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brasileiro, onde todas as demais normas devem ser com ela compatíveis. É considerada verdadeira representante da vontade do povo e fundamento jurídico de existência do Estado Federal.

Como consequência dessa supremacia constitucional61, no texto constitucional de 1988 há a previsão de um procedimento mais dificultoso de exercício do poder de emenda aos seus dispositivos. É a chamada rigidez constitucional.

Antes de adentrar-se na análise da hermenêutica do disposto no art. 60, §4º, I da Constituição Federal de 1988, há de se esclarecer um ponto de crucial importância: o enquadramento do preceito federativo como princípio.

É de se gizar, que os princípios trazidos na Constituição brasileira fazem parte de uma categoria lógica e, na medida do possível, universal, embora não se possa olvidar que, antes de qualquer coisa, quando eles são incorporados a um sistema jurídico Constitucional- Positivo, acabam por refletir a “própria estrutura ideológica do Estado e, como tal, representativa dos valores consagrados por uma determinada sociedade”62.

No entanto, mesmo tendo sido atribuído ao mesmo à posição de princípio63, na

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Sobre o tema da supremacia constitucional, assim leciona Ari Sundfeld: “o ato administrativo e a sentença valem se estiverem de acordo com a lei, que lhes é superior; a lei vale se estiver de acordo com a Constituição, que lhe é superior. Olhando no sentido inverso, verificamos que a Constituição é o fundamento de validade de todas as normas do ordenamento jurídico. Nisto constitui a supremacia da Constituição”. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 40.

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DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen, 1995. 63 Longe de se adentrar em questões doutrinárias de se o princípios seriam ou não considerados normas, bem assim a insistente diferenciação entre princípios e regras, ante a complexidade dos temas, portanto dignos da confecção de um outro trabalho, estes não terão espaço no presente estudo. Sobre o tema ver: LOPES, José Reinaldo de Lima. Juízo jurídico e a falsa solução dos princípios e das regras. In: Revista Legislativa. nº 160. Brasília: Senado Federal, out/dez. 2003 Ainda sobre o tema ver: SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. In:Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais. nº 1. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

realidade o Pacto Federativo seria um limite objetivo à atuação tanto do legislador ordinário quanto do próprio constituinte reformador. Logo, não há, quando da sua leitura, a abertura semântica própria dos princípios como vetores axiológicos, prescindindo, portanto, de uma maior mediação intelectiva para desvendar-se seu conteúdo64.

Sendo assim, o que se quis dizer, na verdade, quando da alocação deste como princípio é o fato de que seus preceitos irão irradiar por todo o ordenamento jurídico brasileiro, servindo-lhe de base, tendo como decorrência lógica a idéia de que nenhum instrumento normativo ou interpretação dos seus preceitos, poderá ir de encontro com os primados da Federação.

A Constituição Federal de 1988, a fim de resguardar preceitos tidos como imprescindíveis para a ordem constitucional, evitando a sua destruição, ou alteração substancial dos mesmos, concedeu aos preceitos do art. 60, §4º65, a característica de imutabilidade66: são as chamadas cláusulas pétreas, ou normas de controle, uma vez que, mediante a sua análise permite-se aferir a constitucionalidade ou não de possíveis revisões constitucionais que possam eventualmente ir de encontro ao seu conteúdo67.

Constituem-se, então, em limites de ordem material opostos ao Poder Constituinte Derivado, um núcleo material intangível, o qual não poderá ser modificado por meio de reforma constitucional, senão por uma nova constituinte, no intuito de se evitar a abolição ou uma radical transformação da ordem constitucional vigente.

Logo, toda e qualquer tentativa de revisão do texto constitucional deverá observar

64 Cabível de nota acrescentar que apesar da mediação intelectiva para desvendar o conteúdo de princípios traduzidos em limites objetivos, dentre eles o de Pacto Federativo, isso não implica dizer que há uma isenção total de subjetividade, uma vez que, para além de os textos normativos não possuírem conteúdo algum se destacado do ordenamento jurídico, histórico e peculiaridades do Estado em que foi editado, faz-se impossível, ainda, a busca da chamada “vontade do legislador”, pois uma vez produzido, o texto se desprende de seu autor, não possuindo um significado prévio na intencionalidade do legislador, ou no próprio texto em si, não cabendo ao seu intérprete reconstruir um “sentido originário”, mas sim, buscar um, criá-lo, em interação com o contexto social-histórico.

