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METAMORFOSES DO TRABALHO, MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

1 MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS, GLOBALIZAÇÃO E MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO

1.3 METAMORFOSES DO TRABALHO, MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

O fenômeno migratório é um processo que transcende o tempo, o espaço e as fronteiras em várias dimensões; pois produz outros tempos, outros espaços e outras fronteiras. Sua característica básica é o abandono do tempo original por um tempo significativamente longo. Desse modo, comumente a migração, seja interna ou externa, não pode ser identificada com movimentos populacionais de curta duração, como é o caso dos negócios ou turismo, ou até mesmo para realizar determinados cursos (TEDESCO, 2006).

O mundo da produção material e do trabalho na contemporaneidade é cada vez mais marcado pela especialização flexível, isto é, pela assimilação da tecnologia da informação à atividade produtiva e a adaptação da força de trabalho a essas novas circunstâncias. Desta forma, a flexibilidade possibilita a satisfação das demandas de grupos de consumidores cada vez mais diferenciados no mercado de massa. O capitalismo, através de uma nova reorganização produtiva, permite diversificar para pontos no mercado cada vez mais específicos. Muitas mercadorias são materializadas a partir de pesquisas de opinião, e que atingem segmentos diferenciados nas grandes cidades.

As migrações são realidades governadas não só pela oferta e demanda, mas são fenômenos sociais, econômicos, históricos, culturais e identitários. Porém, aproximando mais esse fenômeno ao mundo contemporâneo e sem entendê-lo numa mera condição causa e efeito, é possível que haja uma familiaridade muito grande entre capitalismo e fenômeno migratório, principalmente no campo das relações de trabalho.

Sobre a temática do desemprego e globalização, veja os seguintes comentários:

O local está irremediavelmente ligado, nas relações econômicas, ao global, ainda que por processos diferenciados; e as mudanças no mundo do trabalho podem ser vistas em três níveis: a) no processo de produção, pelas inovações tecnológicas trazidas sobretudo pelo desenvolvimento da informática; b) nas mudanças na forma de

gestão empresarial e na força de trabalho, que aparecem pela inversão de princípios e pela superação em certas áreas do modelo taylorista e fordista, alterando-se as referências da cooperação na divisão social do trabalho e portanto a conformação do coletivo de trabalhadores; c) na exclusão de massas crescentes, em países de diferentes níveis de desenvolvimento, das possibilidades para alguns de ter acesso ao mercado de trabalho e para outros de permanecer assalariados, característica que tem sido bastante analisada como crise do trabalho (CASTRO, 2001, p. 9-11).

Gorz (2003) sugere que o trabalho foi uma invenção da modernidade. Para este autor, o trabalho no sentido contemporâneo do termo não pode ser confundido com os afazeres domésticos e nem com o labor, por mais penoso que seja. A característica mais importante deste trabalho – aquele que temos, procuramos e oferecemos – é ser uma atividade que se realiza na esfera pública (GORZ, 2003, p. 21). Ele completa afirmando que é pelo trabalho remunerado (mais particularmente, pelo trabalho assalariado) que pertencemos à esfera pública, adquirimos uma existência e uma identidade social. Por isso, a sociedade industrial pode perceber a si mesma como uma sociedade de trabalhadores, distinta de todas as demais que a precederam (GORZ, 2003).

E é por esse sonho de ser gente, ou melhor, ser trabalhador, que milhares de homens e mulheres passam pelo Amapá em direção à Guiana Francesa. A chance de conseguir um emprego num país desenvolvido e, a partir daí, todos os benefícios que um salário pode oferecer, continua fazendo vítimas e heróis.

