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2.1 SER OU ESTAR VELHO/A? O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO E AS

2.1.1 Evolução dos estudos sobre o Envelhecimento

É especialmente a partir do século XX que as teorizações sobre o envelhecimento despontam como campo do conhecimento resultando em conceitos, definições e reflexões sobre o envelhecer. Mais precisamente nos últimos 50 anos surgiram as primeiras teorias universalizantes e generalistas sobre o processo de envelhecimento que têm como mérito terem se constituído no primeiro grande esforço de sistematizar o conhecimento na área, dentre elas a Teoria do Desengajamento (Cumming & Henry, 1961).

Esse capítulo visa discutir a evolução dos estudos sobre envelhecimento, bem como apresentar e discutir os principais conceitos e definições sobre o processo de envelhecer. Como o envelhecimento é uma construção social, apresenta-se, também, uma seção sobre as representações e ressignificações em torno do envelhecimento, onde se destacam algumas interlocuções com o constructo de gênero. Dentre as diversas teorias sobre envelhecimento ao final da seção destaca-se a teoria do desengajamento em função de ser uma teoria gerontológica que alia os três temas de interesse nesta tese: envelhecimento, gênero e mercado de trabalho.

2.1.1 Evolução dos estudos sobre o Envelhecimento

Ao analisar estudos e teorias sobre envelhecimento anteriores ao século XX, Hendricks e Achenbaum (1999) consideram três aspectos gerais comuns à maioria e que constituem os fundamentos da construção das teorias gerontológicas modernas:

1) A maioria dos modelos de envelhecimento refletiam visões de mundo de uma dada sociedade; poucas teorias gerontológicas foram criadas a partir de um raciocínio indutivo;

2) Como a tradição é muito importante, sucessivas gerações frequentemente retrabalharam explicações sobre envelhecimento, adaptando-as para fazerem sentido em novos contextos históricos;

3) Os fatos costumam se repetir, mas conexões entre aspectos do envelhecimento e normas societais costumam ser idiossincráticos e não compartilhados amplamente.

A ênfase gradual nas formas de conhecimento positivistas na Europa Ocidental a partir da Alta Idade Média e do Renascimento influenciou o cenário da construção das teorias sobre envelhecimento. A combinação entre observação e quantificação tornou possível discernir e medir uniformidades em diversos domínios do conhecimento (Hendricks & Achenbaum, 1999).

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O aprofundamento dos estudos no século XX foi reflexo de anos de interesse do ser humano sobre o tema, incentivado, também, pelo crescimento da expectativa de vida e do consequente aumento no número de pessoas mais velhas em todo o mundo que incorreu em uma série de transformações sociais, todos esses fatores levaram ao desenvolvimento da teorização e da pesquisa neste campo do conhecimento (Netto, 2002; Camarano & Pasinato, 2008). Conforme ressalta Tibbitts (1963), a gerontologia tem sua origem no bojo dos estudos da biologia e, posteriormente, da psicologia. Os cientistas começaram a se interessar, primeiramente, pelos efeitos do tempo ou do envelhecimento em animais de vida curta e, gradualmente, foram transferindo sua atenção ao processo de envelhecimento em seres humanos.

Foi no início do século XX, em 1903, que Elie Metchnikoff (1845-1916) defendeu a criação de uma nova especialidade, a gerontologia, nome cuja origem vem de gero (velhice) e

logia (estudo). Ele propunha um campo de investigação que se dedicasse ao estudo exclusivo

do envelhecimento, da velhice e dos/as idosos/as (Netto, 2002). Metchnikoff concebia a fase mais avançada da vida como, ao mesmo tempo, um período de continuação do crescimento e desenvolvimento bem como de declínio (Hendricks e Achenbaum, 1999).

Em 1909, outra importante figura influenciou o campo de estudo sobre envelhecimento, agora na área da Medicina. Ignatz L. Nascher (1863-1944) denominou de geriatria o campo de estudo que visava tratar das doenças dos/as idosos/as e da própria velhice. Em função disto, é considerado o pai da geriatria (Netto, 2002). O nome dado ao novo campo de estudo é um neologismo por analogia com Pediatria, que é o estudo clínico da infância enquanto a nova área se dedicaria ao estudo clínico da velhice (Neri, 2005).