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Constituição Federal de 1988: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta (…) §4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais”. 66

Cumpre, no entanto, fazer-se uma pequena diferenciação entre rigidez constitucional e imutabilidade. Com efeito, o conceito de imutabilidade não se faz presente tão somente nas Constituições rígidas. Ambos constituem-se em uma limitação ao poder de reforma, no entanto, enquanto que a rigidez constitucional traduz-se numa limitação de ordem procedimental, ou seja, formal, trazendo mecanismos mais gravosos de modificação da Constituição tida como rígida; a imutabilidade, por sua vez, consiste numa limitação de ordem substancial, material, caso em que a própria texto Constitucional prevê certos conceitos que não podem ser modificados mediante revisão ou reforma constitucional. Daí, então que mesmo uma Constituição dita flexível pode contemplar um núcleo intangível, que seriam as denominadas “cláusulas pétreas”.

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MENDES Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade; aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva. 1990. p. 98.

esse núcleo intocável, sob pena de inconstitucionalidade, uma vez que as cláusulas pétreas são consideradas normas de controle desta atividade.

Assim sendo, a restrição contida nos incisos do art. 60, § 4º da Constituição Federal de 1988 não se refere tão somente a abolições do conteúdo efetivamente expresso em seu rol, mas também a qualquer tentativa de modificação conceitual do mesmo que venha porventura restringir ou demonstre, uma certa tendência à sua supressão do ordenamento jurídico pátrio.

A forma federativa de Estado é resguardada pela Constituição Federal de 1988, sendo considerada cláusula pétrea68, segundo bem preceitua o seu art. 60, § 4°, I69. Sendo assim, decorre que ela não poderá ser objeto de Emenda tendente à sua abolição ou até mesmo mitigação que culmine no atingimento do seu núcleo central, isto é, do elemento conceitual do instituto.

É de se elucidar que o chamado princípio federativo, conceito que fora desenvolvido inicialmente por Pierre-Joseph Proudhon70, como crítica às tendências centralistas dos Estados, não se resume apenas na distribuição de poder entre as unidades subnacionais, mas também na concessão de autonomia às entidades federativas, a ser exercida dentro dos limites estabelecidos pela própria Constituição.

Logo, o núcleo intangível desse preceito não abrange tão somente a divisão do Estado Federal brasileiro em entidades federativas, como também toca noções como as de autonomia política, administrativa e financeira a ele inerentes.

Assim sendo, imprescindível dizer que qualquer tentativa de reforma constitucional que veicule em seu conteúdo a abolição ou radical transformação do conceito essencial de Federação, neste incluindo a ideia de autonomia, vai de encontro frontalmente à Constituição Federal de 1988, uma vez que se constituem no núcleo central da ideia de Federação, o qual é petrificado na ordem constitucional brasileira, ante ao disposto no art. 60, §4º, I da Carta Maior.

Assim sendo, conforme se verá adiante, as inúmeras tentativas de unificação da

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As quais são também denominadas de clausulas de garantia da eternidade. 69

Constituição Federal de 1988: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...)§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado”.

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Para Proudhon, o princípio federativo estava ligado à igualdade social e o equilíbrio de rendas. Segundo o autor, “[...] el principio federativo aparece acá íntimamente ligado com los principios de igualdad social de las razas y del equilibrio de las fortunas. El problema político, el problema económico y el problema de las razas son un solo y mismo problema, que debe resolverse con la misma teoría y la misma jurisprudencia”. PROUDHON, Pierre Joseph. El principio federativo y la necessidad de reconstruir el partido de la revolución. Tradução: Aníbal D'auria. Buenos Aires: Libros de Anarres, 2008. p. 225.

competência tributária do ICMS com vistas a apaziguar o clima bélico entre os entes federativos brasileiros, na busca de investimentos da iniciativa privada, quedaram-se inconstitucionais com base no disposto no art. 60, §4º, haja vista que a repartição constitucional de competências tributárias influenciam diretamente na autonomia financeira das unidades subnacionais, colocando em risco a autonomia político-administrativa dos mesmos, elemento identificador de um Estado Federal e, portanto, não passível de modificações que tragam em seu bojo uma tendência abolidora dos seus contornos.

3 FEDERALISMO FISCAL NO BRASIL

3.1 – Direitos e deveres recíprocos do Estado e dos