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2.4 Uniões Inter-raciais

2.4.1 Evidências internacionais

Os estudos sobre uniões inter-raciais têm experimentado um recrudescimento nos últimos 30 anos. Isso tem ocorrido, em parte, pela maior disponibilidade de dados que permitem uma investigação mais aprofundada do assunto. Embora as uniões inter-raciais nos Estados Unidos fossem raras no final do século XIX e início do século XX, sempre existiram. Gullickson (2006) utilizou os microdados dos Censos americanos para obter a tendência dos casamentos inter-raciais (entre brancos e negros) de 1850 a 2000. Nesse período, as uniões inter-raciais experimentaram movimentos distintos. Durante os anos de 1880 e 1930, devido à política discriminatória no sul e ao racismo latente em outras partes do país20, houve um decréscimo das uniões entre brancos e negros. No período pós-1930, as frequências dessas uniões aumentaram e se estabilizaram por um certo período. À luz da nova era dos direitos civis, as uniões inter-raciais experimentaram um crescimento exponencial a partir da década de 1960 em algumas regiões dos Estados Unidos (exceto o Sul), tendo se generalizado a partir de 1970 (Gullickson, 2006).

Num estudo recente, Rosenfeld (2008) também destacou o declínio da endogamia racial norte-americana durante o século XX. Embora sua análise

20 Gullicson (2006) aponta relação explícita com a “Jim Crow law”, lei que em 1890 impôs a segregação racial dos negros nos Estados Unidos, principalmente no sul.

trate de raça, educação e religião, seus achados permitem afirmar que raça ainda é a característica que tem mais força de divisão no mercado de casamentos. No entanto, essa divisão racial vai além de denominações como brancos e não-brancos, pois a cor da pele dos não-brancos parece ter uma influência considerável para a formação das uniões. Na sociedade norte- americana, indivíduos não-brancos de origem latino-americana (latinos), mas de pele clara, tendem a se casar com indivíduos brancos não-latinos (de origem caucasiana); e as minorias21 de pele clara tendem a se casar mais com brancos do que com pessoas de mesma origem e pele mais escura (Qian, 2002).

Já na Holanda, as fronteiras raciais para o casamento são mais fracas do que em outros países como Inglaterra, Africa do Sul e Estados Unidos. Num estudo de Kalmijn e van Tubergen (2006), entre migrantes surinameses, antilhanos (Antilhas Holandesas), turcos e marroquinos, foi encontrado que a “exogamia étnica” 22, que assim é chamada pelos autores, é muito mais comum do que nos países supracitados. Essa maior proporção de casamentos inter-raciais é mais frequente principalmente entre as segundas gerações de migrantes, entre os que chegaram na Holanda em idades mais jovens e entre aqueles com maior nível educacional. Assim, os autores afirmam que, na Holanda, a fronteira “negros-brancos” é frequentemente cruzada.

Nos Estados Unidos, embora grande parte dos negros de ascendência africana (“African Americans”) esteja mais propensa a se casar com negros de outras origens do que com brancos, a maioria das uniões inter-raciais se dá entre o homem negro e a mulher branca. Além disso, as relações inter-raciais são mais comuns entre pessoas que coabitam, quando comparadas às pessoas casadas formalmente (Batson et al., 2006).

21 O autor considera “minorias” os negros não-latinos (non-Latino Blacks), americanos de origem asiática (Asian Americans) e latinos.

22 Essa exogamia étnica é composta também pelas diferenças na cor da pele dos indivíduos. Os grupos caribenhos têm, em sua maioria, uma cor de pele mais escura que os grupos turcos e marroquinos, devido à descendência de escravos da África e da Ásia (Kalmijn e van Tubergen, 2006:374).

Embora essas relações raciais sejam bastante distintas das de outros países e do Brasil e também sejam diferentes as características socioeconômicas e demográficas dos indivíduos de raças/cores diversas, alguns estudos norte- americanos mostram que membros de grupos de alto status racial podem se casar com membros de grupos de baixo status racial se estes podem oferecer um status socioeconômico mais alto que compense essa diferença. Nesse caso, é a escolaridade a característica utilizada como um indicador do status socioeconômico (Davis, 1941; Merton, 1941; Fu, 2001).

Alguns trabalhos mostram que os diferenciais de escolaridade podem afetar as relações inter-raciais, principalmente quando se controla pela idade da população analisada (Gullickson, 2006; Fu, 2001; Qian, 1997), ou seja, homens e mulheres negros com baixo status educacional têm menor probabilidade de estarem numa relação inter-racial do que pretos com altos níveis de escolaridade. Além disso, em uniões formadas por homens negros com mulheres brancas, as chances de esses homens estarem nessas uniões aumenta com o nível de escolaridade dos homens e diminui com o nível de escolaridade das mulheres (Gullickson, 2006). Isso significa que a escolaridade mais alta dos homens negros pode estar “compensando” o baixo status de sua raça/cor.

Um estudo recente sobre uniões inter-raciais nos Estados Unidos revelou ainda que as chances de divórcio para casais nessa situação são mais altas, principalmente para uniões mais recentes e entre homem negro e mulher branca. Esses resultados podem estar ligados ao fato de que há barreiras mais fortes para as uniões entre mulheres negras e homens brancos; portanto, quando essa união acontece, há um grau de “comprometimento” maior das mulheres, que irá reduzir o potencial de divórcios. Outro fator que pode estar ligado a essa situação são as reações negativas da família e dos amigos, que podem ser causadoras de conflitos, gerados pelo estigma das uniões inter- raciais (Bratter e King, 2008).

Esses achados vão de encontro ao estudo de Teachman (2002), que mostram que, de maneira geral, o risco de dissolução dos casamentos está aumentando mais para brancos do que para os negros. Esse resultado pode estar

associado ao fato de que, como historicamente negros demoram mais a se casar do que brancos, eles acabam tendo uma experiência maior em fecundidade premarital e coabitação. Isso tornaria as uniões de negros mais seletivas e, consequentemente, mais estáveis. No entanto, o autor não faz separação para uniões inter-raciais, pois só considera em sua análise a raça/cor da mulher.

Nesse sentido, as uniões inter-raciais têm um peso importante pois, aparentemente, um maior tempo na escolha não é suficiente para garantir o sucesso no casamento. Uniões inter-raciais são consideradas mais instáveis mesmo entre casais de mesma religião (Fu et al., 2001) e uniões exogâmicas por religião estão mais propensas a apresentarem conflito (Curtis e Ellison, 2002).

No Brasil, embora não haja o mesmo nível de segregação racial existente nos Estados Unidos23, há poucos estudos que revelem como as características como idade, escolaridade, religião interferem nas escolhas de casais em uniões intra ou inter-raciais. A seguir, serão tratados os estudos sobre essa questão para o Brasil.