Num mundo e numa sociedade que exclui os desempregados do direito de viver, a possibilidade de se conseguir um trabalho fixo é responsável por buscas desesperadas à procura de qualquer coisa. Quando este desejo não se materializa, uns entram para o mundo do crime, muitos perdem a auto-estima e alguns mudam de cidade ou país. Ainda em relação à questão do desemprego como fenômeno mundial, é importante citar uma crítica bem fundamentada sobre este tema desferida por Forrester (1997, p. 7) na obra “Horror econômico”:

Com efeito, deformado sob a forma perversa de “emprego”, o trabalho funda a civilização ocidental, que comanda todo o planeta. Confunde-se a tal ponto com ela que, ao mesmo tempo em que se volatiza, seu enraizamento, sua evidência jamais são postos em causa, menos ainda sua necessidade. Não é ele que, em princípio, rege toda distribuição e, portanto, toda sobrevivência? Ora, esse trabalho, tido como nosso motor natural, como a regra do jogo que serve à nossa passagem para esses lugares estranhos, de onde

cada um de nós tem vocação a desaparecer, não passa hoje de uma entidade desprovida de substância

A autora chama atenção ainda para um ponto intrigante, que se apresenta nos dias atuais como um paradoxo: vivemos numa sociedade que privilegia quem tem emprego14 enquanto o mercado de emprego está desaparecendo, esvaindo-se. O engraçado de tudo isto é que a sociedade exige o que não pode dar. Assim sendo, a própria possibilidade, por mais remota que seja, de um emprego, é capaz de contagiar qualquer indivíduo, mesmo que esse emprego seja em um outro país, local onde não há cidadania para estranhos, mas apenas alguns direitos instrumentais inerentes a qualquer ser humano. Na Guiana Francesa, por exemplo, o Estado gerenciou e controla ainda as migrações de acordo com seus interesses estratégicos. Quando precisaram de mão-de-obra barata, como foi o caso para a construção da cidade de Kourou, o governo fez “vista grossa”, instrumentalizou políticas migratórias em várias áreas, tornou-se mais flexível e se fez de míope. Mas quando perceberam que o número de emigrantes estava aumentando, a ponto de comprometer o próprio Estado Providência francês, tornaram-se rígidos e a prática da deportação se transformou em uma ação estratégica do Estado.

A polícia francesa faz blitz e aborda estrangeiros a qualquer hora do dia ou da noite. Quem não tem visto (“papel” como eles chamam) é deportado mesmo. Na verdade há um conjunto de fatores que impulsionam a busca e a atração de mão-de- obra estrangeira entre paises, entre regiões continentais e intercontinentais.

São Paulo, por exemplo, pode ser considerada a cidade símbolo de um momento histórico onde o Brasil recebia milhares de imigrantes; e que tiveram participação fundamental na construção de um novo país que começava a ser esboçado neste momento. No final do XIX e início do século XX, esses “cidadãos do mundo” foram recebidos, e atualmente são reconhecidos, pela sociedade nacional como verdadeiros heróis.

No entanto, a partir de um dado momento da história brasileira, nós nos deparamos com direções dos fluxos migratórios inversas. Uma série de mudanças econômicas, políticas e culturais foram responsáveis por mudanças radicais em todo

14 Essa idéia tem como pano de fundo a importância que um comprovante de rendimento

salarial possui nos dias atuais. Sem ele, inúmeras pessoas são excluídas do mercado de consumo. A primeira coisa que um vendedor pergunta para um consumidor numa loja de carros ou eletrodomésticos é se o mesmo possui renda, emprego ou mesmo um contra- cheque como forma de garantir o crédito.

o mundo, e alguns conceitos clássicos da sociologia se tornaram, como afirma Bauman (2001), “zumbis, mortos vivos”. Seguindo uma tendência global, o Brasil também sofreu as conseqüências estruturais das mudanças globais, e assim passou de um país receptor para exportador de mão-de-obra para outros países.

Apenas para efeito de contextualização, na década de 1980, focos emigratórios eclodem em todo país. Os Estados Unidos, a Europa e o Japão se transformaram numa espécie de última esperança para os desempregados do Brasil. Na verdade, esses fenômenos devem ser vistos sob uma perspectiva mundial, pois a partir deste momento torna-se muito comum a presença de emigrantes de nações menos industrializadas nos países considerados ricos. No caso específico brasileiro, não por acaso, a economia do país atravessava também uma grave crise: o momento era de estagflação15 e por isso toda a década de 80 ficou comprometida ou mesmo perdida como sugerem muitos economistas.

