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Na perspectiva demográfica, a família está relacionada ao tamanho e à composição dos domicílios e, consequentemente, à sua dinâmica, bem como às modificações na sua estrutura. São determinantes dessas modificações tanto a estrutura etária da população como a fecundidade, a mortalidade, os casamentos, os divórcios e a migração. Ou seja, variações no ciclo de vida familiar e suas consequências socioeconômicas devem ser consideradas nas análises demográficas (Burch, 1979; Casper e Bianchi, 2002).

Usualmente, os indivíduos pertencem a dois tipos de unidades familiares durante seu ciclo de vida: a família de orientação e a família de procriação (Leslie, 1976). A família de orientação é a qual o indivíduo pertence antes de formar sua própria família, a família de procriação. O casamento, ou a união, provê a criação da família e é uma forma de se estruturar um relacionamento. Por isso, a família como unidade de análise é fundamental para o entendimento da dinâmica demográfica e o estudo de sua formação, por meio das uniões, revela-se cada vez mais importante.

Glick (1988) faz um apanhado dos estudos sobre Demografia da Família e destaca que os estudos sobre o ciclo de vida familiar, casamentos inter- religiosos e inter-raciais, status socioeconômico e sua relação com a estabilidade marital e a compressão do mercado de casamentos foram os

temas pioneiros nos estudos norte-americanos. Posteriormente, incluiu-se nessa agenda as questões sobre o divórcio, a coabitação, a maternidade/paternidade independente, pessoas que vivem sozinhas, recasamentos, homogamia marital, dentre outras. Esses estudos efervesceram em função das grandes mudanças pelas quais a família norte-americana tem passado.

No entanto, essas mudanças foram identificadas não só nas famílias norte americanas, mas também em outras partes do mundo, tendo Therborn (2006) classificado-a como uma mudança universal. O que diferencia essas mudanças e suas variações são o ponto de partida, a cronologia, o ritmo e a quantidade de mudança ocorrida nas dimensões de estudo propostas pelo autor, que são o patriarcado, o casamento e a fecundidade. O patriarcado sofreu um declínio gradual no século XX, tendo começado em diferentes momentos em várias regiões do mundo. Em relação ao casamento, o que ocorreu no século passado foi um movimento de aumento em sua frequência até a metade do século, tendo decrescido nos últimos 30 anos, principalmente na Europa Ocidental e nas Américas. A idade ao casar tem aumentado, quase que universalmente, com exceção da África Subsaariana, na qual essa mudança não é muito evidente. Por fim, a fecundidade apresentou dois grandes movimentos de queda, tendo começado nos fins do século XIX na Europa, e se difundido para as demais regiões do mundo numa segunda onda, nos últimos 30 anos do século XX, embora o ritmo tenha sido diferenciado entre os países. Recentemente, percebe-se um outro movimento, o de recuperação da fecundidade, que tem ocorrido na Escadinávia e nos Estados Unidos.

Essas mudanças na fecundidade fazem parte de um conjunto muito maior de modificações que trouxeram implicações importantes do ponto de vista demográfico. Alguns países desenvolvidos e alguns países em desenvolvimento já completaram a Transição Demográfica10 e estão numa outra fase, chamada por alguns autores de Segunda Transição Demográfica. Van de Kaa (2004) faz uma comparação entre esses dois momentos e coloca a

10 A Transição Demográfica caracteriza-se, principalmente, pela transição de um regime de altas para baixas taxas de fecundidade e mortalidade.

primeira Transição Demográfica como o “reino dos filhos” e a segunda Transição Demográfica como o “reino dos casais”.

A Segunda Transição Demográfica seria marcada por três fases. A primeira fase teria como característica o aumento dos divórcios, a diminuição da duração dos casamentos, um aumento da idade ao casar, a difusão da contracepção, a diminuição da fecundidade em todas as idades. Já a segunda fase seria apontada pela emergência da coabitação pré-matrimonial, aumentos dos nascimentos fora do casamento e uma diminuição contínua da fecundidade. Por fim, a terceira fase englobaria a estabilização das taxas de divórcio, a extensão da coabitação e a recuperação da fecundidade após os 30 anos (Van de Kaa, 1987 e Lesthaeghe, 1995). No entanto, essas fases são melhor identificadas em países europeus. No caso do Brasil, há que se olhar com cautela para essas características.

