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3.1 Tessitura de significados a partir de uma visãofenomenológica

3.1.2 Caminhos da pesquisa

3.1.2.2 Evidenciando os sentidos em unidades: o fiar, o fuso, a roca

Nesta fase realizamos uma descrição geral do que pôde ser percebido ao entrarmos em contato com o fenômeno, a partir das diversas fontes textuais e vivenciais às quais tivemos acesso.

Temos ciência das diferentes naturezas dessas fontes, por isso demos a elas diferentes tratamentos. De um lado, aspectos resultantes do contato direto com a experiência e com os sujeitos que dela participaram, de outro, informações emergidas da leitura de textos previamente elaborados, em linguagem predicativa e com os cuidados característicos das regiões do conhecimento específicas, nas quais estão inseridos.

Concordamos com Bicudo (2011) quando reconhece que é por mediação da linguagem que a experiência vivida é dada ao conhecimento, em diferentes graus de elaboração e em diferentes modalidades de expressão. Nesta direção, percebemos que o interesse nas expressões do vivenciado e nos significados de tais expressões, faz com que, em pesquisas fenomenologicamente conduzidas, a descrição ganhe um caráter fundamental.

Fenomenologia é, por um lado, descrição do vivido na qualidade da experiência vivida e, por outro, descrição do significado das expressões da experiência vivida. Os dois tipos de expressão parecem um tanto diferentes, no sentido que a primeira é uma descrição imediata do mundo-vida enquanto vivido, enquanto o segundo é uma descrição intermediada (mediada) do mundo-vida enquanto expressado em forma simbólica (VAN MANEN, 1990, p.25 apud BICUDO, 2011, p.43).

A partir dessas diferenças, de acordo com o foco da pesquisa, podemos nos dirigir a expressões que se situam no encontro com o percebido, buscando um entendimento mais estrutural do fenômeno. Bem como, podemos nos reportar ao segundo tipo de expressão mencionado acima procurando a compreensão e a interpretação do “culturalmente presente ao mundo”, apoiados em procedimentos da chamada Fenomenologia Hermenêutica (BICUDO,

2011, p. 44). Aqui, a descrição do fenômeno interrogado se manifesta a partir de um texto articulado, histórica e culturalmente situado, doando-se à análise e à reflexão.

Assim, tratando-se do material bibliográfico – parte do corpus desta pesquisa –, enquanto que, em um primeiro momento, buscamos estabelecer um horizonte geral de compreensão, no segundo, iniciamos um movimento mais vertical, em profundidade. Retornamos, portanto, às leituras à procura de mais particularidades, elegendo tópicos que nos levaram, no momento seguinte, às unidades de sentido e de significado, ou passagens significativas dos textos que respondem às perguntas que direcionamos a eles. Os tópicos, então, são os contextos, ou as categorias mais amplas nas quais estão imersas as unidades de significado.

No tocante à observação, parte do movimento exploratório do presente estudo, a descrição da experiência foi elaborada a partir da transcrição, organização e sistematização dos materiais provenientes dos instrumentos utilizados no momento anterior. Gostaríamos de destacar aqui a importante contribuição, na análise de nossas observações, tanto do diário de campo, como dos registros em áudio e vídeo. Detalharemos, mais adiante, o processo de leitura e análise dos registros audiovisuais, transformados em descrições das cenas significativas, representando um recorte da experiência.

Destacamos as características da descrição fenomenológica que diz do ocorrido como percebido.Podendo ser o relato do pesquisador que, “estando junto à situação em que as vivências se dão e com o sujeito que as vivencia, descreve aquilo por ele visto, isto é, percebido”. O pesquisador não conta o acontecido, mas diz o acontecido como percebido por ele (BICUDO, 2011, p. 38). Percebido por ele, dentro de um contexto, que por isso não é estritamente subjetivo, a percepção já alcançou o percebido em seu entorno.

Isso quer dizer que figura e fundo foram abarcados e, assim, também foram abarcados os cossujeitos com quem se está no mundo naquele contexto e respectivos modos de expressão, bem como os produtos culturais e suas formas de materialização, outros seres vivos e da natureza em geral (BICUDO, 2011, p.32).

As descrições nas duas modalidades, neste segundo momento, mostraram-se como materiais a ser analisados e interpretados. Por isso, a descrição não foi o último passo, embora tenha já revelado as vivências. As descrições foram efetuadas mediante a linguagem, solicitando, portanto, um trabalho interpretativo que intencionou compreender os sentidos, significação e significado, nelas apontados.

Assim, chegando a uma apreensão do todo das descrições, passamos a colocar em evidência unidades de sentido, discriminando-as segundo a perspectiva da interrogação que

moveu o estudo. As unidades de sentido, normalmente são notadas diretamente na descrição, nas idas e vindas da leitura, à medida que o pesquisador percebe uma mudança significativa de sentido no texto.

Giorgi (1985 apud MOREIRA, 2004) ressalta que as unidades de sentido são constituintes, não elementos. Tal distinção, partindo da relação unidade e contexto, também destaca uma diferença entre o método que aqui descrevemos e a análise de conteúdo tradicional.

Constituinte significa uma parte determinada de forma que seja apoiada no contexto, enquanto que um elemento é uma parte determinada de tal forma que seu sentido seja mais independente possível (MOREIRA, 2004, p.124-125).

Ainda sobre as unidades de sentido, vale salientar que se configuram e são articuladas relativas ao olhar, à intencionalidade, à atitude do pesquisador. Não sendo, assim, sentidos rígidos, unívocos ou arbitrários, é possível que as unidades sofram mudanças no processo de leituras sucessivas e de depuração dos sentidos (BICUDO, 2011; MOREIRA, 2004).

Percebemos, portanto, que evidenciar as unidades de sentido é um modo de tomar algo inteiro e bruto – as descrições – e destrinchar em fios – os sentidos –, fiar como se faz com a lã em um fuso na roca. Mesmo sendo os fios, constituintes de uma totalidade, tomam forma com o trabalho do fiandeiro, na singularidade de seu trato com o material disponível.