Para os países industrializados, em um certo sentido, esta situação acabou se tornando um bom negócio, pois recebiam mão-de-obra barata, praticamente ilimitada. Como diz Margolis:

Esses viajantes universais são valiosos para os países industrializados, não apenas em virtude do custo relativamente baixo de sua mão-de-obra, mas devido à natureza temporária de sua migração. Pelo menos em princípio, a maioria dos migrantes estrangeiros encara sua estada no país que os acolhe como temporária (MARGOLIS, 1994, p.14).

Vale ressaltar que esta migração temporária é justamente o que esses países desenvolvidos necessitavam naquele momento, principalmente para suprir postos de trabalhos em setores com pouca qualificação profissional caracterizados por baixos salários e reduzidas perspectivas de ascensão social. Novamente Margolis faz um comentário importante sobre esta questão:

O benefício da migração transnacional para o mundo industrializado é substancial: ela se concentra numa massa de trabalhadores de baixo custo, geralmente bem-preparados, que desejam, ou até mesmo se mostram ansiosos por preencher vagas que, de outra maneira, permaneceriam ociosas. E, simultaneamente, contribui para aliviar algumas das pressões políticas e econômicas que poderiam, de outra forma, ameaçar a estabilidade de um grande número de países em fase de industrialização recente. É conveniente ter em mente essas questões globais quando se olha para fluxos

15

migratórios específicos rumo a países específicos (MARGOLIS, 1994, p. 15).

Como iremos ver mais adiante, a pesquisa que realizamos ratificou o que praticamente as evidências empíricas apontavam: a maioria dos trabalhadores brasileiros inseridos no mercado de trabalho na Guiana Francesa, e mais precisamente em Caiena, desenvolve atividades pouco qualificadas. No entanto podemos incorrer num grave erro de tomarmos essa idéia de desqualificação ao “pé- da-letra”. Tivemos a oportunidade de conhecer vários mestres–de-obras, carpinteiros, mecânicos, pedreiros experientes, até brasileiros donos de pequenas firmas em Caiena. Logo, há uma parcela de trabalhadores brasileiros que se não possuem diplomas universitários, possuem conhecimentos de ofício ainda valorizados na sociedade guianense. A distinção entre trabalho e labor é tratada por Arendt (2002, p. 101) no livro “A condição humana” de forma extremamente pertinente. Sobre esta temática, ela esclarece:

É interessante notar que as distinções entre trabalho qualificado e não-qualificado e entre trabalho manual e intelectual não desempenham papel algum na economia política clássica nem na obra de Marx. Comparadas à produtividade do trabalho, essas distinções são realmente de importância secundária. Toda atividade exige certo grau de qualificação, tanto atividade de limpar e cozinhar como a de escrever um livro ou construir uma casa. A distinção não se refere a atividades diferentes, mas, apenas denota certos estágios e qualidades de cada uma delas. Adquiriu certa importância com a moderna divisão do trabalho, na qual tarefas originalmente confiadas aos jovens e aos inexperientes tornaram-se ocupações vitalícias. O resultado é que o que é comprado e vendido no mercado de trabalho não é qualificação individual, mas a força de trabalho (labor), da qual todo ser humano deve possuir aproximadamente a mesma quantidade.

A reflexão acima desenvolvida por Arendt (2002) chama atenção para uma questão de extrema importância sobre a presença de brasileiros na Guiana Francesa. A maioria dos autores (brasileiros ou franceses) que estuda a temática migratória neste Departamento Francês aponta a pouca qualificação profissional dos trabalhadores brasileiros no mercado de trabalho guianense. O nosso próprio trabalho de pesquisa também compartilha dessas constatações. Contudo, não podemos generalizar esse assunto e tomar esta questão de “grau de qualificação” apenas se referindo a títulos e graus escolares. Em Caiena existem brasileiros que

são considerados verdadeiros mestres no ramo da carpintaria, da pintura, da construção de casas, etc. Apesar destes ofícios não terem status no mercado de trabalho local, já que a maioria destas atividades é realizada de forma clandestina e de maneira informal, a procura de serviços desta natureza prestados pelos brasileiros é bastante concorrida. Inclusive, segundo o Cônsul Geral do Brasil em Caiena, muitos cidadãos guianenses dizem que “se você quer um trabalho bem feito, chame um brasileiro”.

