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4.2 Leitura do cultivo da atenção em cenas

4.2.1 CENA I: Respirando, o barquinho de papel sobe e desce

4.2.1.1 Compreensão dos significados emergentes na CENA I

4.2.1.1.4 Respostas das crianças à atividade

Enquanto o conjunto três tratou das diversas formas de condução da experiência por parte das professoras, o conjunto quatro, com doze unidades de significado, fala das respostasdas criançasà atividade. Os fragmentos do grupo anterior trouxeram situações relativas à orientação das ações realizadas e da postura corporal e atencional, através de diferentes meios. Igualmente, remeteram à intenção ou objetivo que permeou a realização do exercício.

Já o conjunto de US a ser analisado aqui nos mostra as respostas, por parte das crianças, àquela condução. Essas respostas nos são comunicadas, menos pela fala, e mais a partir dos gestos, dos movimentos, das expressões faciais ou do próprio silêncio, todos esses pontos indicam o tipo de envolvimento das crianças na atividade e suas reações aos elementos que dela fizeram parte. As respostas reportam-se à vivência particular de cada criança no que diz respeito às características da prática: postura deitada, olhos fechados, movimentos sutis, introspecção, busca pela percepção de sensações internas, entre outros.

Diferentemente do conjunto anterior, no qual foi possível dividir as formas de condução partindo de elementos e características comuns, a particularidade das respostas de cada criança não permitiu uma demarcação tão clara de grupos e subgrupos. Mesmo assim, quando oportuno buscamos reuni-las, para fins de compreensão e análise, considerando as semelhanças existentes entre elas.

Vale ressaltar que quando analisamos as respostas, não estamos considerando critérios de valoração. As respostas aqui são relativas à atividade como um todo, a certos estímulos, ou a determinados elementos, são indicativos de como a experiência foi vivenciada. Não intencionamos, portanto, em nossa análise, identificar uma forma correta ou mais aproximada de responder à atividade.

As primeiras unidades que destacamos demonstram as diferentes maneiras das crianças lidarem com a visão e com o olhar no contexto do exercício. Incialmente foi solicitado que cerrassem os olhos, no entanto as reações,nas diversas situações, foram bem diferentes de criança a criança.

Poucas mantiveram os olhos fechados durante toda a prática, como Alex e Téo. Alex, inclusive, permaneceu“imóvel como se estivesse dormindo”, US-6, durante todo o período analisado, em uma postura que nos transmitiu quietude e entrega, fazendo-nos pensar que a imobilidade veio de um estado de relaxamento. Outros, como Pedrinho e Kevin abriam e fechavam os olhos. Maria permaneceu acompanhando todos os deslocamentos das professoras com a visão, US-7, e seus movimentos curtos, porém incessantes, transmitiram uma excitação em relação à atividade.

Na dinâmica da prática, o movimento do abdome e da respiração foi o “motor” do barquinho, nesta brincadeira, foi o que fez com que ele navegasse.O barquinho de papel, por sua vez, foi um “veículo” para a percepção de sensações internas e externas

.

Portanto, as atitudes de abrir ou fechar os olhos, de ver, de olhar também tiveram correspondências, na referida dinâmica, com a condução da experiência, com o objeto lúdico utilizado no exercício e com o próprio movimento corporal.

Também consideramos o fator da curiosidade, advindo da expectativa de ver o objeto-surpresa e não apenas senti-lo no corpo. Muitos quiseram logo olhar para o barquinho, mas Téo e Alex, que ficaram de olhos fechados, primeiro estabeleceram contato com o objeto através do tato e só no final acessaram-no pelo sentido da visão, por um tempo olharam e examinaram o barquinho, expressando contentamento, US-38.

