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Representações e Ressignificação em torno do Envelhecimento

2.1 SER OU ESTAR VELHO/A? O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO E AS

2.1.3 Representações e Ressignificação em torno do Envelhecimento

A representação social da pessoa envelhecida passou por uma série de modificações ao longo do tempo uma vez que as mudanças demográficas e sociais pressionavam para a criação de políticas sociais para a velhice que, por sua vez, requeriam a criação de categorias classificatórias adaptadas a cada nova condição capaz de construir o objeto ‘velho’ (Peixoto, 1998).

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Falcão e Dias (2006) reconhecem que, por muito tempo, foi propagada uma imagem exclusivamente negativa sobre o envelhecimento humano por teóricos, pesquisadores e pela sociedade voltada para a busca da juventude. No entanto, existem diversas concepções a respeito desta experiência, pois cada indivíduo envelhece de maneira diferente.

É no final do século XIX que, nos Estados Unidos, reconhecem-se as idades avançadas como etapas distintas da vida, passando de uma aceitação da velhice como processo natural a uma visão dela como um período distinto da vida caracterizado pelo declínio, fraqueza e obsolescência. A idade avançada, vista anteriormente como manifestação da sobrevivência do mais forte, passava a ser rebaixada como condição de dependência e deterioração, pressuposto que vigorava no início das teorizações sobre o tema no campo sociológico. A convergência do volume crescente da literatura gerontológica no decorrer da trajetória científica na área, a proliferação de estereótipos negativos sobre os/as velhos/as e o estabelecimento da aposentadoria compulsória representam os primeiros movimentos de uma formulação pública e institucional da “velhice” enquanto um estágio distinto (Hareven, 1999).

Desta visão pejorativa decorrem as práticas de negação do envelhecimento. Beauvoir (1990) falava em uma conspiração do silêncio da sociedade para com os/as idosos/as, ou seja, fora das especialidades médicas, não se discutia o assunto. Quanto a um maior número de publicações em uma diversidade de áreas, conforme evidenciam as pesquisas de Prado e Sayd (2004a; 2004b) e a pesquisa bibliográfica de Siqueira, Botelho e Coelho (2002) tem havido um interesse crescente pelo tema, além de estar se consolidando um melhor entendimento da complexidade que envolve por constituir-se de aspectos comuns à espécie e particularidades de cada indivíduo, porém há outras formas de silenciar o tema. Se antes havia uma conspiração do silêncio por não se falar do assunto, hoje poder-se-ia avaliar o que Figueiredo e Cavedon (2009) chamam de invisibilidade dos/as idosos/as. Em uma organização analisada pelas autoras – Centro Comercial em Porto Alegre/RS – ignora-se sistematicamente o potencial consumidor e as mudanças demográficas e culturais que os/as frequentadores/as mais velhos/as representam. Sua invisibilidade no contexto organizacional é decorrente das significações negativas e estigmatizantes atribuídas à velhice e que configuram as hierarquias de poder simbólico entre os indivíduos na sociedade. Assim, nota-se que as relações sociais das quais este público participa ainda são marcadas pelo preconceito e indiferença.

Até os anos 1960, no Brasil, o termo que se referia à pessoa envelhecida era ‘velho’, vocábulo empregado de maneira geral e que não possuía, essencialmente, um caráter pejorativo, embora pudesse carregar ambiguidades pelo uso tanto afetivo como pejorativo

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determinado pela entonação da voz de quem o proferia. A partir deste período e por reflexo do uso que o termo adquiria nos países europeus, tende-se, no Brasil, a adotar o termo idoso/a, este com tom mais respeitoso, enquanto o ‘velho’ passa a ser utilizado cada vez mais com conotação negativa para referir-se especialmente aqueles de classes populares que apresentam mais nitidamente os traços do envelhecimento e da decrepitude (Peixoto, 1998).

Neste sentido, idoso/a passa a simbolizar as pessoas mais velhas, “os velhos respeitados” enquanto terceira idade designa principalmente os “jovens velhos”, os/as aposentados/as dinâmicos, estes últimos não por acaso entendidos cada vez mais como potencial econômico para um novo mercado: turismo, produtos de beleza e alimentares, demandantes de geriatras e gerontólogos (Peixoto, 1998). E, assim, de invisibilizados (Beauvoir, 1990; Figueiredo & Cavedon, 2009) os velhos passam a ser vistos como problema social e entram, cada vez mais, para a agenda de políticas públicas desenhando-se, a partir de então, novas definições da velhice e do envelhecimento que ganham dimensão com a expressão terceira idade. Interessante que uma nova imagem do envelhecimento é construída e adjetivada a partir de um trabalho de categorização, acompanhado de um novo vocabulário que se opõe ao antigo no tratamento aos mais velhos: terceira idade X velhice; aposentadoria ativa X aposentadoria passiva; centro residencial X asilo; animador X assistente social, entre outras (Debert, 1999).

