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Capítulo 4 O GPS como previsor de chuva

4.3 Resultados

4.3.2. Eventos de chuva severa

Nesta secção são discutidos em detalhe os 4 casos de estudo de chuva intensa, identificados a partir do processamento de dados de 12 períodos relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012. De forma a caracterizar o comportamento do PWV durante a ocorrência de chuva intensa, a estação GPS IGP0 situada apenas a 1 km da estação meteorológica IDL foi escolhida para avaliar visualmente esta relação. A comparação é alargada a mais estações meteorológicas que se estendem ao longo do eixo longitudinal em

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volta do centro de Lisboa (ver Figura 3.1, secção 3.1) para procurar eventuais relações espaciais entre o PWV e a precipitação. São apresentados gráficos da variação temporal do PWV na estação IGP0 juntamente com os registos de precipitação horária nas estações meteorológicas na sua vizinhança.

A Figura 4.3a apresenta dados referentes de 28 a 30 de outubro de 2010, que contém a chuva mais intensa registada durante os 3 anos aqui analisados, sendo verificada uma intensidade horária máxima de 38 mm/h na estação meteorológica IDL. Neste caso é observada uma relação simples e muito clara entre a evolução do sinal PWV e a chuva. São registados dois episódios de chuva intensa, cada um após um crescimento brusco do PWV de cerca de 15 mm até 35 mm, num curto espaço de tempo. Com a ocorrência de chuva o valor PWV decresce ainda mais bruscamente, sendo verificado um atraso de uma a duas horas entre o máximo de PWV e a hora de início da precipitação. A chuva foi registada em diferentes estações meteorológicas com graus diferentes de intensidade, com um nível maior de dispersão temporal no segundo pico de PWV. Foi observada na região de estudo a passagem de duas frentes frias durante este período, onde um evento de chuva convectiva provocou cheias no centro de Lisboa no dia 29 de outubro.

O segundo evento de chuva mais intensa é registado a 23 de setembro de 2012, com uma precipitação horária de 22 mm/h que pode ser visível na Figura 4.3b. O gráfico de comportamento do PWV é estendido a 9 dias para mostrar a estrutura da sua evolução durante e após os episódios de chuva. O evento de chuva severa ocorre após o pico mais alto de PWV (0 horas de 23 de setembro), onde foi registado um elevado valor de 43 mm. Este máximo no PWV coincide com o pico de chuva registado na estação meteorológica do Cabo Raso (oeste de Lisboa), sendo registado um pico máximo na estação IDL apenas 2 horas depois. Este facto poderá indicar uma tempestade com movimento em direção a este, ou seja, da costa oceânica para o interior continental. Foram também registados valores de temperatura à superfície particularmente elevados durante o período noturno, decrescendo fortemente após a ocorrência de precipitação (não mostrados). O segundo pico de PWV observado no final do dia 25 de setembro chega a um valor de 37 mm, mas regista precipitação com intensidade muito mais fraca (2 a 5 mm/h) e mais dispersa no tempo. Nos três dias seguintes são observadas algumas oscilações no PWV mas de menor variabilidade, onde são registados períodos com chuva esporádica e fraca.

O terceiro evento mais forte registado durante os períodos de estudo levou a um registo de 20 mm/h na estação meteorológica do IDL a 21 de abril de 2011 (Figura 4.3c). Neste caso existe um pico local de PWV de aproximadamente 22 mm, mas são registados valores mais altos em dias anteriores (19 ou 20). Foi documentada a existência de dois sistemas convectivos de mesoescala que se formaram na região durante os dias 18 e 19 e que provocaram trovoadas. Durante todo o período analisado o sinal do PWV é algo complexo, não existindo uma relação clara entre a sua evolução e os episódios de chuva registados.

