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4 GUIANA FRANCESA: HISTÓRIA, FRATURAS ÉTNICAS E PROCESSOS MIGRATÓRIOS

4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E O PÉRIODO COLONIAL

A Guiana Francesa, que se estende por uma superfície de 91.000km2, está localizada no norte da América do Sul, na costa do oceano Atlântico Norte, com 378 km de litoral, entre o Brasil e o Suriname; e possui, respectivamente, 730 e 510 km de fronteira com esses dois países. Seu clima, tropical, quente e úmido, apresenta pequena variação de temperatura entre as estações. Atualmente, segundo o Institut National de La Statistique et des Études Économiques (INSEE), sua população é de aproximadamente 210 mil pessoas (2007 est). Possui 22 comunidades e suas principais cidade são: Cayenne, 50.594 hab.; Saint-Laurente du Maroni, 19.211 hab. e Kourou, 19.107 hab. (INSEE, 2000). Tem como presidente do Conselho Geral Pierre Desert (desde 26.03.2004) e como Presidente do Conselho Regional, Antoine Karam (desde 22.03.1992). Seu chefe de Estado, o mesmo francês, é o presidente Nicolas Sarkozy, representado no Departamento por Jean-Pierre Laflaquierr.

A cidade de Caiena foi fundada em 1634, tornando-se a capital e o principal porto da Guiana Francesa. A localização geográfica dessa colônia francesa, localizada ao norte do atual estado do Amapá (Figura 32), rendeu para o mundo luso brasileiro sérias questões de fronteiras, somente resolvida na década de 1810.

Desde o século XVII, as Coroas de França e de Portugal discordavam quanto ao seu local exato na América: para os portugueses, o limite era o rio Oiapoque, e também chamado Vicente Pizón; para os franceses, o limite entre os dois territórios era a margem setentrional do rio Amazonas (REIS, 1949; MEIRA, 1975, DUARTE; SOARES, 2006).

Figura 32: Mapa colonial identificando a fronteira da Guiana Francesa com o Brasil

Fonte: www.guyaneego.free.fr, 2007

Todas essas disputas de fronteira acarretavam um grande impasse, uma vez que estava em jogo a própria navegação do rio Amazonas. Em março de 1700, Portugal e França chegaram a um breve acordo sobre essa região e assinaram um acordo provisório. A área em questão foi neutralizada de forma que tanto colonos brasileiros quanto franceses tivessem permissão para se estabelecer nesta faixa de terra. Como já mostramos anteriormente no capítulo 2, esse tratado foi anulado por ocasião da Guerra de Sucessão Espanhola (1701-1714) que novamente colocou as duas potencias coloniais em situação oposta. Um novo tratado foi assinado, o de Utrecht, no dia 11 de abril de 1713. Esse novo acordo buscava solucionar os conflitos existentes e por termo à questão dos limites no continente americano, e o rio Oiapoque, mais uma vez, seria a fronteira entre Brasil e França. No entanto,

disputas mais acirradas ainda viriam pela frente. Como as Guerras Napoleônicas as relações entre Portugal e França voltaram a se estremecer, culminando com a invasão de Portugal pelo exército francês e da declaração de Guerra do príncipe regente D. João à França em maio de 1808 (DUARTE; SOARES, 2006). Esta declaração de guerra era o sinal verde para anexação da Ilha de Caiena à Coroa Portuguesa. Sob o comando do Tenente-Coronel Manuel Marques a colônia francesa foi anexada em janeiro de 1809. Nesse pequeno período de tempo de domínio português, 6 anos, a principal colônia da França teve um papel importante na história do Brasil colonial especialmente em função do seu Jardim de Aclimatação chamado de La Gabrielle. Com a posse sobre o jardim, Portugal procurou fomentar o Horto Botânico do Pará, criado em 1796, através de remessas31 de mudas exóticas (especiarias), que possuíam um alto valor no mercado internacional (DUARTE; SOARES, 2006). Com o Congresso de Viena (1815), Caiena volta novamente para o domínio francês. O documento a seguir, mostra a preocupação dos gestores portugueses no que tange à devolução de Caiena aos franceses. Na verdade, trata-se de um Ofício de João Severiano Maciel da Costa, desembargador e intendente geral da Polícia de Caiena, para o marquês de Aguiar, tratando das conseqüências da restituição da colônia aos franceses. O documento demonstra a preocupação das elites locais com a alteração das relações comerciais na região, em virtude da notícia da devolução

Ilmo. e Exmo. Senhor

Tenho a honra de levar à presença de V. Excelência as contas dos dois anos de 1814 e 1815, retardadas pelos motivos que ponderei no meu ofício precedente. Com a notícia da entrega da colônia em virtude do Tratado de 30 de maio de 1814 julguei conveniente abolir a administração do tafiá para evitar os embaraços que necessariamente resultariam da interrupção dela com a chegada dos franceses em qualquer dos meses de 1815. Assim pois se praticou, substituindo um novo direito sobre o consumo interior daquele gênero, que não podia ficar livre, como V. Excelência verá da ordenança inclusa. Vão também os mapas de importação e exportação, e os de população. Deus Guarde a V. Excelência muitos anos. Caiena 2 de junho de 1816. Ilmo. E Ex.mo Senhor Marquês de Aguiar, Ministro-Assistente ao Despacho do Gabinete, Presidente do Real Erário e Lugar Tenente da Real Pessoa. O Desembargador Intendente Geral João Severiano Maciel da Costa”. (MUSEU

31 As historiadoras Duarte e Soares (2002) lembram que essas remessas, antes da dominação oficial de Portugal sobre Caiena, eram feitas na clandestinidade, mas a partir da anexação essas remessas podiam ser feitas a qualquer momento. O café, a cana caiena, a noz-moscada, o cravo da índia, a fruta-pão, a carambola e a fruta do conde foram introduzidas no Brasil através desta cidade.

NACIONAL E A HISTÓRIA-LUSO BRASILEIRA, Acesso em: 23 out. 2007).

Segundo Arouck (2002) sua ocupação pela França foi resultado da expansão comercial européia a partir do século XVI, que provocou intensas disputas entre as potências comerciais daquela época, especialmente Inglaterra, França e Holanda, que brigaram contra a supremacia ibérica. A chegada do Império colonial francês nessas terras amazônicas se deu em 1604 e a Guiana viveu sob o estatuto de colônia até 1946. Nessa data, a chamada “lei de assimilação” a transforma em Departamento Ultramar da República Francesa (Figura 33), juntamente com as ilhas da Martinica, de Guadalupe – nas Antilhas – e a da Reunião, no oceano Índico (GALVÃO; SCHALLER, 2007).