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No começo da década de 1990, o Setor Elétrico Brasileiro atravessava uma forte crise, e os debates em torno à possibilidade de reforma do setor eram constantemente insinuados. O programa de Revisão Institucional do Setor (Revise), criado em 1987 pelo Ministério de Minas e Energia, reuniu debates de especialistas e autoridades de diferentes atores do setor, mas foi encerrado sem resultados em 1989 (DIAS e BARROS CACHAPUZ, 2006). O estado alegava que não tinha condições de investir, a expansão da capacidade instalada estava completamente congelada, assim como as pesquisas e os estudos; as empresas estatais e estaduais estavam endividadas: a privatização cada vez mais parecia a única solução possível para a falta de liquidez do setor.

A conjuntura (paisagem sociotécnica) do começo do período estava caracterizada pela situação de crise econômica, especialmente influenciada pela moratória do México em 1982, que suspendeu os empréstimos financeiros externos concedidos ao Brasil; e a instabilidade política pelo impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello. Porém, um ciclo hidrológico amplamente favorável ajudou a operação dos sistemas elétricos do país.

5.2.1 Regime Sociotécnico 1990 5.2.1.1 Regras

Os primeiros anos da década de 1990 foram essencialmente de transição, não apenas nas regras formais, mas de mudança na forma de entender o papel do Estado e dos serviços públicos. A energia ainda era vista como um bem público, porém “a ideia da privatização dos serviços de energia elétrica ganhou força no governo Collor, ao mesmo tempo em que a crise institucional e financeira do setor atingia o seu ponto máximo de tensão” (DIAS e BARROS CACHAPUZ, 2006, p. 447). A situação de insolvência financeira e a crise política impulsionam novas ideias sobre a necessidade de redução da participação do Estado nos serviços públicos. Contudo, o planejamento continuava centralizado sob as diretrizes do Ministério das Minas e Energia (MME), desenvolvido pelo Grupo Coordenador de Planejamento do Sistema (GCPS) da Eletrobrás, com caráter determinativo. A operação do sistema interligado também era controlada pela Eletrobrás, via Grupo Coordenador da Operação Interligada.

A regulação da exploração dependia basicamente do Artigo nº 21, inciso XII da Constituição Federal de 1988, que estabelece como competência da União “os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos” (BRASIL. CONSTITUIÇÃO, 1988). O artigo 175 estabelece que é o Poder Público quem tem a incumbência da prestação de serviços públicos. O Decreto 915/95 autorizou a formação de consórcios entre concessionárias públicas e autoprodutores para a exploração de aproveitamentos hidroelétricos por meio de contratos homologados pelo DNAEE, o que permitiu o acesso dos autoprodutores à rede de transmissão para transporte de energia às suas unidades consumidoras. O preço da energia, por outra parte, era extremamente dependente das políticas anti- inflacionárias do governo, tanto assim que quem definia o preço das tarifas era o Ministério da Fazenda.

Novas legislações genéricas foram promovidas com o intuito de sanear as contas públicas e abrir espaços e incentivos para que empresas privadas passassem a controlar as atividades no setor. A principal mudança nas regras derivou da aprovação da Lei nº 8.631 de 1993, regulamentada pelos decretos nº 774 e 791. Esse conjunto de normas eliminou o regime de remuneração garantida e estipulou a obrigatoriedade de celebrar contratos entre supridoras e distribuidoras. As tarifas

foram desequalizadas, o concedido de custo do serviço foi mantido mas sem a taxa de remuneração garantida. Foi modificado o artigo nº 175 da CF, estabelecendo a obrigatoriedade de licitação para a concessão de serviços públicos de utilidade pública. A regulamentação manteve o papel da Eletrobrás como credora financeira do setor14, além de ser confirmada a sua posição de administradora única da RGR. “A legislação propiciou o restabelecimento dos fluxos de pagamento intrassetoriais e dos compromissos financeiros que não vinham sendo respeitados desde meados da década de 1980”, o que possibilitou o acesso a novos mecanismos de recursos financeiros (DIAS e BARROS CACHAPUZ, 2006, p. 484)