O último caso de estudo é apresentado na Figura 4.3d e corresponde a uma frente fria originada por uma massa polar vinda do Atlântico Norte e observada na área de Lisboa a 30 e 31 de agosto de 2011. São observados dois picos de intensidade máxima de PWV bastante elevados, aproximando-se dos 40 mm. As 3 curvas de PWV presentes referem-se às estações PACO, IGP0 e ALCO que estão localizadas aproximadamente sobre o mesmo paralelo de latitude e distribuem-se de oeste para este respetivamente. À exceção do facto de ser observado um pequeno desvio nas curvas devido à diferença de altitudes nas estações, é observado um comportamento semelhante no PWV em todas as estações que parece acontecer primeiro nas estações mais a oeste e depois nas estações este, indicando possivelmente um movimento de massas de vapor de água do oceano para o interior da região de estudo. No exemplo da curva PWV obtida na estação IGP0 o primeiro pico de PWV tem um máximo de 38 mm, é registado às 14 horas do dia 30 após um crescimento de 63% relativamente ao valor médio anteriormente observado (24 mm), que registou uma duração de 14 horas. O decréscimo é verificado após o máximo, durando apenas 6 horas até estabilizar no valor de 22 mm, mas não é registada nenhuma precipitação significativa. O segundo pico tem um valor máximo de 40 mm observado às 21 horas do dia 31, após um crescimento de 18 mm durante

Estimação do campo 3D do vapor de água através de técnicas de tomografia por GNSS e InSAR

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Figura 4.3: Evolução temporal do PWV comparada com os registos de precipitação nos seguintes casos de estudo: (a) 28 a 30 outubro 2010, (b) 21 a 29 setembro 2012, (c) 17 a 23 abril 2011; PWV da estação GPS IGP0 a preto e precipitação horária acumulada em várias estações próximas em várias cores. (d) 29 agosto a 2 setembro 2011, com PWV de duas estações GPS adicionais; ALCO a verde e PACO a vermelho. A data é apresentada no formato “hora dia/mês”.

Uma explicação física para a diminuição do PWV poderá variar de caso para caso e é mais complexa que a simples análise do seu comportamento a uma dimensão temporal, como a apresentada na figura anterior. A diminuição do vapor de água resulta naturalmente após a ocorrência de chuva, sugerindo condensação para água líquida nos níveis baixos da troposfera (Van Baelen et al., 2011). Condições locais sinópticas de vento, combinadas com os efeitos de lifting devido à topografia, podem também influenciar o comportamento do PWV (Van Baelen et al., 2011). Em casos de precipitação severa, na fase final da tempestade antes das nuvens se dissiparem, o processo fica dominado pela corrente de ar descendente (downdraft) não havendo mais subida de vapor na coluna de ar (Manning et al., 2012). Este efeito pode explicar o ligeiro desfasamento horário entre o pico de precipitação mais intenso e a inversão no comportamento do sinal do PWV. Nos casos em que os picos de PWV ocorrem entre valores médios semelhantes observados antes e após os eventos de precipitação (primeiro caso, Figura 4.3a), a sua origem poderá resultar de processos de advecção atmosférica (Bastin et al., 2007). No segundo caso a temperatura elevada registada durante a noite poderá ter alimentado o vapor de água na troposfera local, levando posteriormente a um estado de saturação que desencadeou chuva repentina e intensa (Champollion et al., 2004). A chuva fraca e contínua registada durante o terceiro caso de estudo associada a algum vento poderá ter provocado um efeito de dispersão (scattering) junto da antena, aumentando o ruído do sinal nas estações GPS (Emardson et al., 1998; Champollion et al., 2004) que pode dominar uma parte bastante considerável do sinal troposférico particularmente em alturas do ano onde o PWV tem menor amplitude.

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A evaporação dos solos cobertos por relva combinada com a advecção de humidade em zonas costeiras ou junto a lagos de grande dimensão pode resultar num efeito de crescimento no sinal do PWV (Iwasaki e Miki, 2001; Cucurull et al., 2004). Contudo é evidente no caso de estudo da Figura 4.3d que nem todos os gradientes bruscos de PWV em forma de pico originam eventos de precipitação local. Estas variações poderão indicar casos em que o transporte horizontal do PWV é o fator responsável pela sua redução no local da estação GPS, ou que a chuva poderá ter acontecido em locais onde não existe nenhuma estação meteorológica.