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PERÍODO DE PERMANÊNCIA E ESPECIALIZAÇÃO ÉTNICA NO MERCADO DE TRABALHO DA GUIANA FRANCESA

5 O FETICHE DO EMPREGO: RELAÇÕES DE TRABALHO DE BRASILEIROS NA GUIANA FRANCESA

5.2 PERÍODO DE PERMANÊNCIA E ESPECIALIZAÇÃO ÉTNICA NO MERCADO DE TRABALHO DA GUIANA FRANCESA

Mesmo não sendo algo tão acentuado e perceptível, parece que os brasileiros estão “se arriscando mais” na tentativa de conseguir um emprego no Departamento Francês. O tempo de permanência dos trabalhadores brasileiros na Guiana Francesa está aumentando gradativamente. Pelos relatos que ouvimos por ocasião da pesquisa realizada em Macapá, Oiapoque e Caiena, atualmente alguns trabalhadores permanecem até 3 anos em solo guianense, sem visita aos seus lugares de origens, na tentativa de fazer, de uma forma corrida, o tão sonhado “pé- de-meia”. Um garimpeiro foi direto: “se for para ficar 6 meses em Caiena e voltar para o Brasil, é melhor nem vim”. A facilidade de acesso atualmente ao Brasil atenua um pouco a saudade da família, e de certa forma dá a certeza de que em casos de urgência, e tendo euro no bolso, pode-se chegar em casa sem muita demora. Semanalmente, existem vôos diários de Caiena para Macapá/Belém. Por via terrestre, saem desta cidade, diariamente, inúmeras vans para o município de Saint- Georges, que faz fronteira com o Amapá (Brasil); e este percurso pode ser feito em aproximadamente 3 horas.

Nos dias atuais, perder um emprego em Caiena não significa retorno imediato. Cada vez mais os brasileiros experimentam novas possibilidades de trabalho. Atualmente já é possível encontrar dezenas de brasileiros (principalmente mulheres) em lojas conceituadas no centro comercial de Caiena. Ficar um pouco mais na principal cidade do Departamento Ultramarino Francês, significa não desistir do projeto inicial e não voltar com as “mãos abanando” (Tabela 4).

Tabela 4: Planos de retorno ao Brasil

Plano %

Não sabe 28%

Abrir negócios / obter bens 31%

Não pretende retornar 10%

Respostas vagas 5%

Nos próximos 3 anos 22%

Não respondeu / anulada 4%

TOTAL 100% (n=100)

Fonte: Survey realizado no decorrer desta pesquisa, 2005/2006.

Essa alteração no tempo de permanência também gera outras conseqüências. Com o passar do tempo, curiosamente, a idéia de especialização étnica, que praticamente garantiu a segmentação do mercado de trabalho em décadas passadas na ex-colônia francesa, cada vez mais se consolida na cidade de Caiena, constituindo-se, ao mesmo tempo, em algo positivo e negativo para os diversos grupos étnicos que compõem a população local.

Para Reynery (1999) as migrações têm função de espelho, o qual revela problemas e tendências das sociedades de chegada. Assim, os imigrantes são concentrados onde as condições são mais difíceis, onde são necessários maiores esforços físicos, resistência e disponibilidade temporal, turnos alternativos, pouca oportunidade de carreira e status social baixo; em espaços considerados sujos e nocivos. Em Caiena, por exemplo, os ramos de pesca, de produção de hortaliças, criação de aves, de construção civil, de serviços domésticos são ocupados por determinados grupos étnicos de imigrantes que dominam praticamente esses mercados.

Essa idéia envolvendo trabalho e etnia já se internalizou de tal forma no mercado de trabalho guianense, e no próprio inconsciente da população local, que praticamente a atribuição de uma determinada atividade está vinculada diretamente ao segmento étnico a qual esses trabalhadores pertencem: comércio com os chineses; construção civil com os brasileiros; pescaria com os ingleses, hortaliças com os homongs etc. No entanto esta questão de especialização étnica é bastante complexa. Ao mesmo tempo que isso reforça a idéia de que todos os grupos que migraram para este DUF contribuíram com o desenvolvimento da Guiana Francesa e

por isso merecem respeito; por outro lado, cria um estereótipo sobre esses segmentos étnicos, como se os mesmos soubessem fazer apenas um tipo de ofício. Quem mais perde com essas práticas são as novas e futuras gerações, pois as mesmas tendem a se estabelecer nas mesmas ocupações atribuídas a seu país.