5.2.1.2 Atores

Neste primeiro momento Gomes e Vieira (2009) destacam a influência de três atores: a Eletrobrás, as empresas do sistema Eletrobrás (Furnas, Chesf, Eletronorte, Eletrosul) e as empresas concessionárias de energia estaduais (Cemig, Copel, Cesp, CEEE, especialmente). Fica evidente nas regras mencionadas acima que a holding federal tinha acumulado uma grande quantidade de funções essenciais dentro do sistema, incluindo a operação do sistema, financiamento e o planejamento decenal. Além disso, grupos técnicos da empresa participaram ativamente na criação de propostas para alterações na organização (como o Sistema Nacional de Transmissão de Energia Elétrica (Sintrel) e a própria divisão da Eletrobrás). A situação financeira crítica do setor, no entanto, dificultou notavelmente o repasse de recursos para a Cepel, derivando em uma diminuição sensível da atividade de pesquisa do centro.

As empresas estaduais e federais eram atores centrais pela crise de inadimplência interna, e pressionavam os atores políticos a elaborarem uma solução negociada para o problema. O grau de influência das empresas estaduais ficou evidente no momento em que elas conseguem deixar de pagar pela energia recebida sem sofrer punições por parte da União. Duas associações de classe, a Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE) e a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres (Abrace), começam a participar dos debates sobre possíveis cursos de ação, mas sem poder

14 Os empréstimos e financiamentos concedidos pela empresa às concessionárias não foram incluídos

de lobby consolidado. Aos poucos, os atores privados começaram a ser atraídos para a expansão da geração de energia.

No Executivo, o período teve duas gestões: Fernando Collor de Melo (1990- 1992) e Itamar Franco (1992-1994). O presidente Collor, especialmente, tentou desenvolver alterações institucionais importantes. Conseguiu instituir o Programa Nacional de Desestatização (Lei nº 8.031 de 1990) que estabelecia as linhas gerais dos procedimentos para a venda das empresas estatais; e criou o Ministério da Infraestrutura em abril de 1990 (Lei nº 8.028/90), que unificou os ministérios de Minas e Energia, Comunicações e Transportes (que passaram a constituir secretarias), mas não conseguiu que seu projeto de criar a Empresa Nacional de Suprimento de Energia Elétrica (ENSE) chegasse ao Congresso por ampla oposição das empresas do setor15. O Ministério de Infraestrutura foi extinto em maio de 1992 com a Lei nº8.422, criando novamente o Ministério de Minas e Energia (composto pela Secretaria Nacional de Minas e Metalurgia e a Secretaria Nacional de Energia), e os demais ministérios. A crise política do impeachment e situação crítica da economia marcaram o começo da administração de Itamar Franco, que adotou um discurso menos liberalizante, embora incentivasse medidas que favoreciam a participação do capital privado. Entre essas propostas destaca-se Sintrel, criado pelo Decreto nº 1.009, com o intuito de estimular a entrada dos produtores independentes de energia no sistema de geração. A proposta não teve sucesso pela falta de adesão das empresas estaduais de energia, proprietárias de uma parcela importante da rede de transmissão do país. As discussões sobre a privatização das empresas do setor, especialmente a Light e a Escelsa, e a divisão da Eletrobrás foram discutidas amplamente a partir de 1993, com a reticência de Itamar Franco.

Durante o governo Itamar Franco, o Ministério da Fazenda, normalmente periférico, vira participante destacado do regime e do processo decisório, dada a prioridade ao controle da inflação e à estabilidade da moeda, que reabilitou na economia nacional o poder de fixação do preço da tarifa de energia elétrica. Eliseu Resende (Ministro de Fazenda 1/03/1993 – 19/05/1993) foi o principal impulsor da Lei nº 8.631 de saneamento do setor. O ministro seguinte a ocupar a pasta, Fernando

15 A proposta de reforma institucional para o setor, que incluía a criação da nova empresa para controlar

a transmissão de energia, e o estímulo da concorrência no campo da geração por via de processos licitatórios para novas usinas, foi desenvolvida por um grupo de trabalho da então Secretaria Nacional de Energia, sob condução do engenheiro Armando Ribeiro Araújo.

