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3.1 Tessitura de significados a partir de uma visãofenomenológica

3.1.1 Pesquisa qualitativa segundo a visão fenomenológica

De uma maneira geral, nas abordagens qualitativas, o objeto de estudo não está separado de seu contexto particular, natural, sendo considerado um elemento da experiência humana a ser observada de maneira global, ou seja, em sua totalidade. As pesquisas qualitativas também se caracterizam pela importância do pesquisador, constituindo-o como um instrumento, por meio da interação deste com a realidade (ESTEBAN, 2010). É dessa forma que na presente dissertação, buscamos alinhar nossos objetivos a fundamentos teóricos, que buscam perceber, em perspectivas integrais, o potencial formativo da atenção. Bem como,perfilamos nossa trajetória de acordo com uma abordagem e com os procedimentos metodológicos que permitiram a compreensão do fenômeno estudado integrado ao seu contexto e às experiências nas quais se apresentaram.

Contudo, é importante atentarmos que, ao assumir uma perspectiva fenomenológica, algumas características da pesquisa qualitativa ganham nuanças particulares, provenientes da visão de realidade e de conhecimento no terreno da Fenomenologia.

Neste terreno, que se opõe claramente aos posicionamentos cartesianos e positivistas, a realidade, e consequentemente o movimento de conhecê-la, não se baseia em noções como causalidade, neutralidade e mensurabilidade. Nem tampouco, assume-se uma lógica linear, na qual os fundamentos teóricos são tomados como verdades que categorizam previamente o estudado e predizem o caminho a conhecê-lo, buscando respostas generalizáveis e transferíveis. Ao contrário, essa postura

[...] é consoante com discursos que promulgam a inseparabilidade entre sujeito e objeto, a impossibilidade de se ter apenas um modo de ver o estudado, bem como com a relevância do contexto histórico, político e social em que o estudado se situa e com a impossibilidade de aprisionar-se o dito na linguagem em caixas de interpretação (BICUDO, 2011, p. 20).

Nessa perspectiva, a realidade não é considerada independente do sujeito que a vivencia, onde o fenômeno é visto como um objeto posto objetivamente em um mundo exterior, podendo ser observado, experimentado, manipulado, contado ou medido por um observador. De outro modo, no processo de conhecer fenomenológico, o fenômeno é

[...] o que se mostra no ato da intuição efetuado por um sujeito individualmente contextualizado, que olha em direção ao que se mostra de modo atento e que percebe isso que se mostra nas modalidades pelas quais se dá a ver no próprio solo em que se destaca como figura de um fundo. A figura, delineada como fenômeno e fundo, carregando o entorno em que o fenômeno faz sentido (BICUDO, 2011, p.30).

Assim, quando nos debruçamos sobre a atenção, suas implicações educacionais e suas possibilidades de cultivo, não a enxergamos apenas a partir de seus aspectos externos, em comportamentos isolados e mensuráveis objetivamente. Pois, em nossa acepção de atenção, a relação entre aquele que atende e aquele que é atendido é marcada pela inseparabilidade, à medida que o movimento do prestar atenção é simultaneamente interno e externo (FERNÁNDEZ, 2012). Também consideramos que tal movimento faz parte de um entorno, no qual múltiplos elementos o influenciam e são influenciados por ele. Não podendo, desta forma, ser isolado em um ambiente neutro para ser analisado ou compreendido.

Relacionando esta concepção de fenômeno aos aspectos que dele procuramos apreender eaos modos pelos quais intencionamos sua compreensão, consideramos relevante evidenciar a diferenciação entre os pares objeto/observado e fenômeno/percebido presente nos processos investigativos dentro do universo apresentado. Gostaríamos de destacar que tal distinção não reflete apenas uma diferença de terminologias, mas marca inicialmente uma relação de complexidade entre os vários elementos desse processo.

Nesse contexto, o binômioobjeto/observado indica uma separação entre aquele que observa e o objeto, ao passo que o par fenômeno/percebido, significa que a qualidade que é percebida do fenômeno mostra-se na própria percepção do sujeito. Assim, enquanto no primeiro par a qualidade é tomada como dada, pertinente ao objeto, e a observação é direcionada à busca de categorizações prévias; no segundo, não é assumida uma definição prévia do que será observado, ao contrário, atenta-se ao que se mostra.

Há uma doação de aspectos passíveis de serem percebidos em modos próprios de aparecer. [...] Não há uma separação entre o percebido e a percepção de quem percebe, uma vez que é exigida uma correlação de sintonia, entendida como doação, no sentido de exposição, entre ambos (BICUDO, 2011, p.19).

Mostra-se aqui uma posição de interação entre aquele que percebe o fenômeno e o que se dá a perceber deste fenômeno no movimento de sua compreensão, de seu conhecimento. Conhecimento que, no universo da Fenomenologia, tem como ponto de partida o voltar-se “às coisas mesmas”. Entendendo a “coisa mesma” como fenômeno, do qual temos acesso imediato e uma intuição originária. “O fenômeno integra a consciência e o objeto, unidos no próprio ato de significação” (FORGHIERI, 1993, p.15).

Nessa integração, a consciência é caracterizada pela intencionalidade. Ou seja, a consciência, não sendo substância, mas constituída por atos, é dirigida a um objeto, o qual, por sua vez, é objeto para uma consciência. A intencionalidade, pedra angular da Fenomenologia, é o atribuir um sentido, unificando o sujeito e o mundo, através da união

entre a consciência e o objeto. Indicando, assim, que a realidade é relativa à consciência. Tal fato, nesta perspectiva, nos dá a reconhecer que o mundo não é pura exterioridade e o sujeito, também não sendo pura interioridade, se constitui no ir em direção a algo, em sua totalidade, de modo atento, saindo de si para um mundo que possui significação para ele próprio (BICUDO, 2011; FERREIRA, 2007; MOREIRA, 2004; FORGHIERI, 1993).

Essa posição de interação presente no par fenômeno/percebido, caracterizada pela intencionalidade, marca, tanto no significado de pesquisa, como no modo de investigação que se utiliza de uma base fenomenológica, o encontro de três aspectos fundamentais: interrogação/interrogado/pesquisador. Tais aspectos se correlacionam de maneira dinâmica, por estarem, eles mesmos, em movimento.

Bicudo (2011) afirma que, neste panorama, pesquisar consiste em ir no encalço de uma interrogação em diferentes perspectivas, circulando-a diversas vezes, buscando todas as suas dimensões. A interrogação, portanto, é tida como o pano de fundo no qual as perguntas do pesquisador fazem sentido, constituindo-se na referência que dá direção aos procedimentos da pesquisa. Aqui a interrogação difere da pergunta e do problema de pesquisa sendo subjacente a eles, dizendo da perplexidade do pesquisador diante da vida. Funciona como a força motriz daquele que pesquisa e o modo como é explicitada se relaciona com sua formação e suas concepções de mundo e de ciência.

A interrogação que nos moveu à compreensão do fenômeno da atenção, a partir da noção de cultivo, a considera em seu potencial formativo, refletindo nossa inquietação diante da visão hegemônica disseminada nos meios educacionais e nossa busca por um modo diferente de percebê-la. Dessa forma, emergiram perguntas que interrogaram o entendimento do cultivo da atenção em um contexto de educação integral e formação humana. O nosso olhar intencionou percorrer aspectos desse fenômeno que incluíam elementos de suas dimensões subjetivas, objetivas, intersubjetivas e sociais (WILBER, 2007). Por isso, tomando por referência o horizonte da nossa interrogação, escolhemos os seguintes caminhos metodológicos para persegui-la.