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Conforme foi visto, todo direito tem um custo, e com o intuito de efetivarem-se os direitos constitucionalmente previstos, as unidades subnacionais necessitam de uma fonte de arrecadação de renda, as quais são obtidas, dentre outros meios, através do produto da atividade tributária. Desta forma, garante-se, também a autonomia dos entes federativos, um dos corolários do princípio federativo96.

Nabais diferencia três tipos de custos do Estado. O primeiro deles correlaciona-se diretamente com a própria existência do Estado, traduzidos na defesa da pátria. O segundo, por sua vez, são os relativos à manutenção e funcionamento da democracia, consubstanciados no exercício dos direitos políticos dos cidadãos. E, por fim, o terceiro tipo de custo seriam os chamados custos em sentido estrito ou custos financeiros públicos para fazer frente aos custos dos direitos, sendo concretizáveis mediante o dever de pagar os tributos97.

[…] todos os direitos, porque não são dádiva divina nem frutos da natureza, porque não são auto-realizáveis nem podem ser realisticamente protegidos num estado falido ou incapacitado, implicam a cooperação social e a responsabilidade individual. Daí que a melhor abordagem para os direitos seja vê-los como liberdades privadas com custos públicos. Na verdade, todos os direitos têm custos comunitários, ou seja, custos financeiros públicos. Têm portanto custos públicos não só os modernos direitos sociais, aos quais toda a gente facilmente aponta esses custos, mas também custos públicos os clássicos direitos e liberdades, em relação aos quais, por via de regra, tais custos tendem a ficar na sombra ou mesmo no esquecimento.

Para munir-se dos meios necessários para a sua manutenção, o Estado poderá

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NABAIS, José Casalta. Por um Estado Fiscal Suportável; Estudos de Direito Fiscal. Coimbra: Almedina, 2005. p. 26.

96 Uma vez que “uma efetiva autonomia política, enquanto liberdade para dizer o direito em seus respectivos âmbitos territoriais, concretizando as premissas do Estado e colocando à disposição dos cidadãos meios que facilitem o máximo possível a realização do bem estar entre estes em âmbito regional e local, demanda certa independência sob as perspectivas econômica e financeira”. BERTI, Flávio Azambuja. Direito Tributário e Princípio Federativo. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 192.

97 NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Disponível: <http://buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/ article/viewFile/15184/14748> Acesso em: 15/01/2011.

utilizar-se do seu patrimônio ou propriedade, bem assim dos rendimentos da atividade comercial por meio da sua tributação. Haja vista a esgotabilidade inerente a todos os bens, a via utilizada de forma mais expressiva para este mister, assenta-se no exercício da competência tributária.

Ou seja, com o escopo de aparelhar-se dos meios necessários para a garantia destes direitos, dentre outras formas, o Estado impõe à sociedade o pagamento de prestações pecuniárias não sancionadoras, instituídas em lei e arrecadadas pela Administração ou quem lhe faça às vezes, o tributo98.

A doutrina propõe inúmeras acepções do termo tributo, as quais não cabem aqui elencar99, não havendo um consenso acerca do mesmo. No entanto, para efeitos deste, tomar- se-á emprestada à definição trazida no art. 3º do Código Tributário Nacional100, segundo o qual tem-se por tributo toda prestação pecuniária compulsória, a qual não constitua sanção de ato ilícito, a ser instituída em Lei e cobrada pela Administração ou quem lhe faça às vezes.

Quanto a sua função primordial não há dúvidas: arrecadar recursos financeiros os quais serão utilizados no custeio, manutenção e financiamento do Estado. É de se dizer que, apesar desta última não se constituir na sua única finalidade, seria, inquestionavelmente, a mais expressiva. E como reflexo desta, surge a perspectiva extrafiscal da tributação, como um verdadeiro meio de promoção da igualdade de oportunidades e da justiça distributiva101.

A arrecadação proveniente das exações tributárias impostas aos indivíduos são voltadas, portanto, para cobrir as necessidades públicas. Sem o montante arrecado pela Administração, ou quem lhe faça às vezes, o Estado e suas unidades subnacionais não possuiriam meios suficientes para a consecução de seus fins. Sendo assim, não se pode compreender um determinado direito sem se saber a dimensão dos seus custos102.