Nascher nasceu em Viena – na época importante centro de estudos sobre a velhice – e mudou-se, ainda criança, para Nova Iorque (EUA), onde estudou Medicina. Beauvoir (1990) narra que ao visitar um asilo de velhos nos EUA, Nascher presenciou uma senhora queixar-se sobre sua saúde a seu professor, ao que ele respondeu que o problema seria a idade avançada e que nada se poderia fazer. Após, Nascher visitou um asilo em sua cidade natal e lá observou os velhos em melhor situação devido aos cuidados dos médicos. Nascher teria ficado tão impressionado com essa situação que criou o ramo da medicina que batizou de geriatria. Em 1912 fundou a Sociedade de Geriatria de Nova Iorque e a partir de então elaborou importantes publicações sobre o tema (Beauvoir, 1990).

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Tanto Nascher quanto Metchnikoff tiveram dificuldades para disseminar suas novas ideias entre os médicos dada a cultura dominante na época, o que os levou a crer que as fronteiras do seu campo de conhecimento eram impenetráveis (Netto, 2002). Assim, o campo de estudo foi se consolidando lentamente.

Além de Metchnikoff e Nascher destacou-se, também, o trabalho realizado pelo psicólogo G. Stanley Hall (1844-1924) que, em 1922, publicou o Senescence: the last half of life em que argumenta que a velhice não é o reverso da adolescência, propondo a existência de variações individuais independentes das diferenças etárias. Foi considerada a obra mais completa publicada por um cientista social até então, porém teve pequena repercussão na época (Netto, 2002; Neri, 2005).

A partir de 1930 começaram a ser desenvolvidas pesquisas sobre a velhice na biologia, na psicologia e na sociologia. Além dos EUA outros países também se destacaram nos estudos sobre o tema neste período: Ucrânia, França, Alemanha e Inglaterra.

Para Hareven (1999), o interesse no significado do envelhecimento no começo do século vinte estava relacionado a questões sobre os limites da utilidade e eficiência no trabalho que acompanhavam a industrialização e a modernização das fábricas, além do movimento por proteção social para os/as idosos/as.

Os cientistas sociais ingressaram no campo de estudos sobre envelhecimento a partir da década de 1940. Começam, então, a serem discutidos temas como adaptação à sociedade e aposentadoria, envelhecimento e família, envelhecimento e emprego e, ainda, envelhecimento e sua relação com outras instituições sociais. A partir de então, começam os estudos e pesquisas em Universidades americanas e um aumento da participação dos cientistas sociais nas discussões sobre o tema (Tibbitts, 1963).

A Gerontologia é, hoje, um campo interdisciplinar e de interesse para várias áreas (Doll et al., 2007). Embora envolva muitas disciplinas, a ênfase principal recai sobre a biologia, a psicologia e as ciências sociais (Beauvoir, 1990; Neri, 2005). No entanto, Beauvoir (1990) ressalta que em todas as suas ênfases segue sendo fiel ao posicionamento positivista, preocupando-se em descrever sinteticamente e com a maior exatidão possível suas manifestações, ao invés de buscar explicar porque os fenômenos se produzem. Em seu livro - ressalta-se que escrito em 1970 - critica que nos estudos sobre psicologia da velhice os gerontologistas adotam os mesmos métodos que os utilizados na fisiologia, tratando o indivíduo do ponto de vista do exterior.

