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1 MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS, GLOBALIZAÇÃO E MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO

1.1 REFLEXÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE O TEMA

O fenômeno migratório foi responsável pela expansão da ocupação e de novas fronteiras do planeta e o desenvolvimento das sociedades humanas. Logo não é um fenômeno recente. Para Vainer (2005), o relatório da Divisão de População da ONU, sobre políticas migratórias internacionais, publicado em 1998, sugere que a história das migrações tem dois pontos de partida. O primeiro corresponde ao começo das migrações que teria tido início com o nomadismo dos primeiros coletores e caçadores:

A prática de deixar a terra natal à procura de melhores oportunidades econômicas e um mais elevado nível de vida tem sido parte da cena da migração desde há séculos. Na verdade, o primeiro homem era um caçador e um coletor que perambulava de lugar a lugar à busca de comida: o homem continua a migrar a fim de melhorar a sua sorte na vida (UNITED NATIONS, 1998, p. 87).

Esta passagem do relatório, segundo Vainer (2005), é marcada pelo anacronismo, pois transpõe conceitos de um espaço-tempo social para outros espaços-tempos sociais. Mas, o mais curioso, na visão deste autor, é o segundo ponto de partida que o relatório constrói no terreno das migrações: o início se dá com o tráfico dos escravos que ocorre nos anos de 1440:

O real começo de uma verdadeira migração internacional pode ser buscado no tráfico de escravos, quando nos anos de 1440 marinheiros europeus escravizaram alguns africanos e trouxeram- nos para a Europa para usarem nos seus domicílios. Os séculos seguintes testemunharam cerca de 15 milhões de africanos serem arrancados de suas terras natais ou serem embarcados para o Brasil, Caribe e América do Norte. Na verdade, o tráfico dos escravos foi uma das maiores migrações laborais da nossa história (UNITED NATIONS, 1998, p. 87).

Entende o autor citado que a identificação do começo da história das migrações internacionais com o tráfico de escravos pode ser vista como um paradoxo revelador, porque boa parte da literatura sobre migrações vê como atributo essencial da migração o processo de decisão de que o migrante é suposto sujeito. Em tom de reflexão, o autor se pergunta:

Os escravos não decidiram nada, foram seqüestrados. Paradoxo: se a própria idéia de modernidade se instaura como associada à instituição do indivíduo e de sua liberdade (e responsabilidade) como explicar que a história das migrações (internacionais) modernas tenha tido seu verdadeiro começo na negação absoluta da mitologia da origem da modernidade (VAINER, 2005, p. 258)?

As duas grandes guerras mundiais, as crises econômicas, as guerras civis em vários continentes, os conflitos localizados, exerceram e exercem uma pressão excessiva para o aumento da migração em nível global. No entanto, na base, está o expansionismo europeu que foi o ponto de partida, como evidenciamos anteriormente, para o deslocamento de populações em larga escala, o qual formou a base de muitas sociedades multiéticas do mundo. Segundo Giddens (2005), os estudiosos deste tema identificaram quatro modelos de migração para descrever os principais deslocamentos globais de populações tomando como base o ano de 1945:

O modelo clássico de migração aplica-se a países como Canadá, Estados Unidos e Austrália, os quais se desenvolveram tornando-se ‘nações de imigrantes’. Nesses casos, a imigração é, em grande parte, estimulada, e a promessa de cidadania estende-se aos recém- chegados, apesar de as restrições e as cotas ajudarem limitar a entrada anual de imigrantes. O modelo colonial de imigração, seguido por países como a França e o Reino Unido, tende a favorecer mais os imigrantes de antigas colônias do que os de outros países. Países como Alemanha, Suíça e Bélgica, seguem uma terceira política que é o modelo de trabalhadores visitantes. Nesse esquema, os imigrantes são admitidos temporariamente em um país, geralmente a fim de preencher as demandas existentes dentro do mercado de trabalho, mas não recebem os direitos de cidadãos, mesmo após residirem longos períodos no país. Finalmente temos

os modelos ilegais de imigração que estão se tornando cada vez

mais comum, devido ao endurecimento das leis de imigração em muitos países industrializados. Os imigrantes que conseguem entrar em um país, secretamente ou sob um pretexto de não migração, em geral, conseguem viver ilegalmente fora do domínio da sociedade oficial. Exemplos disso podem ser vistos no grande número de estrangeiros ilegais mexicanos encontrados em muitos estados do sul da América (GIDDENS, 2005, p. 251).

No entanto, nas últimas décadas, as migrações internacionais assumiram novas faces e formatos e aumentaram consideravelmente de intensidade. Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) na década de 1980, o número de migrantes internacionais passou de cerca de 100 milhões em 1980, para 154 milhões em 1990. Em termos estatísticos, o número de

migrantes internacionais aumentou de 154 milhões, em 1990, para 175 milhões em 2000. Da década de 1980 para 1990 o aumento foi de 4,3%, enquanto de 1990 para 2000 o aumento foi de 1,3%. Mas o que chama atenção para esses dados das Nações Unidas é a substancial manutenção do número de migrantes internacionais nos países em desenvolvimento (de 64,3 milhões em 1990, para 64,6 milhões, em 2000). Por outro lado, nos países desenvolvidos o número total passa de 90 para 110 milhões (MARINUCCI, 2005).