Henrique Cardoso (19/05/1993 – 30/03/1994), conseguiu desenvolver e aplicar um plano de estabilização econômica (Plano Real) que teve sucesso no controle da inflação. “A conquista da estabilização contribuiu decisivamente para o fortalecimento da ampla coalizão política formada em torno da candidatura de Fernando Henrique Cardoso para sucessão do Presidente Itamar Franco” (DIAS e BARROS CACHAPUZ, 2006, p. 461).

O BNDES começa adquirir novas atribuições que o colocariam como ator central dentro do setor, especialmente após de ser designado gestor do Fundo Nacional de Desestatização do Programa Nacional de Desestatização (PND), criado pela Lei nº 8.031 de 1990. Porém, até 1994, a atuação do Banco foi severamente limitada pelas restrições impostas ao crédito às estatais, que ainda tinham presença majoritária no setor.

5.2.1.3 Capacidades materiais

O aspecto material do Regime no começo da década de 1990 pode ser caracterizado por três elementos: uma potência instalada de geração predominantemente hidroelétrica, a ampla primazia do capital estatal e a existência de maquinaria e equipamentos antiga (mais de dez anos). A capacidade instalada em 1995 totalizava 57.222 MW, e mais de 90% da geração provinha de hidroelétricas (um quinto do total provinha da parcela brasileira de Itaipu).

Tabela 1 Capacidade instalada de geração de energia elétrica por tipo de usina 1990-1995 (em MW)

1990 1991 1992 1993 1994 1995

UHE - Usinas Hidrelétricas* 45.558 46.616 47.709 48.591 49.921 51.367 UTE - Usinas Termelétricas 6.835 6.868 6.683 6.974 7.051 7.097 EOL - Usinas Eolioelétricas

UTN - Usinas Termonucleares 657 657 657 657 657 657

Capacidade Instalada Total 53.050 54.141 55.141 55.049 56.222 57.630

Fonte: Balanço Energético Nacional 2010 – Ano Base 2009

*Inclui a produção Pequenas Centrais Hidroelétricas – PCH e Centrais Geradoras Hidroelétricas -CGH

O Gráfico 1 mostra a evolução da capacidade instada por tipo de usina. As usinas de carvão, óleo combustível, óleo diesel e ainda bagaço de cana, eram

utilizadas na complementação dos sistemas em períodos hidrológicos desfavoráveis e para abastecimento de pontos isolados (DIAS e BARROS CACHAPUZ, 2006). O sistema elétrico estava segmentado em dois grandes sistemas interligados (Sul/Sudeste/Centro-Oeste e Norte/Nordeste), responsáveis pelo atendimento de 97% da demanda de energia elétrica do país, e em centenas de pequenos sistemas isolados, situados em sua maioria na região amazônica.

O Grupo Eletrobrás controlava 50,7% da capacidade instalada do sistema elétrico brasileiro. A situação de inadimplência, por outra parte, afetou diretamente a capacidade de investimento no setor, especialmente desse grupo. “O setor acumulara um estoque tão grande de dívidas e investimentos não realizados que, ao menos no curto prazo, a geração interna proporcionada pelas receitas tarifárias tornou-se insuficiente para financiar um novo ciclo de expansões”. (GOMES, ALBARCA, et al., 2002, p. 13). De fato, o crescimento anual nos quatro primeiros anos de 1990 sempre se manteve debaixo dos 2,5% (BRASIL, 2002)

Gráfico 1 Evolução da Capacidade instalada por tipo de usina 1990-1995 (em MW)

Fonte: Balanço Energético Nacional 2010 – Ano Base 2009