98 Segundo Nabais, os tributos seriam o preço que a sociedade paga por viver em uma comunidade organizada em Estado e assente na liberdade e em um mínimo de solidariedade. NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Disponível: <http://buscalegis.ufsc.br/revistas/ index.php/buscalegis/article/viewFile/15184/14748> Acesso em: 15/01/2011..

99 Ante a complexidade do tema, não caberá aqui fazer-se a análise dos diversos conceitos de tributo atribuídos pela doutrina. Sobre o tema ver GRAU, Eros. Conceito de tributo e fontes do direito tributário. São Paulo: resenha tributária, 1975.

100 Código Tributário Nacional: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

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No entanto, ante a complexidade do tema, portando digno de um trabalho próprio, este não será melhor desenvolvido aqui. Sobre o tema ver: GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, igualdade e Direito Tributário. São paulo: Dialética, 1999.

102 GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 210.

Apesar de não estar expresso no sistema jurídico brasileiro, dele se pode extrair por construção hermenêutica, e pela análise acurada dos preceitos insertos no ordenamento jurídico pátrio, um dever de pagar o tributo, uma vez que a sua obrigatoriedade decorre de um ato de autoridade, previsto em lei. Seriam, portanto “contribuições obrigatórias de direito Público. Pertencem ao campo da economia coativa. Juridicamente são obrigações ex lege”103.

Ante a sua imprescindibilidade na manutenção e garantia dos fins do Estado Federal, parte da doutrina já defende a ideia de dever fundamental de pagar tributos, cabendo sua breve análise104.

Em via contrária do que ocorre com os direitos fundamentais, pouco se desenvolveu doutrinariamente acerca dos deveres fundamentais. Diferente do que ocorre com os direitos fundamentais, os quais são apenas reconhecidos pelo legislador constituinte, sendo a ele pré- existentes, os deveres fundamentais, por outro lado, constituem-se em uma criação legislativa. Constitui-se em posições jurídicas passivas, autônomas em relação aos direitos fundamentais, subjetivas, individuais e universais permanentes. Além disso, sua aplicação não se dará, via de regra, de forma direta, tal qual ocorre com os direitos fundamentais, mas são geralmente concretizados, isto sim, mediante instrumento infraconstitucional.

Com relação à fundamentação dos deveres fundamentais, pode-se falar que esta se subdivide em uma de razão lógica e outra jurídica. A razão de ser lógica dos deveres fundamentais corresponde à expressão da soberania do Estado cujo esteio assenta-se na dignidade da pessoa humana105. Já a jurídica, por sua vez, reside na sua previsão constitucional. Ou seja, mesmo que não haja a previsão constitucional, não mais poderá se dizer que esses deveres seriam fundamentais106, o que não obsta, no entanto a sua imposição pelo legislador ordinário, no entanto, apesar de poderem ser considerados fundamentais sob um ponto de vista material.

103 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972. p. 157.

104 Sobre o tema ver: NABAIS, José Cabalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do Estado Fiscal Contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2004.

105 NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Disponível: <http://buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/ article/viewFile/15184/14748> Acesso em: 15/01/2011.

106 Poderão, no entanto, ter notas de fundamentalidade material, ocorre que, mesmo possuindo tal característica isso não implica em dizer que eles seriam verdadeiros direitos fundamentais, mas sim deveres legais. Disso resulta a ideia de que os deveres fundamentais somente serão assim considerados se além da fundamentalidade formal estiverem previstos na Constituição, mesmo que implicitamente. NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Disponível: <http://buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/15184/ 14748> Acesso em: 15/01/2011.

Neste mesmo sentido aduz Nabais para quem “como dever fundamental, o imposto não pode ser encarado nem como um mero poder para o Estado, nem como um mero sacrifício para os cidadãos, constituindo antes o contributo indispensável a uma vida organizada em Estado Fiscal”107.

Entrementes, em que pese a sua interferência direta na concretização dos direitos dos indivíduos, uma vez que na efetivação da maioria destes haverá um dispêndio monetário, sendo poucos os direitos considerados financeiramente negativos, quase sempre representando um custo para o Estado, o discurso apontando para uma diminuição da carga tributária é recorrente no Brasil, fomentados pela insatisfação dos cidadãos em pagar os tributos108.

Ocorre que, como bem se viu, os tributos não podem ser analisados como um sacrifício da propriedade privada, mas como via ideal e necessária na consecução da efetividade dos direitos atribuídos aos indivíduos e satisfação das necessidades públicas.