O aumento do interesse pelo tema do envelhecimento vem acompanhado de uma série de adjetivações ao fenômeno, como envelhecimento bem sucedido, envelhecimento ativo, envelhecimento positivo e envelhecimento produtivo. Estas denominações começaram a surgir por volta dos anos 1960 para definir o processo de adaptação do indivíduo à velhice procurando adequar as capacidades do indivíduo às exigências do ambiente. É importante lembrar que tais conceitos têm inspiração muito antiga, porém ganham destaque mais recentemente relacionados à ideia de que o indivíduo tenha o poder de construir uma imagem positiva da velhice e do processo de envelhecimento (Yaso & Netto, 2009).

Expressões como envelhecimento produtivo ou bem sucedido têm sido utilizadas para significar um determinado estilo de vida de tendência crescente. Para Kalache (2008), os/as idosos/as estão promovendo e organizando formas de viver que permitam sua participação ativa na economia e na sociedade, de modo a assegurar que sejam considerados mais contribuintes do que dependentes. Esta maior participação social tem, conforme o autor, o benefício adicional de contribuir para melhorar a sua própria saúde e bem-estar e preservar a independência.

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Debert (1999) questiona a ressignificação da velhice que não necessariamente significa que a conspiração do silêncio tenha sido superada ou que não siga havendo práticas de invisibilizar os/as mais velhos/as na sociedade e no mundo organizacional. Em muitos casos a ressignificação pode significar, inclusive, novas formas de preconceitos e discriminações que pesam sobre a pessoa trabalhadora mais velha.

Nas últimas duas décadas surgiram importantes documentos que se propuseram a discutir a (nova) situação dos/as idosos/as considerando os pressupostos do envelhecimento ativo dentre os quais aspectos relacionados ao trabalho e ao mercado de trabalho. Entre estas diretrizes estão, no âmbito internacional, o Plano Internacional de Ação sobre o Envelhecimento promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e adotado por ocasião da segunda assembleia mundial sobre envelhecimento realizada na cidade de Madri em 2002.

A declaração promovida pela ONU (2002) é o primeiro compromisso internacional que reconhece especificamente o potencial dos/as idosos/as de contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Reconhece que as pessoas que envelhecem devem ter direito à autorrealização, saúde, seguridade e participação ativa na vida econômica, social, cultural e política de suas sociedades (Kalache, 2008). Ao lado das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) este documento da ONU aponta políticas e ações a serem propostas pelas organizações quanto à necessidade de atualização dos/as trabalhadores/as mais velhos/as, da flexibilização de horários de trabalho, da redução do preconceito quanto à idade (ageism) e harmonia nas equipes intergeracionais, bem como o incentivo a programas de preparação para aposentadoria para aqueles que desejam ou precisam sair do mundo do trabalho (França & Soares, 2009).

É necessário chamar a atenção que apesar dos debates sobre o envelhecimento populacional estarem ganhando força desde a segunda metade do século XX, foi apenas em 2002 que surgiu um documento de âmbito internacional que impõe compromissos aos países signatários em relação ao envelhecimento e que reconhece explicitamente, a importância deste contingente populacional na participação econômica e política.

Essa concepção recente de empoderamento dos mais velhos está em consonância com o que Debert (1999, p. 63) considera como inversão dos signos do envelhecimento para assumir diferentes designações: “nova juventude”, “idade do lazer”, assim como expressões imbuídas de significado positivo como “melhor idade”, no Brasil. O mesmo ocorre com a

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aposentadoria que cada vez mais deixa de ser vista como o retorno aos aposentos e, portanto, tempo de descanso e recolhimento para tornar-se um período de atividade, lazer e realização pessoal (Debert, 1999).

Além disto, a tendência atual é rever os estereótipos associados ao processo de envelhecimento. O foco nas perdas vem sendo substituído ou, no mínimo, alinhado a considerações de que as etapas ulteriores da vida são momentos propícios para novas conquistas e busca de prazer e satisfação pessoal, além da possibilidade de estabelecer relações entre o “mundo dos mais jovens e dos mais velhos”, ou seja, as relações intergeracionais (Debert, 1999, p. 14).

Esses novos discursos sobre envelhecimento são ao mesmo tempo reflexo das mudanças sociais, porém devem ser entendidos como parte constitutiva dessas mesmas mudanças, pois contribui para acelerar e direcionar processos na medida em que opera reclassificações que por sua vez redefinem formas de gestão do envelhecimento. Confirma-se, assim, que a velhice e o envelhecimento são construções sociais (Debert, 1999).

