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2.1 A explicação da metáfora: o cemitério dos esquecidos

2.1.2 EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO PENAL DA LOUCURA NA

O Código Criminal do Império do Brasil, sancionado em 16 de dezembro de 1830, baseava-se puramente nos princípios da Escola Clássica do Direito Penal, segundo a qual a pena se fundamentava na noção do livre-arbítrio, visto que possuía caráter retributivo. Portanto, a existência da loucura colocava em xeque os fundamentos da doutrina clássica, razão pela qual não eram julgados criminosos aqueles que cometessem crimes sob o estado da loucura.65 Assim, o referido Código previa:

Art. 10. Tambem não se julgarão criminosos:

[...] 2º Os loucos de todo o genero, salvo se tiverem lucidos intervallos, e nelles commetterem o crime. [...]

Art. 12. Os loucos que tiverem commettido crimes, serão recolhidos ás casas para elles destinadas, ou entregues ás suas familias, como ao Juiz parecer mais conveniente.66

Quando da edição do Código Criminal do Império, ainda não se discutia no Brasil a possibilidade de existência de loucos sem delírio ou alucinação. Desta forma, a presença da lucidez no momento do cometimento do delito tornava o indivíduo automaticamente um criminoso e, portanto, passível de responsabilização penal. Entretanto, como ainda não existia a previsão legal da obrigatoriedade da presença dos peritos criminais nos julgamentos para diagnosticarem a doença mental, cabia ao magistrado formular um quesito referente à sanidade mental do réu, quando lhe fosse requerido, e o “exame” seria feito diante do júri, a quem cabia apreciá-lo para decisão.67

Em relação ao destino a ser dado aos doentes mentais que cometiam crimes, o Código previa que seriam recolhidos a casas a ele destinadas ou entregues a suas famílias, a depender

65 PERES, Maria Fernanda Tourinho; NERY FILHO, Antônio. A Doença Mental no Direito Penal Brasileiro:

Inimputabilidade, Irresponsabilidade, Periculosidade e Medida de Segurança. In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 9, nº 2, Rio de Janeiro: COC, p. 335-355, mai./ago. 2002, p. 336 et. seq.

66 BRASIL, Codigo Criminal do Imperio do Brazil, de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Codigo

Criminal. In: PLANALTO. Rio de Janeiro, 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em: 18 mai. 2017.

67 PERES, Maria Fernanda Tourinho; NERY FILHO, Antônio. A Doença Mental no Direito Penal Brasileiro:

Inimputabilidade, Irresponsabilidade, Periculosidade e Medida de Segurança. In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 9, nº 2, Rio de Janeiro: COC, p. 335-355, mai./ago. 2002, p. 337.

da decisão judicial. Assim, “tratava-se de uma medida humanitária – e, portanto, não de sanção – visto ser proibido julgarem-se os loucos, carecendo de mera providência policial e administrativa.”68 Como o primeiro Hospital Psiquiátrico do Brasil só viria a ser inaugurado

em 1852, o qual foi denominado Hospício Pedro II – conhecido como Hospício Nacional dos Alienados –, até então o destino dos loucos que cometessem crimes variava de acordo com sua situação social: eram justamente os pobres, que vagavam oferecendo “perigo” para a cidade, que deveriam ser controlados pela polícia e encaminhados para as prisões ou hospitais da Santa Casa.69

No final do século XIX, Teixeira Brandão fez diversas críticas a esse Código, argumentando que

o nosso código era falho, por só contemplar o ato criminoso do alienado [...]; por não prever um lugar para o perito-psiquiatra, para avaliação do estado mental do criminoso, o que dava ao juiz um poder excessivo; e por não existirem locais específicos para os loucos-criminosos.70

Com o fim do Império, o primeiro Código Penal da República foi promulgado em 1890 e trouxe consideráveis modificações no que diz respeito ao tratamento legal dos loucos criminosos.

Art. 7º Crime é a violação imputavel e culposa da lei penal. Art. 27. Não são criminosos:

[...] § 3º Os que por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem absolutamente incapazes de imputação;

§ 4º Os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de inteligência no acto de commetter o crime; [...].

Art. 29. Os individuos isentos de culpabilidade em resultado de affecção mental serão entregues a suas familias, ou recolhidos a hospitaes de alineados, si o seu estado mental assim exigir para segurança do publico.71

Deve-se ressaltar, primeiramente, que o crime passou a ser visto não só como um ato previsto em lei, mas recebeu mais um atributo, qual seja, o da imputabilidade. Desta feita, como não se pode imputar a conduta delituosa ao doente mental, ele também não pode ser considerado criminoso. Ademais, o novo Código determinava o local para o qual os loucos

68 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de Segurança e Direito Penal no Estado Democrático de Direito. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 33.