Logo na introdução de seu livro “As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário”, Castel (1998) avisa que nesses tempos de incertezas, em que o passado se esquiva e o futuro é indeterminado, seria preciso mobilizar nossa memória para tentar compreender o presente. Para este autor a situação atual é marcada por uma comoção que, recentemente, afetou a condição salarial: o desemprego em massa e a instabilidade das situações de trabalho, a multiplicação de indivíduos que ocupam na sociedade uma posição de supranumerários, “inempregáveis”, inempregados ou empregados de um modo precário, intermitente (CASTEL, 1998). Desde o final do século XX, os temas trabalho e remuneração, emprego e desemprego, qualificação e desqualificação, economia formal e informal aparecem nas agendas políticas de partidos e principalmente nos discursos das políticas públicas de governos. Um dos temas mais debatidos já algum tempo dentro da sociologia do trabalho diz respeito à centralidade do trabalho. Foi o trabalho ou o trabalhador quem perdeu importância? Como instrumento de sobrevivência e realização pessoal, fim de socialização ou categoria de sofrimento e alienação, o trabalho é sempre alvo de análises de variados matizes. Vivemos na era da informação, do conhecimento, e sem esses elementos é dificílimo sobreviver em nossa sociedade. Não há hoje como pensar o trabalho sem a variável educação. A humanidade, na sua história, não possibilitou a democratização política e, conseqüentemente, as riquezas materiais e culturais não são de acesso de todos. A educação escolar, por exemplo, não consegue estabelecer as mesmas condições de acesso de todos à qualificação necessária para o mercado profissional.

Segundo Ianni (1999) o que caracteriza o mundo do trabalho no final do século XX, é que ele se tornou realmente global. Na mesma escala em que ocorre a globalização do capitalismo, verifica-se a globalização do mundo do trabalho. Este mesmo autor ainda completa:

Ainda que incipiente, esse mundo do trabalho e o conseqüentemente movimento operário apresentam características mundiais: são desiguais, dispersos pelo mundo, atravessando nações e nacionalidade, implicando diversidades e desigualdades sociais, econômicas, políticas, culturais, religiosas, lingüísticas, raciais e outras. Inclusive apresentam as peculiaridades de cada lugar, país ou região, por suas características históricas e geográficas. Entretanto, há relações, processos e estruturas de alcance global que constituem o mundo de trabalho e estabelecem as condições para o movimento operário (IANNI, 1999, p. 17).

Atualmente, a flexibilização dos processos de trabalho e de produção implica uma acentuada e generalizada potenciação da capacidade produtiva da força de trabalho. As mesmas condições de organização e técnicas de produção flexibilizada permitem a dinamização quantitativa e qualitativa da força produtiva do trabalho. No lugar da racionalidade característica dos padrões taylorista16, fordista17, adota-se a racionalidade mais intensa, geral e pluralizada da organização toyotista ou flexível do trabalho e da produção. Como diz Antunes (1995), o cronômetro e a produção em série18 foram substituídos pela flexibilização da produção, pela especialização flexível, por novos padrões de busca de produtividade, por novas formas de adequação da produção à lógica do mercado. Em forma de síntese, esse comentário abaixo é bastante significativo:

A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (tais como a “Terceira Itália”, Flandres, os vários

16 Numa abordagem mais precisa, o taylorismo refere-se, especificamente, ao conjunto de princípios e técnicas sistematizados por Taylor (1856-1915), com o objetivo de racionalizar o trabalho pela aplicação do método de gerência científica, que marcou o final do século XX e o início do século XX, nos países industrializados.