Seja com uma abordagem mais positiva ou pejorativa sobre o envelhecimento, a hipótese de que a velhice seja uma experiência homogênea esteve no cerne do surgimento da Gerontologia. Os primeiros estudos pressupunham que os problemas e peculiaridades desta fase da vida seriam tão prementes e semelhantes que seriam capazes de neutralizar os diferenciais de gênero. A tendência era considerar que a androginia caracterizaria as etapas mais avançadas da vida e que papéis sociais, valores e atitudes considerados tipicamente masculinos ou femininos tenderiam a se misturar com o envelhecimento. Ou, ainda, que o envelhecimento envolveria a masculinização das mulheres e feminização dos homens levando a uma normalização unissex da idade avançada (Debert, 1999).

Com o avanço das discussões sobre gênero e envelhecimento, conforme Debert (1999), é forte a tendência de se tomar uma posição binária como um dado, um estado da natureza, uma condição biológica e cultural que remete a uma identidade feminina tida como específica e exclusiva do gênero, sem considerar os demais aspectos de diferenciação ao longo da vida. No outro extremo, é grande o risco de, a exemplo das primeiras teorias gerontológicas, considerar a velhice como universal, genérica, natural e imutável para homens e mulheres. Para a autora, não se trata de dizer se homens ou mulheres se adaptariam melhor à velhice, pois ambos estão frente a diferentes formas de preconceitos e discriminação, como será discutido ao longo dessa tese.

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Não é à toa que Barros (1998, p.7) inicia seu livro com a reflexão: “a velhice assusta”. Apesar da ressignificação do envelhecimento caminhar no sentido de novos simbolismos associados ao envelhecer masculino e feminino, a certeza da finitude e a associação quase direta entre velhice e morte não deixa de existir para homens e mulheres, embora se realize de formas distintas conforme culturas e épocas. Conforme ela, a velhice incomoda por sua inexorabilidade independente de todas as tentativas de evitá-la ou adiá-la e, assim, driblar também a morte. Este é o caso de todo o saber em torno das ações anti-aging ou de rejuvenescimento.

Para refletir sobre envelhecimento, Teixeira (2006) considera a influência dos fenômenos típicos da atualidade, como as novas formas de comunicação de massa, o aumento da alfabetização, a imprensa, etc. Para a autora, hoje, além de se perguntar o que é envelhecimento, a sociedade se pergunta, também, sobre rejuvenescimento, aquele que, conforme ela, ao mesmo tempo nos serve e nos escraviza.

Nas representações sociais sobre rejuvenescimento, Teixeira (2006) considera que a mídia aborda as questões de envelhecimento e possibilidade de rejuvenescimento de forma parcial, pois se direcionam àquelas formas de rejuvenescimento nas quais se pretende prolongar a aparência jovem. Em sua opinião, a ênfase está em não aparentar ser velho, em retardar ao máximo os traços que tipificam em envelhecimento enquanto, sugere a autora, poderia estar na ênfase em comportamentos saudáveis ao longo do curso da vida do indivíduo. Por isto, para Doll (2006), discutir o tema sob a perspectiva das próprias pessoas idosas pode desafiar o discurso gerontológico sobre o bem-estar psicossocial na velhice e desfazer a ideia de mitos e verdades neste campo.

Importa mencionar, no entanto, que tanto a forma como se interpretam ou se aplicam os pressupostos do envelhecimento ativo e das ações anti-aging entre os novos modos de ser e agir dos/as mais velhos/as inaugurados pela “nova velhice” por um lado dão maior visibilidade aos/as mais velhos/as, porém, por outro lado, podem funcionar como formas de opressão no momento em que pretendem que um grupo heterogêneo transforme-se em homogêneo. Passa-se a assumir a existência dos/as mais velhos/as, deixam invisíveis e silenciados os indivíduos que operam em outras lógicas de ser e agir. Na sociedade contemporânea vigora a exacerbação da busca pelo corpo são, saudável e sexualizado que atende aos pressupostos do envelhecimento bem-sucedido, produtivo e ativo, funcionando como prisões para os próprios sujeitos (Debert, 1999; Teixeira, 2006; Doll, 2006).

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A seguir será discutida a teoria do desengajamento, uma teoria gerontológica de base sociológica que evidencia o peso do social nas representações de gênero e envelhecimento. Apesar desta teoria ser marcada no tempo e no espaço em que foi desenvolvida apresenta potencial explicativo e de diagnóstico das tramas sociais no mercado de trabalho que entrelaçam-se com o gênero e com o envelhecimento.