69 PERES, Maria Fernanda Tourinho; NERY FILHO, Antônio. A Doença Mental no Direito Penal Brasileiro:

Inimputabilidade, Irresponsabilidade, Periculosidade e Medida de Segurança. In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 9, nº 2, Rio de Janeiro: COC, p. 335-355, mai./ago. 2002, p. 337.

70 PERES, Maria Fernanda Tourinho; NERY FILHO, Antônio. A Doença Mental no Direito Penal Brasileiro:

Inimputabilidade, Irresponsabilidade, Periculosidade e Medida de Segurança. In: História, Ciências, Saúde Manguinhos, vol. 9, nº 2, Rio de Janeiro: COC, p. 335-355, mai./ago. 2002, p. 338.

71 BRASIL, Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Codigo Penal. In: CÂMARA DOS

DEPUTADOS. Rio de Janeiro, 1890. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaoorigin al-1-pe.html>. Acesso em: 19 mai. 2017.

criminosos deveriam ser enviados, caso não fossem entregues a suas famílias: o Hospital de Alienados. Portanto, “completamente fora do âmbito da sanção penal, era a estratégia alienista que deveria dar conta de seu destino”72. Tal previsão se justificava porque, à época, já havia

chegado ao Brasil a tendência segundo a qual a medicina mental funcionaria como âmbito de higiene e controle social. Assim, o procedimento previsto no artigo 29 era “definido como uma medida preventiva”73.

Neste período, juristas e psiquiatras discutiam acerca da existência da loucura moral ou degenerescência. Além disso, os peritos criminais passaram a fazer parte do cenário dos julgamentos, procurando se firmar e ocupar seu espaço, aumentando, inclusive, o poder da medicina mental. No entanto, os magistrados não aceitaram a presença deles com tanta facilidade, sobretudo porque muitos criminosos perigosos, que cometiam seus delitos com requintes de crueldade, eram absolvidos sob o argumento da insanidade trazido pelos psiquiatras. Nesta época, ainda não existia um modelo penal próprio para os loucos criminosos.

Muitas críticas foram tecidas em relação ao Código de 1890, tendo em vista que a expressão “loucos de todo gênero” – prevista no diploma legal de 1830 – foi substituída por “imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil” e, ainda, aqueles que se achavam “em estado de completa privação de sentidos e de inteligência”. Com a mudança, procurava-se delimitar a terminologia anterior, que era bastante vaga. Tal substituição, porém, teve efeito contrário àquele que era buscado, pois esse estado de completa privação dos sentidos e da inteligência acarreta a ausência da própria conduta, o que tornava impossível a ocorrência do crime; ademais, essa tese só poderia ser aplicada de forma adequada a um cadáver. Assim, esse dispositivo funcionaria, na prática, como um impeditivo para que os doentes mentais fossem absolvidos, pois fazia com que todos os loucos que não fossem portadores de imbecilidade nativa ou enfraquecimento senil tivessem de ser condenados. Também a expressão prevista no parágrafo 3º do artigo 27 foi alvo de críticas, pois o Código por um lado abarcava, além de doentes mentais, casos de delírio decorrente de febre alta, epilepsia, sonambulismo e até

72 PERES, Maria Fernanda Tourinho; NERY FILHO, Antônio. A Doença Mental no Direito Penal Brasileiro:

Inimputabilidade, Irresponsabilidade, Periculosidade e Medida de Segurança. In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 9, nº 2, Rio de Janeiro: COC, p. 335-355, mai./ago. 2002, p. 338.

73 PERES, Maria Fernanda Tourinho; NERY FILHO, Antônio. A Doença Mental no Direito Penal Brasileiro:

Inimputabilidade, Irresponsabilidade, Periculosidade e Medida de Segurança. In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 9, nº 2, Rio de Janeiro: COC, p. 335-355, mai./ago. 2002, p. 342.

embriaguez completa, e, por outro lado, deixava de abarcar a imbecilidade adquirida, o que fazia com que fosse possível a imputação do crime a alguns portadores de imbecilidade.74

Em 1903, foi publicado o Decreto nº 1132, conforme já mencionado neste trabalho, o qual disciplinava pela primeira vez a obrigatoriedade do recolhimento dos alienados criminosos em um estabelecimento ou seção a eles destinado. Esse estabelecimento era chamado de manicômio judiciário, no entanto, nesta época, ainda não havia previsão dessa instituição no Código Penal Brasileiro nem de qualquer tratamento penal específico para os doentes mentais que cometessem crimes. Apesar de diversos projetos terem sido realizados com a finalidade de adequar a legislação criminal aos avanços trazidos pela ciência, apenas com a promulgação do Código Penal de 1940 passou a existir a previsão da medida de segurança no ordenamento jurídico brasileiro.75 É importante observar alguns dispositivos

pertinentes do referido diploma legal:

Art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

Art. 14. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime (artigo 76, parágrafo único, e 94, n. III).