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Uma área específica dentro do campo de estudos da Gerontologia é a Gerontologia Social. Este termo foi usado pela primeira vez em 1954 por Clark Tibbitts para descrever a área que se ocupa das condições sociais e socioculturais do processo de envelhecimento e suas consequências sociais (Neri, 2005). Conforme o próprio Tibbitts (1963), sendo um campo mais específico, a gerontologia social está preocupada com mudanças nas características sociais e nas circunstâncias, no status e nos papéis dos indivíduos referente à segunda metade do ciclo de vida. Preocupa-se, também, com a natureza e os processos de adaptação, o desenvolvimento da personalidade e saúde mental do indivíduo que envelhece, bem como busca entender como os processos biológicos e psicobiológicos do envelhecimento influenciam a capacidade de relacionar-se e o desempenho na medida em que o indivíduo envelhece. Em segundo lugar, a gerontologia social procura compreender o papel do meio ambiente, da cultura e das mudanças sociais como determinantes5 do processo de envelhecimento, do comportamento e da posição dos/as idosos/as na sociedade. Além disto, dedica-se a investigar o comportamento dos/as idosos/as como grupos e, de forma geral, sua influência sobre os valores sociais e instituições e, também, sobre a organização econômica, política e social. Assim, conforme o exposto por Tibbitts pode-se considerar que temas como trabalho e mercado de trabalho passam a despertar interesse dos cientistas sociais.

Já o campo de estudo fundado por Nascher – a Geriatria – compreende, hoje, a prevenção e o manejo das doenças do envelhecimento. É uma especialidade em Medicina, Odontologia, Enfermagem e Fisioterapia e se desenvolve cada vez mais, na medida em que aumenta a população que demanda estes cuidados, ou seja, adultos mais velhos e idosos/as portadores de doenças crônicas e aquelas típicas da velhice (Neri, 2005).

As primeiras tentativas de sistematização do conhecimento em gerontologia, ou seja, as chamadas teorias gerontológicas de base sociológica da primeira geração vão se dar aproximadamente nos anos 1940 e 1970, sendo que a unidade de análise preconizada primordialmente foi o indivíduo (Siqueira, 2002). Apesar das teorias desta geração focarem primordialmente o indivíduo, é importante ressaltar a grande importância conferida à sociedade na teoria do desengajamento (Lynott & Lynott, 1996) que será melhor discutida posteriormente.

5 O autor usa a palavra ‘determinantes’, porém como estamos falando em pessoas, acredita-se que seja mais

adequado falar em ‘fatores que influenciam’ para não pressupor um determinismo social, ideia da qual não se partilha neste trabalho.

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Mais recentemente, nos anos 1980 e 1990, surgiram novos temas impulsionados pelas necessidades sociais associadas ao envelhecimento populacional e à longevidade, como por exemplo, o cuidado de pessoas idosas dependentes por seus familiares, os custos dos sistemas de saúde e previdenciário, a necessidade de formação de recursos humanos para trabalhar com pessoas idosas além das discussões em torno da oferta de oportunidade educacionais e profissionais para pessoas idosas e pessoas de meia-idade. No campo da Medicina as demandas sociais pressionam no sentido de buscar explicações para as mudanças da velhice e por retardar ou reverter seus efeitos (Neri, 2005). Importa salientar, no entanto, que o constructo de gênero não representa um tema eminente neste campo de estudo durante a consolidação da área, apesar de ser tangenciado em algumas teorias gerontológicas, como a do desengajamento.

Porém, a partir do final daquele século o campo de estudos passou a enfrentar um momento de desvalorização de teorias que se pretendiam universais sobre o processo de envelhecimento. Neste contexto, foram feitas críticas de que havia muitas teorias e pouca intervenção no campo do envelhecimento, além do que o desencantamento pelas teorias generalizantes acabou ocasionando uma desvalorização de qualquer teoria nesta área. Desta forma, Bengtson, Rice e Johnson (1999) consideram que, nas últimas décadas do século XX, os pesquisadores em gerontologia parecem ter abandonado o interesse em construir teorias sobre o envelhecimento. Atribuem o enfraquecimento da teorização sobre aspectos relacionados ao envelhecimento ao fortalecimento das prerrogativas do pós-modernismo como o relativismo e o subjetivismo, que levaram ao questionamento da relevância da elaboração de teorias generalizantes, e isto incluiu as teorias gerontológicas.

Antes de discutir a teoria do desengajamento interessa apresentar os principais conceitos e definições acerca do processo de envelhecimento e discutir suas ressignificações que acompanharam a evolução dos estudos no campo.