Em termos cronológicos, podemos afirmar que os últimos 30 anos representaram um tempo de profundas mudanças para a sociedade mundial. A quantidade delas, sua profundidade e alcance, bem como sua velocidade, afetou radicalmente a vida de milhões de trabalhadores, principalmente, no final do século XX e início do século XXI. Em termos de organização do trabalho, a tendência mundial é a flexibilização, principalmente pela influência do modelo Japonês (KAWAMURA, 2003). Mesmo assim, esta nova filosofia tem desdobramentos diferenciados, apontando assim um caráter dual para dois tipos específicos de trabalhadores: os qualificados e os desqualificados. Para os primeiros, o processo de reestruturação produtiva inclui o desenvolvimento de serviços especializados nas áreas de finanças, consultoria e propaganda (SASSEN, 1988). É em relação a este grupo que freqüentemente ouvimos a expressão “fuga de cérebros”. No entanto, a outra face do mercado de trabalho compreende o conjunto de reserva de trabalho, cujas parcelas são temporariamente incorporadas ao processo de trabalho, conforme as necessidades decorrentes da flutuação da demanda de produtos e serviços. Essa divisão do mercado de trabalho define também a forma de participação dos trabalhadores no mercado internacional (KAWAMURA, 2003). Tudo indica que os imigrantes integram principalmente o último segmento periférico, no qual estão os trabalhadores menos qualificados (PIORE, 1979).

Apesar do risco da generalização, geralmente executivos, estudantes e pós- graduação, técnicos e profissionais qualificados que embarcam para o exterior vão ocupar postos de trabalho em empresas estrangeiras ou brasileiras e às vezes cargos diplomáticos do Governo Brasileiro, e têm como principal meta a busca de qualificação e formação profissional, ou mesmo realizar estágios em matrizes de empresas estrangeiras. As condições de trabalho e de lazer desta parcela privilegiada de trabalhadores brasileiros são extremamente diversificadas, pois além de possuírem recursos financeiros, ou bolsas de estudo geralmente conhecem ou

aprendem de forma sistemática in loco o idioma, dos países em que estão. Essas pessoas, nestas circunstâncias, desfrutam de serviços de bom nível, pois as mesmas possuem recursos:

universais de vivência, como hotéis de redes internacionais, com mesmo padrão em todo mundo; restaurantes com comida fast-food, bares, shows e outras atividade de lazer, comuns internacionalmente, como golfe, tênis etc.; meios de transporte como táxi, avião etc; locais de compra como shopping centers e similares em todo país (KAWAMURA, 2003, p. 39).

No entanto, os brasileiros que levam este tipo de vida no exterior formam uma minoria privilegiada comparativamente ao grosso de trabalhadores residentes atualmente no exterior. A maior parte das pessoas que deixa o Brasil acaba entrando no mercado internacional de trabalho em atividades que não exigem qualificação, seja para os Estados Unidos, a Europa, o Japão e, no caso de trabalhadores da Amazônia Oriental, principalmente, para a Guiana Francesa.

Em relação às pessoas que migram com o perfil de executivos, técnicos, intelectuais, há um detalhe importante que precisa ser mencionado. Certamente eles querem melhorar de vida, ter um salário melhor, sonham em fazer “um pé de meia” em outro país, e que por isso optam em deixar o Brasil, mesmo com um diploma de nível superior na bagagem. Por outro lado, têm aqueles que pertencem a não classe para usar um temo de Gorz (1987), que estão há muito tempo desempregados ou que se encontram no mercado informal ou mesmo “encostados” em algumas atividades precarizadas. Também para esse grupo a motivação é aquela dos trabalhadores não qualificados. Migrar é fugir do seu destino, é buscar desesperadamente melhores condições básicas de vida, ou seja, “é tudo ou nada”. Suas condições sociais e econômicas, na verdade, funcionam como verdadeiras formas de expulsão da sociedade brasileira. Sobre as condições dos imigrantes que se dirigem à Guiana Francesa atrás de trabalho, como veremos mais adiante, nossa pesquisa apontou para situações de intensa exclusão socioeconômica, chegando perto às vezes, de transtornos mentais. Para muitos trabalhadores brasileiros, conseguir um posto de trabalho em Caiena, mesmo sem papel, representa uma chance única, e talvez última de se tornar gente, principalmente numa sociedade salarial como a nossa.

Do ponto de vista econômico, a globalização avança nos últimos 10 anos de forma avassaladora. Após os anos de ouro da economia capitalista, a crise dos anos 1970 provocou profundas transformações econômicas, com graves desdobramentos para o mundo do trabalho. Segundo Beck (1999) se atiram de joelhos sob a bandeira da globalização não apenas os sindicatos, mas também o Estado e a política. Para este autor, o processo de globalização criou uma novidade: os lucros sobem e os empregos somem (grifo meu). Os empresários descobriram a pedra do reino, e a nova fórmula mágica é: “capitalismo sem trabalho, mais capitalismo sem impostos” (BECK, 1999, p. 20). Nesta perspectiva de “capitalismo sem emprego”, empresas transnacionais exigem mordomias fiscais. Na década de 1990, muitos estados brasileiros, por exemplo, imploravam para empresas automobilísticas estrangeiras se fixarem em seus territórios, pois teriam como garantia a isenção de impostos. Por outro lado, nestes mesmos estados, as pequenas e médias empresas, responsáveis pela maior parte de oferta de trabalho no Brasil, sangravam nas mãos dos novos entraves da burocracia fiscal. Estes fatos, que na verdade ocorrem em escala mundial, são considerados pelo autor citado ao afirmar que nestes casos o humor negro da história entra em cena, pois são justamente os perdedores da globalização que deverão pagar tudo.