Art. 22. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Art. 27. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado (art. 76, parágrafo único).

Art. 76. A aplicação da medida de segurança pressupõe: I - a prática de fato previsto como crime;

II - a periculosidade do agente.

Parágrafo único. A medida de segurança é também aplicável nos casos dos arts. 14 e 27, se ocorre a condição do n. II.

Art. 77. Quando a periculosidade não é presumida por lei, deve ser reconhecido perigoso o indivíduo, se a sua personalidade e antecedentes, bem como os motivos e circunstâncias do crime autorizam a suposição de que venha ou torne a delinquir. Art. 78. Presumem-se perigosos:

74 PERES, Maria Fernanda Tourinho; NERY FILHO, Antônio. A Doença Mental no Direito Penal Brasileiro:

Inimputabilidade, Irresponsabilidade, Periculosidade e Medida de Segurança. In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 9, nº 2, Rio de Janeiro: COC, p. 335-355, mai./ago. 2002, p 339 et. seq.

75 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de Segurança e Direito Penal no Estado Democrático de Direito. São

I- aqueles que, nos termos do art. 22, são isentos de pena; II - os referidos no parágrafo único do artigo 22;

III - os condenados por crime cometido em estado de embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, se habitual a embriaguez;

IV - os reincidentes em crime doloso;

V - os condenados por crime que hajam cometido como filiados a associação, bando ou quadrilha de malfeitores.

Art. 79. A medida de segurança é imposta na sentença de condenação ou de absolvição.

Parágrafo único. Depois da sentença, a medida de segurança pode ser imposta: I - durante a execução da pena ou durante o tempo em que a ela se furte o condenado;

II - enquanto não decorrido tempo equivalente ao da duração mínima da medida de segurança, a indivíduo que, embora absolvido, a lei presume perigoso;

III - nos outros casos expressos em lei.

Art. 81. Não se revoga a medida de segurança pessoal, enquanto não se verifica, mediante exame do indivíduo, que este deixou de ser perigoso. [...]

Art. 88. As medidas de segurança dividem-se em patrimoniais e pessoais. A interdição de estabelecimento ou de sede de sociedade ou associação e o confisco são as medidas da primeira espécie; as da segunda espécie subdividem-se em detentivas ou não detentivas.

§ 1º São medidas detentivas:

I - internação em manicômio judiciário;

II - internação em casa de custódia e tratamento;

III - a internação em colônia agrícola ou em instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional.

§ 2º São medidas não detentivas: I - a liberdade vigiada;

II - a proibição de frequentar determinados lugares; III - o exílio local.76 (grifos nossos)

No novo Código, a loucura não significava apenas um déficit no entendimento, pois, para determinar a inimputabilidade, era adotado o critério biopsicológico, segundo o qual no delito se insere um momento intelectivo, que se associa com a capacidade de entender o que se passa, bem como um momento volitivo, que está relacionado com a ideia de determinação.77 Assim, não basta que, ao tempo do crime, o indivíduo seja possua alguma

doença mental (critério biológico), mas é necessário comprovar que a existência desse distúrbio afetou a capacidade de entendimento do caráter ilícito do fato ou de autodeterminação (critério psicológico). É possível perceber, portanto, que o novo Código representava um momento de transição, pois tentava conciliar a doutrina clássica, pautada na livre vontade, com a ideia trazida pelos alienistas e antropólogos do século XIX, segundo a

76 BRASIL, Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. In: CÂMARA DOS DEPUTADOS.

Rio de Janeiro, 1940. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-2848-7-dezembro-1940-412868-publicacaoo riginal-1-pe.html>. Acesso em: 20 mai. 2017.

77 PERES, Maria Fernanda Tourinho; NERY FILHO, Antônio. A Doença Mental no Direito Penal Brasileiro:

Inimputabilidade, Irresponsabilidade, Periculosidade e Medida de Segurança. In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 9, nº 2, Rio de Janeiro: COC, p. 335-355, mai./ago. 2002, p. 343.

qual era possível que um crime fosse determinado por causas biológicas, devido à presença de doença mental.

