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4. A regulação da indústria do gás natural

4.1 A realidade americana

4.3.1 Evolução histórica

A empresa British Gas (BG) foi criada em 1972 sob a alçada do Gas Act, como o culminar de um processo complexo de descentralização da indústria do carvão e da criação de um monopólio público para o fornecimento de gás natural, através de uma empresa verticalmente integrada que geria toda a infra-estrutura de produção, transporte e distribuição e ainda os contratos de take-or-pay para o fornecimento de gás no mercado grossista.

No início da década de 80, o Partido Conservador iniciou um programa de liberalização com o objectivo de introduzir concorrência no sector do gás e do petróleo. Este diploma separou as actividades de produção da BG, que foram privatizadas em 1984, aboliu o monopólio de compra de gás e permitiu ainda estabelecer um regime de acesso às infra- estruturas da empresa através de negociação entre a BG e a entidade entrante. Assim, este diploma promoveu a concorrência ao possibilitar a entrada de novas empresas no mercado

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desde que estas construíssem a sua infra-estrutura ou acedessem às da BG. No entanto, esta primeira tentativa ficou aquém das expectativas já que em nada diminuiu o poder de mercado do incumbente continuando este a ser o único comprador de gás, potencial fornecedor de infra-estruturas e comercializador a clientes finais. Apesar de terem existido tentativas, nenhum acordo foi assinado já que a regulamentação existente não obrigava a BG a assinar qualquer acordo, pelo que a necessidade de regulação para promover a concorrência se tornou premente.

Em 1986 iniciou-se uma reforma substantiva ao abrigo do Gas Act que estabeleceu o enquadramento para a privatização da BG e definiu as regras para estabelecer a concorrência no segmento de grandes clientes. Os principais eixos desta reforma foram:

• A BG foi privatizada, embora como monopólio verticalmente integrado (terminais, transporte e distribuição) com o direito exclusivo de fornecer gás “à tarifa”. Os clientes com gás à tarifa representavam cerca de 70% da procura;

• Os preços e condições de abastecimento dos clientes à tarifa eram estabelecidos pelo novo e independente órgão regulador (OFGAS). As tarifas de transporte eram reguladas por price cap (RPI-X) para um período específico. O “X” (coeficiente de eficiência) foi inicialmente de 2% e foi estabelecido um comité de consumidores (Gas Consumers Council) para representar os interesses dos consumidores junto do regulador;

• Os clientes não sujeitos a tarifa não estavam afectos à regulação de preços, acreditando-se que a concorrência de outros agentes e de outras fontes de energia iriam disciplinar os preços e o poder de mercado do incumbente. A BG tinha de publicar preços máximos para os preços não regulados e para o acesso às redes, podendo negociar livremente descontos face aos preços praticados.

Este diploma também não surtiu os efeitos desejados, já que não atingiu a questão estrutural por detrás do poder de mercado da BG, já que esta era ainda de facto um monopólio, não sendo exigida a separação de actividades, apenas a separação contabilística para a actividade de comercialização, pelo que a informação essencial para estabelecer um verdadeiro regime de acesso às redes ainda não era possível de concretizar, para além de que o acesso a terceiros era um regime negociável, não havendo um enquadramento

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regulatório próprio. A regulação para os clientes à tarifa era ainda pouco eficaz e não havia controlo sobre o mercado livre, não estando assegurada a não discriminação de preços quer de venda a clientes finais quer de acesso às redes.

A partir de 1991 começaram a aparecer os primeiros comercializadores de grandes clientes e o RU foi progredindo no seu enquadramento regulatório:

• Não havendo entrada de novos concorrentes e não se tendo verificado um declínio dos preços, em contra-ciclo com o verificado nos preços do petróleo, a BG era acusada de discriminação de preços no segmento industrial, em função da capacidade disponível e dos preços das fontes de energia concorrentes. Assim, a BG foi forçada a publicar tarifas para os clientes industriais para um prazo de cinco anos e não poderia contratar mais de 90% do gás extraído para comercialização;

• Adicionalmente, em 1991 verificou-se que a BG conseguia ainda obter subsidiação cruzada de preços contra os seus concorrentes, nomeadamente ao estabelecer tarifas interruptíveis que estavam abaixo do seu custo de produção, fortalecendo a sua posição monopolista no mercado livre, não cobrando a si mesma as tarifas de acesso às redes publicadas. Para além disto, a capacidade oferecida pela BG a novos entrantes era restrita. Desta forma, a BG viu-se forçada a reduzir a sua capacidade de contratação ao longo do tempo para que os comercializadores entrantes fossem capazes de contratar pelo menos 60% da capacidade disponível até 1995, e ainda a separar contabilisticamente as unidades de negócio de transporte e armazenagem;

• Em 1992, o regulador OFGAS reviu o factor “X” da actividade de transporte para 5%, de forma a compensar ganhos de produtividade que não eram repassados para os consumidores desde 1986. Também a repassagem dos custos do gás foi revista, para que a BG tivesse os incentivos necessários para a redução dos custos de aquisição da matéria-prima;

• Ainda em 1992 surgiram as primeiras recomendações que assentavam no desinvestimento na actividade de fornecimento, as actividades de transporte e

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armazenagem deveriam ser empresas subsidiárias, o acesso às infra-estruturas regulado e o limiar de clientes à tarifa reduzidos.

Após estas medidas verificou-se um decréscimo nos preços para grandes clientes industriais à medida que ia aumentando a concorrência no mercado e o objectivo de oferta de 60% do gás veiculado por empresas que não o incumbente estava praticamente atingido. No entanto, o nível de satisfação com a reforma em curso era insuficiente já que a concorrência havia sido conseguida através de intervenção regulatória e que a mesma poderia não ser sustentável sem o desenvolvimento de um verdadeiro regime, não discriminatório de acesso às redes. Neste cenário, o MMC (monopoly and mergers commission) propõe a separação estrutural total da BG. A resposta governamental foi evoluindo e em 1995 emitiu o Gas Act com os seguintes princípios:

• Separação de propriedade das actividades de rede (transporte e distribuição), da comercialização grossista e da comercialização retalhista;

• Regulação autónoma por price cap (RPI-X) para o transporte e para a armazenagem; • Liberalização total do mercado retalhista por zonas geográficas entre 1996-98. Em 1998, e após estudos conduzidos pela OFGAS e pelo MMC12 foram ainda separadas as actividades de transporte e armazenagem, com a criação de leilões para o acesso à armazenagem. Esta separação dá um maior grau de liberdade aos shippers para balancear a injecção de gás no sistema e a retirada para a rede para abastecimento.

Em 1999, e após preocupações manifestadas ao nível dos sinais económicos para o incentivo ao investimento, a OFGEM13 propôs a criação de leilões de capacidade a longo prazo e uma revisão ao nível dos preços praticados pelo operador da rede de transporte.

12 Monopolies and Mergers Commission 13 Office of the Gas and Electricity Markets

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