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4.1 Não-incidência, Imunidades e Isenções: uma breve e necessária diferenciação

4.1.2 Fenomenologia da Isenção tributária

4.1.2.2 Exigência de Lei Específica para sua concessão

A indisponibilidade do interesse público e a sua supremacia sobre o interesse privado consistem em verdadeiros pilares do regime democrático. Daí afirmar-se que a Administração, quando da gestão dos bens e interesses públicos, deve curá-los em total consonância com uma

209 BERTI, Flávio Azambuja. Direito Tributário e Princípio Federativo. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 287.

210 Um dos adeptos desta teoria é Roque Carraza, para quem “Isenção é uma limitação legal do âmbito de validade da norma jurídica tributária, que impede que o tributo nasça ou faz com que ele surja de modo mitigado (isenção parcial) (…) é a nova configuração que a lei dá à norma jurídica tributária, que passa a ter seu âmbito de abrangência restringido, impedindo, assim, que o tributo surja in concreto (naquela hipótese descrita na lei isentiva)”. CARRAZA, Roque Antônio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 515.

211 Utilizando-se a classificação de Marcos Bernardes de Mello, as normas isentivas podem ser classificadas como normas de pré-exclusão da juridicidade, uma vez que sua finalidade é a de impedir que suporte fático, neste caso as bases tributárias, que seria, normalmente, juridicizada irrompendo a obrigação jurídico tributária, assim o seja. Leciona o autor que “a pré-exclusão de juridicidade também se dá pela mutilação da norma jurídica, excluindo-se os seus efeitos, como ocorre nos casos de isenção de tributos e de penas”. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: plano da existência. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 90.

determinada finalidade213.

Isso se explica devido ao fato de que o Administrador, quando da gestão da coisa pública não o faz em interesse próprio, mas sim de outrem, no caso, a sociedade. E mais, ele estaria exercendo função administrativa, na persecução do interesse da coletividade. E é por isto que este não poderá adotar condutas sem que estas reflitam a verdadeira vontade pública, a qual deverá ser traduzida pela edição de instrumentos legislativos.

A imprescindibilidade desta exigência é tão expressiva no ordenamento jurídico brasileiro que, caso os atos praticados pelo Administrador não encontrem amparo na Lei, e destes decorrerem impactos negativos, deverá o agente responder pessoalmente pelos danos eventualmente causados. Noutras palavras, uma vez que “o uso das prerrogativas da Administração é legítimo se, quando e na medida indispensável ao atendimento dos interesses públicos”214, caso em que, ultrapassada esta barreira, deve o gestor público responder pessoalmente215.

Sendo assim, tendo em vista que a receita decorrente da atividade tributária do Estado integra o patrimônio público, e que a concessão de isenções repercute diretamente no total arrecadado pelo Fisco, outro entendimento não poderá subsistir que não o da indispensabilidade de Lei para dispor sobre o exercício da competência tributária.

Deste modo, tem-se que “a Fazenda Pública não é 'dona' do tributo. Ela o lança e o arrecada, nos estritos termos da lei. Não lhe é dado abrir mão, sponte própria, de seu recolhimento. Pelo contrário, só poderá deixar de arrecadá-lo em cumprimento a uma lei autorizadora”216.

No entanto não será qualquer Lei que terá o condão de isentar determinadas materialidades da incidência da RMIT de um determinado tributo. A Constituição do 1988, em seu art. 150, §6º217, prevê a necessidade da edição de “lei específica” para tal mister.

213 Neste mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta: “Relembre-se que a administração não titulariza interesses públicos. O titular deles é o Estado, que, em certa esfera, o protege e exercita através da função administrativa, mediante o conjunto de órgãos (chamados administração, em sentido subjetivo ou orgânico), veículos da vontade estatal consagrada em lei”. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 63.

214 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 60.

215 Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego público ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências – Lei de Improbidade Administrativa.

216 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p. 874.

Quando o texto constitucional exige a sua veiculação por ato específico, esta última refere-se à edição de um instrumento normativo cujo conteúdo se refira tão somente sobre o tema - isenção tributária. Quis o constituinte evitar a prática difundida antes do advento da Constituição Federal de 1988, quando o Legislativo concedia isenções a certos tributos no bojo de leis que não guardavam qualquer relação com a exação tributária cuja incidência se pretendesse afastar218, no intuito de que aquelas passassem desapercebidas.

Importante ressaltar que as leis específicas, em oposição às genéricas, referem-se aos instrumentos legislativos direcionados a um grupo de indivíduos específico, ou então delimitadas no que pertine ao assunto de que trata. A exigência veiculada pelo art. 150, §6º da Constituição Federal de 1988 refere-se, então, a edição de leis que regulem exclusivamente os benefícios fiscais que se pretendam conceder, ou o correspondente tributo ou contribuição.

Sendo assim, da exigência de edição de lei específica contida no dispositivo constitucional acima explicitado decorre o entendimento de que o instrumento normativo no qual será veiculada a isenção tributária deverá versar tão somente sobre a mesma, ou sobre o tributo o qual se quer isentar.

Por fim, cabe fazer uma breve observação relativamente à omissão do dispositivo constitucional ora em comento, em incluir na sua redação o Distrito Federal. No entanto, isso não resulta dizer que a este ente político seria conferida a possibilidade de concessão de isenções tributárias ou de institutos exonerativos afins sem a prévia edição de lei específica219. Tendo em vista que o próprio texto constitucional o inclui como ente federativo, outro entendimento não poderá decorrer que não o da necessidade de observância do preceito constitucional em voga.