A partir da leitura dos dispositivos legais, salta aos olhos uma característica bastante marcante em relação à medida de segurança: a periculosidade, que passa a ser um pressuposto para a aplicação do instituto. De acordo com o texto da lei, “o agente era presumido como periculoso (art. 78), enumerando a norma situações em que obrigatória constituía a aplicação da medida de tratamento, pouco importando se presente a prévia prática delituosa”78. Dessa

forma, por ser a periculosidade presumida por lei, dispensava-se, inclusive, a ocorrência de crime para a aplicação da medida de segurança. A participação impunível, “o crime impossível e a tentativa inadequada, embora não sejam fatos criminosos, poderiam ser considerados indícios de periculosidade.”79

Segundo a letra da lei, presumia-se que os doentes mentais – além de outros indivíduos previstos no artigo 78 – eram perigosos e só poderiam ter revogada sua medida de segurança quando deixassem de sê-lo. Outra consequência desta presunção era o fato de que o juízo de periculosidade era feito pelo próprio juiz, não sendo necessária a presença de um profissional especializado80, apesar de os alienistas lutarem cada vez mais por seu espaço nos

tribunais.

Importante destacar que no Código de 1940 vigia o sistema duplo binário, em que a medida de segurança era normatizada ao lado da pena, “tendo ora o fim de complementá-la, quando relacionada aos responsáveis, ora o objetivo de substituí-la, quando da aplicação aos irresponsáveis”81. Era possível, portanto, a aplicação da pena e da medida de segurança para

um mesmo indivíduo. Esse sistema só viria a ser substituído pelo vicariante com a reforma do Código Penal ocorrida em 11/07/1984, com o advento da Lei nº 7.209, que alterou substancialmente a parte geral do diploma criminal. A partir de sua vigência, não era mais possível aplicar a medida de segurança e a pena concomitantemente. Ademais, a medida de segurança sofreu outras consideráveis modificações:

78 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de Segurança e Direito Penal no Estado Democrático de Direito. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 35.

79 PERES, Maria Fernanda Tourinho; NERY FILHO, Antônio. A Doença Mental no Direito Penal Brasileiro:

Inimputabilidade, Irresponsabilidade, Periculosidade e Medida de Segurança. In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 9, nº 2, Rio de Janeiro: COC, p. 335-355, mai./ago. 2002, p. 350.

80 PERES, Maria Fernanda Tourinho; NERY FILHO, Antônio. A Doença Mental no Direito Penal Brasileiro:

Inimputabilidade, Irresponsabilidade, Periculosidade e Medida de Segurança. In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 9, nº 2, Rio de Janeiro: COC, p. 335-355, mai./ago. 2002, p. 351.

81 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de Segurança e Direito Penal no Estado Democrático de Direito. São

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Art. 96. As medidas de segurança são:

I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;

II - sujeição a tratamento ambulatorial.

Parágrafo único - Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.

Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. § 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade.

§ 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos. Art. 99 - O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento.82

Uma grande mudança no sistema da medida de segurança diz respeito às suas espécies, pois atualmente só existem duas, quais sejam: a) internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou em outro estabelecimento adequado; b) sujeição a tratamento ambulatorial. A escolha por uma ou outra espécie é regida pelo artigo 97, caput, que torna regra a aplicação da internação, prevendo a possibilidade de aplicação do tratamento ambulatorial apenas para os casos em que o crime é punido com pena de detenção. Tal previsão, no entanto, é totalmente inadequada, mas vem sendo interpretada de forma mais branda pela jurisprudência, que será apresentada mais adiante.

Outro ponto que merece ser destacado é o que diz respeito à duração indeterminada da medida de segurança, que perdurará até que tenha cessado a periculosidade, o que será verificado mediante perícia médica. Devido a esta previsão – e a muitos outros pontos que serão ressaltados ao longo deste trabalho –, a medida de segurança se apresenta como um instituto altamente contraditório, repleto de problemas, sendo importante destacar, por ora,

82 BRASIL, Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro

de 1940 - Código Penal, e dá outras providências. In: PLANALTO. Brasília, 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L7209.htm>. Acesso em: 20 mai. 2017.

que diversos pacientes permanecem internados por bem mais tempo do que ficariam submetidos ao sistema penal se tivessem sido condenados e mandados a uma penitenciária comum. Durante a pesquisa, foram encontrados casos de pessoas que foram internadas no centro psiquiátrico judiciário – e lá permaneceram por anos – por terem cometido condutas tipificadas como desacato, furto, ameaça, as quais dificilmente manteriam preso alguém considerado “normal”. Outros pacientes, por sua vez, continuam na medida de segurança até o fim de suas vidas, porque não têm sua periculosidade cessada. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já possuem diversas decisões no sentido de determinar os limites máximos da medida de segurança, conforme veremos adiante.

Apesar de não haver mais no Código a previsão expressa da presunção de periculosidade e desta como requisito para a aplicação da medida de segurança, a partir da leitura do artigo 97, § 1º, pode-se perceber que ainda se fazem presentes, tendo em vista que a desinternação está subordinada à verificação da cessação da periculosidade, de onde se extrai