Alguns meninos e meninas abriam os olhos para ver se o barquinho e a barriga estavam subindo e descendo, (US-10 e US-22), tendo aí, o olhar um papel importante para o interesse e para a concentração, além de complementar a conscientização do movimento corporal com o sentido da visão. Já outras crianças utilizaram a imagem mental da onda do mar como veículo para a percepção, pois mesmo de olhos fechados e sem o barquinho, tomaram consciência do próprio movimento, subindo e descendo o abdome, através dadescrição e da condução da professora, US-9.

Valentina, que estava olhando o movimento da sala e sorrindo, fechou os olhos com um gesto rápido das mãos e os manteve fechados enquanto esperava o barquinho e apertava os lábios com os dentes. Com essa descrição vemos uma ação de esforço para manter os olhos fechados ou o corpo imóvel, também uma tensão, talvez, pela expectativa de receber o brinquedo. Após recebê-lo, passou a respirar na forma abdominal, estimulada pela brincadeira (US-14).

A US-18 mostra diferentes estados na vivência das crianças em uma experiência introspectiva e de tranquilização. Logo após a distribuição dos barquinhos, a crianças ouviram a descrição da onda do mar, subindo e descendo. Neste momento, diferentes respostas foram percebidas: “Rayane, Téo, Alex, Élida, Laurinha, Pedrinho e Carlinhos estavam imóveis, de olhos fechados respirando com o barco sobre as barrigas. Maria de olhos abertos ficou parada apenas enchendo e secando o abdome. Valentina continuava apertando os lábios, mas permanecida de olhos fechados balançando o barquinho com a barriga. Vítor ficou inquieto, mas não abria os olhos e disse que queria se levantar, Kevin também”.

Em determinado período da atividade, já próximo do terceiro ato, Vítor e Kevin demonstraram, através da fala e da agitação de seus corpos, certa inquietação e impaciência. Neste momento, a professora fala com mais vivacidade, gesticula com a mão para cima e para baixo, e procura resgatar o interesse das crianças com o convite para olhar o barquinho. Faz comentários positivos a cada uma das crianças e reforça que devem fechar os olhos.

Neste contexto, dois meninos, Vítor, que já havia demonstrado inquietação, e Carlinhos taparam os olhos com as mãos e passaram um tempo com os olhos tapados, exacerbando o movimento da respiração e do barquinho, US-26 e US-29. A ação de conter os olhos, contendo também o impulso de olhar o ambiente externo, pode indicar a tentativa de se manter envolvido na atividade, trazendo o foco novamente para o movimento proposto. Entretanto, o foco não é mantido pelo relaxamento e sim por um esforço, por uma luta. O estímulo exercido pela professora trouxe intensidade à ação dos meninos, levou-os a ter

novamente interesse pelo exercício, mas o próprio esforço para conter a inquietação já existente, não permitiu que permanecessem envolvidos, e logo desfizeram a postura.

Mas adiante, a professora disse que já estavam chegando, enfatizou: “relaxem”. E complementando, falou: “sintam o coração, deixem o barquinho flutuar”. Vítor largou os braços na lateral do corpo e com um suspiro soltou o pescoço pendendo o rosto para o lado, permaneceu de olhos fechados como um sinal de descanso. Carlinhos também soltou os braços e colocou a mão sobre o peito. Talvez a mudança de estado tenha ocorrido por saber que se aproximava do fim, pela indicação expressa para relaxar e, provavelmente, pela menção do barquinho flutuando – ideia de suavidade. Outras crianças, como Élida e Alex continuaram na mesma posição, mas colocaram a mão sobre o peito, US-32.

No período que antecedeu a finalização da atividade a professora, disse novamente para relaxarem, falou do calor do sol e indicou que o barquinho de Rayane estava quase chegando, pois estava muito rápido. Como resposta, todos intensificaram bastante a respiração, US-35. Nesta situação, mesmo a palavra “relaxem” iniciando a frase, uma possível agitação trazida pela figura do sol, com a ideia de calor e a iminência de chegar à ilha, “acelerando” o barco, predominaram na resposta das crianças.