universidades públicas de prestígio, como USP e UNICAMP, e também de entrar em cursos prestigiados, como direito, medicina e engenharia. Apresentam, além de muitas dúvidas sobre a escolha da profissão, um relativo desconhecimento sobre o acesso ao ensino superior, com poucas informações sobre os vestibulares e sobre a política de cotas sociais em universidades públicas ou o Prouni, forma de ingresso em instituições privadas.

O jovem pobre, pelo outro: Os jovens ricos percebem que ingressar no ensino superior não é

um processo fácil para os pobres. Às vezes não é, em absoluto, uma possibilidade: eles “não nasceram” para fazer faculdade. Quando conseguem ingressar na universidade, é por meio de muitos esforços individuais, após muitas tentativas. Em geral, têm que se contentar com

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instituições privadas e trabalhar, enquanto estudam, para pagar o curso – que não é especificado. Se passam para a universidade pública, nunca é em sua primeira opção. Pobre não pode escolher. Também aparece fortemente a ideia dos estudos e do ensino superior como possibilidade de ascensão social – que assume contornos de uma salvação – para os pobres.

Comentário: A ideia da universidade como forma de ascensão social parece ser a extensão,

para o ensino superior, da ideologia da escola como instituição salvadora, que permite a ascensão social e que tem o potencial de reverter o quadro de desigualdades. Como afirma Souza (2009), esse raciocínio esconde o fato de que a escola, na realidade, apenas legitima a desigualdade já existente “...desde o nascimento, por ‘heranças diferenciais de classe’”. A escola não é pensada como instituição que, sendo constituída em um determinado tempo histórico e por um coletivo de sujeitos, reproduz as desigualdades que existem em nossa sociedade.

Trabalho

O jovem pobre, por ele mesmo: Os jovens pobres valorizam o trabalho e desejam conseguir

bons empregos nas áreas que escolheram. Querem realizar sonhos profissionais, tornar-se independentes, ascender socialmente via trabalho e obter acesso a dinheiro e consumo. Para alcançar essas metas, preveem a necessidade de trabalhar durante o ensino superior, para pagar os seus cursos. Querem ter profissões reconhecidas, ser jornalistas, psicólogos, designers, médicos, bailarinos, chefes de cozinha, biólogos, músicos, dentistas, maquiadores, professores, militares etc. Não há nenhuma menção a ajudar a família com os rendimentos do trabalho.

O jovem pobre, pelo outro: O grupo de jovens ricos, por sua vez, percebe os jovens como

indivíduos que começam a trabalhar cedo, para contribuir com o sustento familiar – muitas vezes largando a escola para trabalhar – e também para pagar o seu cursinho ou a sua faculdade. Os ricos acreditam que, no futuro, os jovens pobres estarão realizando trabalhos precarizados, em subempregos. Serão lixeiros, faxineiros, caixas, engraxates, cobradores de ônibus, garçons, mecânicos etc. Podem até sonhar em ser advogados ou arquitetos, mas isso é (quase) impossível, a não ser a partir de um esforço pessoal hercúleo. Pobre não pode escolher: tem que aceitar o emprego que vem.

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Comentário: A lista de empregos que os jovens ricos atribuem ao personagem pobre nos faz

lembrar as observações de Souza (2009) sobre o fato de que, por as classes pobres não terem os requisitos para entrar no mercado competitivo, elas têm que se submeter à lógica de exploração de seu trabalho não qualificado. Os lixeiros, faxineiros, garçons, mecânicos que os jovens ricos constroem são os trabalhadores pouco qualificados que lhes prestam serviços cotidianamente, sem que eles se deem conta de que a sua riqueza é sustentada pela exploração do trabalho das classes pobres. Esse personagem pobre imaginado parece ser aquele sujeito que Gonçalves Filho (1998) descreve como o que experimenta o sentimento de humilhação social, que não encontra, em suas relações com os outros, um reconhecimento de sua subjetividade.

Família

O jovem pobre, por ele mesmo: Os jovens pobres destacam, quanto à sua família de origem,

o apoio de seus pais para que realizem seus projetos. Também apresentam o desejo de formar suas próprias famílias, casando e tendo filhos. Não há qualquer menção a ter que ajudar a sua família de origem no futuro.

O jovem pobre, pelo outro: A forma como os jovens ricos significam a relação do jovem

pobre com sua família de origem é a de uma eterna dependência financeira entre o jovem, que não tem dinheiro suficiente para sair de casa, e a sua família de origem, que não tem dinheiro suficiente para se manter sem a renda que vem do trabalho dos filhos. É uma família desprovida, que precisa ser ajudada. Além disso, a configuração familiar desses jovens pobres comportaria múltiplas formas de dificuldades: a ausência de um pai, prisões, doenças etc. Quanto à nova família desses jovens pobres, há apenas menções vagas: talvez tenham casado, talvez tenham tido filhos.

Comentários: Chama atenção o desencontro entre a família imaginada pelos jovens ricos

para os pobres e a família que esses sujeitos pobres descrevem, a partir de suas vivências concretas. Os ricos supõem uma família desprovida para os pobres; uma família que tem que receber, que tem que ser ajudada por um outro – nesse caso, por um dos seus. Essa não parece ser a família real de nosso grupo de sujeitos, que não falam em momento algum que precisão ajudar seus familiares no futuro. Não é a partir dessa ótica que eles enxergam os seus familiares, e sim a partir do apoio, muito valorizado, que recebem deles.

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