Apesar de comprovarmos que o perfil dos trabalhadores que atravessam a fronteira atualmente para o Departamento Francês não modificou e permanece com muitas características de décadas passadas, ninguém pode garantir que esta realidade vai continuar. Apenas para dar um exemplo, centenas de estudantes da rede pública estadual amapaense fazem cursos regulares de língua francesa, no Centro Danielle Miterrant. Esta escola possui uma excelente infra-estrutura física e conta ainda com dezenas de professores graduados, inclusive alguns fazem estágio no próprio Departamento Ultramar Francês. Este fato per si tem uma extraordinária importância para uma “melhor qualidade das migrações de trabalho” num futuro próximo, já que as novas gerações de trabalhadores amapaenses que queiram trabalhar na Guiana Francesa terão o domínio da língua francesa; e assim novos horizontes de trabalho podem surgir dentro do mercado local. Outra questão importante também é que, se a especialização étnica ainda se faz presente em toda Caiena, até por uma questão de necessidade, também é verdade que muitos novos imigrantes, independentemente de seu segmento étnico, estão cada vez mais preparados para fazer outros tipos de atividades, e acabam furando o preconceito. Numa importante loja de perfumes franceses no centro comercial de Caiena, observei pelo menos duas atendentes brasileiras trabalhando na mesma loja. O atendimento é dado de acordo com a nacionalidade dos clientes para facilitar a comunicação.

Por questões didáticas, podemos dividir em dois ciclos distintos a saída de brasileiros para a Guiana Francesa. O primeiro vai da metade dos anos 1960 até o início da década de 1990; e o segundo, dos primeiros anos da década de 1990 até os dias atuais. Podemos pegar como referência desta divisão cronológica, inúmeros fatos, a saber: a mudança de moeda, o padrão europeu como referência comercial, o aumento do efetivo militar na região, a intensificação contra a imigração ilegal, o aumento dos fluxos migratórios pela fronteira, maior repressão contra os clandestinos.

Um fato inquestionável é que as redes migratórias se tornaram mais organizadas nesta segunda fase/ciclo; e assim se tornaram um elemento de

intermediação entre os imigrantes brasileiros e as forças estruturais de atração e repulsão no mercado de trabalho local; permitindo, desta forma, uma redução dos custos e dos riscos individuais da imigração para a Guiana. Constatamos em nossas visitas no município do Oiapoque como esta nova engrenagem funciona. Muitos brasileiros que trabalham em Caiena, documentados, alugam, quando não, vão em seus próprios carros, apanhar amigos e/ou familiares no município de Oiapoque.

Para a viagem ficar mais segura, geralmente vai um guianense também, no mesmo veículo. Como a polícia francesa não pára todos os carros que se dirigem à Caiena, o método utilizado é praticamente seguro, salvo alguns imprevistos que podem acontecer. Após essa fase, o próximo desafio é encontrar trabalho no mercado local, e mais uma vez essas redes entram em ação. Dificilmente um trabalhador brasileiro recém-chegado em Caiena sai de casa em casa ou pelas ruas e bairros da cidade pedindo emprego; pois se assim o fizer provavelmente não obterá êxito em sua empreitada; podendo ainda ser detido pela polícia e repatriado para Macapá ou Belém. O tempo de espera para se conseguir um emprego varia bastante. Quem tem “sorte”, começa a trabalhar logo na primeira semana, mesmo de forma clandestina; quem não tem, aguarda 2, 3, 4 semanas. Este é um momento delicado, pois todos querem logo trabalhar, mas nem sempre as vagas aparecem.

5.3 OS SUB-EMPREITEIROS E AS RELAÇÕES DE TRABALHO DE BRASILEIROS