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6.2 Análise do processo decisório no Episódio 2

6.2.3 Medida Provisória nº 2.147 de maio de 2001 Gestão de crise energética

As ações governamentais para a gestão da crise de fornecimento de energia centram-se essencialmente na criação da Comissão de Gestão da Crise Energética, ou “Ministério do Apagão”, como ficou conhecido na época. Essa Comissão teve o poder de estabelecer medidas urgentes e ainda de declarar situação de calamidade pública. A situação de crise, com uma deadline imediata e a necessidade de adotar medidas urgentes, como os programas de incentivo à oferta de energia e contratos de energia emergencial dão conta de um processo muito volátil, com indicadores claros de Modelo III.

- Múltiplos atores com uma coordenação central. Na iminência da crise e ao longo dela, os atores com influência no processo decisório multiplicaram-se como é possível evidenciar na Figura 8. No começo da crise, o Presidente FHC posiciona-se como coordenador central, tentando-se afastar discursivamente das causas da crise mas movimentando recursos organizacionais e político para propor e analisar alternativas. A delegação de funções a uma entidade especializada estabelecida para resolver um problema específico é evidente na criação da entidade interministerial emergencial encarregada de gerir a crise energética: a Câmara de Gestão de Crise Energética, presidida pelo

ministro-chefe da Casa Civil e homem de confiança do presidente, Pedro Parente. A estrutura normal do processo decisório no setor elétrico é alterada completamente ante o vazio de poder das entidades recentemente criadas, como o ONS e o MAE, e passa a orbitar sobre atores não tradicionais no setor. Os conflitos em relação às propostas tentam ser resolvidos ao interior de grupos de trabalho coordenados pela GCE, quem também estabelece entidades dependentes encarregadas de tarefas específicas para a análise da situação crítica e a apresentação de propostas.

Figura 8 Mapa de posicionamento dos atores - Gestão da Crise Energética

- Diversos interesses individuais. O consenso em torno ao modelo

patrimonial para o setor começa ser questionado, especialmente pelas empresas estaduais e a oposição política ao presidente, enquanto o núcleo do GCE continua trabalhando sobre alternativas financiadas pela iniciativa privada.

- Conflitos visíveis, os atores barganham possíveis soluções. O consenso criado em torno à necessidade de incentivar investimentos de

particulares e reduzir o papel do Estado no SEB começa a se quebrar. As propostas específicas para a gestão da crise energética enfrentam diferentes níveis de oposição, como é visível na Figura 9. Surgem disputas evidentes no interior do Setor elétrico Governamental, especialmente na tentativa da GCE de desenvolver soluções rápidas para a expansão de energia e a oposição da ANEEL (pelas distorções na livre concorrência do mercado), o Ministério de Fazenda (pela indexação do gás importado, essencial para termelétricas e usinas emergenciais), o IBAMA (pelas demoras no licenciamento ambiental), a Petrobrás (pelos investimentos no setor termelétrico) e a ANP (pelo controle do mercado de gás). No setor elétrico em geral, a Copel e a Cemig (com Itamar Franco como principal expoente) lideravam a oposição às privatizações e a desverticalização das empresas, os grandes consumidores e as distribuidoras reclamavam alguma solução para as suas perdas pelo racionamento, e os investidores exigiam a redução dos riscos de investimentos para as termelétricas. Nesse contexto, as campanhas eleitorais foram essencialmente baseadas em críticas à gestão do presidente FHC.

Figura 9 Posicionamento dos atores respeito da política - Gestão de Crise Energética

- Agentes alheios tem influência decisiva. A gestão do setor elétrico deixa de ser função exclusiva do MME e passa a ser controlada pelo ministro- chefe da Casa Civil. O presidente do BNDES comanda a revisão institucional do setor elétrico, e o diretor da ANP consegue alterações de última hora nas portarias do MME, além de apresentar propostas para o

setor elétrico, com acesso prioritário ao processo decisório por seu relacionamento familiar com o Presidente FHC.

- Prazos superpostos: a urgência da crise soma-se à agenda das privatizações e o calendário eleitoral.

- Atenção difusa: atenção a problemas urgentes. Tanto na agenda do presidente quanto dos ministros e da mídia, a resolução da crise energética virou prioridade, porém as medidas eram elaboradas em consideração dos custos políticos em vistas ao ano eleitoral (2002) e a crise econômica.