17 Sistema sócio-político econômico, como padrão sócio-técnico de organização da produção e do trabalho.

18 Freqüentemente, tanto o taylorismo quando o fordismo, às vezes, são tomados como sinônimo. Quando isto acontece, estes termos são aplicados em sentido amplo, ou seja, relacionados à análise científica do trabalho, fragmentação, cronometragem, concepção e execução de tarefas, disciplina e controle sobre o trabalho, desqualificação e degradação do trabalho.

vales e gargantas do silício, para não falar da vasta profusão de atividades dos paises recém-industrializados). Ela também envolve um novo movimento que chamarei de “compressão do espaço- tempo” no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variado.

Esses poderes aumentados de flexibilidade e mobilidade permitem que os empregadores exerçam pressões mais fortes de controle do trabalho sobre uma força de trabalho de qualquer maneira enfraquecida por dois surtos selvagens de deflação, força que viu o desemprego aumentar nos países capitalistas avançados (salvo talvez no Japão) para níveis sem precedentes no pós-guerra. O trabalho organizado foi solapado pela reconstrução de focos de acumulação flexível em regiões que careciam de tradições industriais anteriores e pela reimportação para os centros mais antigos das normas e práticas regressivas estabelecidas nessas novas áreas. A acumulação flexível parece implicar níveis relativamente altos de desemprego “estrutural” (em oposição a “friccional”), rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos (quando há) de salários reais e o retrocesso do poder sindical – uma das colunas políticas do regime fordista. O mercado de trabalho, por exemplo, passou por uma radical reestruturação. Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão- de-obra excedente (desempregados ou subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis (HARVEY,1992, p. 140-143).

Ianni (1999) novamente chama atenção para o fato de que o mercado de força de trabalho ingressa em um ciclo de ampla movimentação, em âmbito nacional, regional e mundial. Indivíduos, famílias, grupos e coletividades deslocam- se através de fronteiras geográficas e históricas, nacionais e continentais, soltos desterritorializados. Para este autor, na medida que as relações sociais adquirem diferentes configurações, as categorias sociológicas, por exemplo, deveriam ser reinventadas, pois tenderiam a não mais explicar os mesmos fenômenos.

Diante das metamorfoses do objeto da Sociologia, a teoria logo se vê desafiada, posta em causa no que se refere a conceitos e interpretações. Trata-se também de repensar alguns fundamentos da própria reflexão sociológica. Há metamorfoses do objeto da Sociologia que desafiam as categorias de tempo e espaço, micro e macro, holismo e individualismo, sincronia e diacronia, continuidade e descontinuidade, ruptura e transformação. Quando a sociedade configura-se simultaneamente como local, regional e mundial, algumas categorias básicas da reflexão sociológica abalam-se, parecem declinar, ou emergem desafiando a imaginação (IANNI, 1997, p. 14).

Com o processo de globalização, o trabalho e o trabalhador perdem cada vez mais o caráter individual local, e tornam-se coletivos, em dimensão e significados mundiais. A globalização do trabalho não significa padronização ou homogeneização, visto que as diversidades, as desigualdades e as tensões de raça, o sexo e a idade se multiplicam. Deve a Sociologia buscar apreender a categoria trabalho nesta diferente moldura em que ele se apresenta, em sua diversidade e heterogeneidade e em sua natureza multidimensional (COSTA de O Liberal, 2003).

No entanto, antes de dimensionarmos sociologicamente a heterogeneidade da categoria trabalho, gostaria de fazer uma breve incursão deste conceito em termos ontológicos, reflexão esta elaborada por Lúkács (1990). Em sua obra “Para uma ontologia do ser social”, esse autor realiza uma breve exposição dos nexos causais do ser social, informando sobre as distinções entre o ser social e a natureza. Para este autor, o mundo dos homens é diferente da natureza por que o primeiro se funda em atos teleogicamente (meios/fins) postos, enquanto a natureza é portadora de uma causalidade dada. Desta forma, Lukács (1990) entende que o ser social