Associadas a essas mudanças estão ainda as mudanças comportamentais, tais como o aumento do relacionamento sexual fora do casamento, a maior tolerância com a maternidade de mulheres solteiras, declínio da fecundidade marital, aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho, modificações das relações e papéis de gênero dentro do casamento (Casper e Bianchi, 2002).

Essas mudanças propiciaram alterações importantes no “benefício” do casamento, e, consequentemente se fizeram sentir também nas uniões intra e inter-raciais. Grupos de raça/cor e aspectos socioeconômicos diferentes se distinguem em atitudes, taxas e tendências na formação e dissolução das famílias. Embora haja vários estudos sobre tendências e diferenciais na formação e dissolução das uniões, as causas dessas tendências e diferenciais ainda não estão bem explicadas (Seltzer el al., 2005).

Há algumas teorias plausíveis que ajudam a interpretar essas mudanças no casamento, como as proposições de Lesthaeghe (1995) a respeito da secularização e individualização das sociedades ocorridas no Ocidente. Além disso, o processo de modernização das sociedades é destacado por Van Poppel et al. (2001) como indutor da redução da homogamia baseada em

características inerentes, como a religião e status social dos pais, e do aumento da homogamia baseada em características alcançadas, como a escolaridade. Essa mudança já havia sido mostrada por Kalmijn (1991), que detectou, em seu estudo para os EUA, um aumento dos casamentos inter- religiosos acompanhado de um aumento da importância das barreiras educacionais para a escolha do cônjuge. Essa relação é atribuída, em parte, à redução da importância da religião na vida das pessoas (secularização), ao aumento do individualismo, à redução da influência dos pais sobre os filhos e redução das diferenças de status entre religiões diferentes. Essas mudanças fizeram com que as fronteiras entre as religiões se reduzissem, se refletindo na redução da endogamia religiosa, e, consequentemente, afetando as escolhas dos indivíduos.

A escolha do cônjuge é um processo importante para entender a configuração das uniões. Kalmijn (1998) destaca que, para essa escolha, deve-se considerar uma interação de três fatores: preferências individuais relacionadas às características do potencial parceiro; a capacidade de interferência do grupo ao qual o indivíduo pertence durante o processo de escolha; e a composição do mercado matrimonial, que irá limitar as oportunidades de escolha. Além disso, essa escolha tem implicações importantes tanto para a formação das famílias, quanto para a manutenção das fronteiras entre grupos, para a continuação de desigualdades entre famílias e indivíduos e para a persistência de hierarquias sociais inter-geracionais. Isso acontece porque essa união não se dá de forma aleatória, considerando as características sociais e econômicas dos parceiros; e esse agrupamento dos indivíduos, de acordo com essas características, é a fonte da manutenção da desigualdade (Mare e Schwartz, 2006). Além disso, a formação e a dissolução de uma união requer uma barganha interpessoal num universo de escolhas relativas, dadas as características pessoais de cada cônjuge. Crenças e valores a respeito de educação, emprego, religião, casamento, divórcio, filhos, combinadas com as atitudes tomadas em relação a esses assuntos, irão, por sua vez, influenciar o próprio casamento (Thornton el al., 2007).

Por isso, considerar as características sociodemográficas dos parceiros na análise das uniões inter-raciais é uma forma de contemplar os mecanismos que

operam nessa escolha. Embora as vertentes sociológica e econômica tenham um papel importante para o estudo das uniões, a base teórica deste estudo será a abordagem demográfica. Essa escolha foi feita não só pela aderência ao estudo das uniões per se, mas também em função das características sociodemográficas que serão estudadas e que estão associadas às uniões: status marital, raça/cor, escolaridade e religião; embora elas não sejam de uso exclusivo dos estudos demográficos.