- Atores acumulam funções e tarefas. Os membros da GCE acumulam suas funções nas suas organizações e as atribuições da Câmara para implementar medidas emergenciais, concentrando nela a gestão do setor de energia elétrica (MME), a atribuição de planejamento da expansão do sistema (ONS), a definição de tarifas de energia (Aneel), compra de energia a médio prazo (MAE) e o estabelecimento de prazos para licenciamento ambiental (Ibama)

- Descentralização. Primazia líderes individuais. As principais propostas para a gestão da crise resultaram da negociação entre o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, o ministro Pedro Parente (presidente da CGE), o diretor da ANP, David Zylbersztajn, o diretor da Aneel Mario Abdo, e o presidente do BNDES Castello Branco Neto.

6.2.4 Lei nº 10.438 de Abril de 2002 - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas

A ideia de um fundo específico para apoio a fontes de energia alternativas à hidroeletricidade cobra força no contexto da crise energética. As alternativas na hora da escolha respondiam à urgência. O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), que dá apoio a qualquer fonte de energia alternativa, não apenas energias renováveis, foi incluído na MP que listava uma série de medidas projetadas pela GCE que alteravam elementos centrais do recém instituído modelo do

setor elétrico. Os dados revelam existência de diferentes elementos que tornam difícil a classificação do modelo em um tipo exclusivo.

- Múltiplos atores com uma coordenação central. Por indicação do presidente, a GCE tinha capacidade de gerar qualquer tipo de proposta emergencial para resolver no curto prazo a situação crítica do setor elétrico. A GCE cria comissões especiais para gerar propostas às diferentes dimensões do problema.

- Objetivo estratégico claro e compartilhado: a dependência da hidroeletricidade era tida entre os atores do setor como uma das causas da crise. A diversificação das fontes utilizadas foi proposta como uma solução natural ao problema pela GCE, e aceita pelos atores do SEB. - Nenhuma influência de agentes alheios

- Prazos superpostos. A crise de fornecimento, hidrologia desfavorável em alguns setores do país, e as eleições nacionais, com candidatos fazendo campanha mencionando propostas de incentivo a fontes alternativas. - Atenção sequencial. Problema incorporado à agenda, sem ser

considerado de vital importância.

- Agenciamento e distribuição de tarefas e capacidades. A proposta surgiu do comitê de revisão institucional do SEB, coordenado pelo BNDES, no âmbito da Câmara de Gestão de Crise Energética.

- Descentralização funcional. Primazia da GCE. Consolidada sua função de coordenadora do setor elétrico, a Câmara deu conteúdo e forma à proposta.

6.3 Análise do processo decisório no Episódio 3

O último episódio analisado apresenta evidências de um processo decisório que oscila entre o atendimento às preferências estratégicas e uma dinâmica onde predomina o agenciamento dos problemas e a aplicação de procedimentos padronizados para obter as soluções.

Incialmente, o caráter racional é dado pela constituição de um grupo de políticos e acadêmicos com um consenso claro em torno à necessidade de alterar o modelo institucional do setor elétrico e nas diretrizes gerais que esse novo modelo devia ter. Uma vez iniciado o governo, esse grupo deixa de ser ator central no

processo decisório, abrindo espaço para que o Ministério de Minas e Energia, sob o comando de Dilma Rousseff, ativasse os mecanismos necessários para produzir uma proposta e conseguir que fosse aprovada como novo modelo institucional do setor elétrico. Em outras palavras, o problema foi agenciado pelo presidente e encaminhado para a organização cuja função era cuidar do setor elétrico.

O processo incluiu conflitos, especialmente depois da apresentação da primeira proposta em julho. Mas, em palavras da própria ministra “O governo tem uma posição que é a do ministério (de Minas e Energia), que encaminha um modelo que tem a autorização do presidente da República. Obviamente que esse modelo foi negociado pelo Ministério da Fazenda. Todas as demais questões são laterais e secundárias”16. Outros atores reafirmarão a primazia do ministério no controle do processo e o respeito pelas instituições e normas17.

França (2007) sugere nas suas conclusões que Dilma atuou como empreendedora de política pública. Os dados analisados nesta dissertação coincidem no reconhecimento do papel central da ministra no processo decisório, porém esse empreendedorismo possa ser mais bem explicado numa lógica organizacional, de um ministro cumprindo funções específicas do que numa dinâmica de barganha.