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A exclusão de terrenos vazios localizados dentro dos perímetros das ZEIS 1

4. O PROCESSO DE ALTERAÇÃO DO PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DE

4.3 A Lei Complementar nº 108/2012

4.3.3 A exclusão de terrenos vazios localizados dentro dos perímetros das ZEIS 1

Antes da Lei Complementar nº 108/12, essa era a redação do art. 126 do Plano Diretor:

Art. 126 - As Zonas Especiais de Interesse Social 1 (ZEIS 1) são compostas por

assentamentos irregulares com ocupação desordenada, em áreas públicas ou particulares, constituídos por população de baixa renda, precários do ponto de vista urbanístico e habitacional, destinados à regularização fundiária, urbanística e ambiental.

Após as alterações, assim se encontra redigido o dispositivo, atualmente, com o acréscimo de três parágrafos:

Art. 126 - As Zonas Especiais de Interesse Social 1 (ZEIS 1) são compostas por

assentamentos irregulares com ocupação desordenada, em áreas públicas ou particulares, constituídos por população de baixa renda, precários do ponto de vista urbanístico e habitacional, destinados à regularização fundiária, urbanística e ambiental.

§ 1º São inválidas e sem eficácia como Áreas de Zona Especial de Interesse Social -

1 (ZElS - 1) as áreas que, embora situadas dentro dos limites da ZEIS-1, sejam constituídas de: (acrescido pela Lei Complementar nº 108/2012)

I — imóveis vazios, não utilizados pela população do assentamento irregular, desde que comprovada a regularidade da propriedade;

II — imóveis ocupados por qualquer atividade, que não sejam utilizados pela população do assentamento irregular, desde que comprovada a regularidade da ocupação.

§ 2º Aplica-se a esses terrenos de que trata o § 1º o que dispõe a legislação urbana

para a zona em que se situam os mesmos. (acrescido pela Lei Complementar nº 108/2012)

§ 3º O enquadramento desses terrenos será feito pelos órgãos municipais

competentes, quando solicitado pelo interessado, através de parecer técnico. (acrescido pela Lei Complementar nº 108/2012)

Como se pode ver, os dispositivos acrescidos tiveram por objetivo retirar do perímetro abrangido por ZEIS 1 os imóveis vazios e os imóveis ocupados por qualquer atividade, desde que não sejam utilizados pela população do assentamento irregular.

Como já afirmamos em outros pontos deste trabalho, ZEIS 1 são áreas de assentamento precário espontâneo, habitadas por população de baixa renda, às quais serão destinados recursos prioritários para obras de regularização fundiária, com participação da população no processo de tomada de decisões. Sua principal característica são os padrões urbanísticos diferenciados, em relação aos padrões de construção de outras zonas da cidade, que colocam dentro da lei toda aquela população que não possui recursos para adentrar o excludente e caro mercado regular de terras urbanas. Em geral, as ZEIS 1 são constituídas por áreas comumente chamadas de “favelas”.

As ZEIS do Tipo 1 (bem como as do Tipo 2) têm por objetivo conferir à população da área delimitada condições dignas de urbanização, obrigatoriamente dentro dos critérios estabelecidos por um plano integrado de regularização fundiária (art. 267, PDPFor)108. Os planos de regularização fundiária não podem ter por intenção simplesmente a correção de irregularidades cartoriais e a entrega de títulos de propriedades das habitações em que vivem as famílias (“papel da casa”). Pelo contrário, tais planos constituem “um conjunto de ações integradas que visam ao desenvolvimento global da área, elaborado em parceria entre o Município e os ocupantes da área, abrangendo aspectos urbanísticos, socioeconômicos, de infraestrutura, jurídicos, ambientais e de mobilidade e acessibilidade urbana”, conforme o art. 267 do PDPFor.

O art. 272 do Plano define o conteúdo mínimo dos planos integrados de regularização fundiária:

Art. 272 - O plano integrado de regularização fundiária, compreendido como o

conjunto de ações integradas que visam a atender às demandas da região por infraestrutura urbana e equipamentos sociais, à melhoria das condições habitacionais, deve possuir, no mínimo:

I - a identificação de imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizados, em especial aqueles com potencial para o uso habitacional;

II – o mapeamento das áreas não passíveis de ocupação, a fim de evitar futuras situações de risco e de baixa qualidade ambiental para a população residente das ZEIS;

III - os projetos e as intervenções de caráter urbanístico necessários à recuperação física da área e à promoção da qualidade ambiental para a população residente em conformidade com o diagnóstico produzido previamente e com as demandas comunitárias;

IV - projetos de provisão habitacional, caso seja necessário, com definição dos beneficiários e área de implantação, que deverá, prioritariamente, integrar o perímetro da ZEIS ou estar localizada em área próxima;

V - ações de acompanhamento social durante o período de implantação das intervenções.

Vê-se que dentro dos planos que devem ser elaborados para cada ZEIS, há necessidade de se preverem ações que restrinjam a ocupação de mais terrenos dentro das Zonas Especiais, que realizem intervenções de caráter urbanístico e que garantam provisão de moradias. Ora, para que todas essas medidas sejam tomadas, é necessário a existência de terrenos disponíveis.

Vejamos: se em uma determinada favela reconhecida como ZEIS conclui-se que parte das casas encontra-se em área de risco ou de vulnerabilidade ambiental, será necessário realizar obra que vise à realocação da população que nelas vive. Para tanto, será preciso haver terras disponíveis dentro do perímetro da ZEIS. Caso contrário, a população terá que

108 De acordo com o PDPFor, as ZEIS deverão ainda contar com planos de regularização fundiária (art.273), de

continuar em suas moradias precárias ou ser removida para região fora das ZEIS, e isso vai contra os princípios que orientam as Zonas Especiais de Interesse Social, criadas justamente para que as populações de baixa renda possam desfrutar de uma infraestrutura urbana adequada, nas áreas em que vivem e nas quais estão presentes seus laços afetivos e culturais, sem necessidade de serem enviadas a um conjunto habitacional na periferia. Justamente por isso elas são tão importantes para a efetivação do direito à cidade, porque sua pretensão é conferir uma estrutura urbana regular, que respeite a população local e não interfira em seu relacionamento com o entorno urbano com o qual ela se encontra acostumada.

A inexistência desses terrenos vazios impede, na prática, que a ZEIS atinja todo seu potencial como efetivadora de direitos. Primeiramente porque, se não há dentro das ZEIS terrenos disponíveis para realocações ou construção de equipamentos públicos necessários ao bem-estar dos moradores, torna-se virtualmente impossível realizar tais empreendimentos. “Ora, basta que o Estado compre um terreno vazios vinho à ZEIS, ou o desaproprie para fins de construção de habitação de interesse social”, dirão alguns. Na realidade, todavia, não é assim que ocorre: os recursos estatais, que muitas vezes são desviados da questão social, provavelmente não seriam suficientes para comprar terrenos valorizados (ainda mais valorizados por se encontrarem próximos a áreas nas quais estão ocorrendo melhorias da infraestrutura urbana), fazendo que as populações somente pudessem ser remetidas para áreas menos valorizadas, localizadas nas franjas da cidade.

Eis aí, justamente, uma das maiores forças da ZEIS: ao impor sobre determinada área um regime de índices urbanísticos diferenciado daquele praticado no resto da cidade, sempre restringindo o tamanho dos lotes, a destinação dada aos terrenos e o tamanho das construções que podem ser feitas, a ZEIS causa uma “desvalorização” proposital das terras que ficam no seu perímetro, tornando-as pouco atrativas ao mercado imobiliário regular, de modo a garantir a destinação social dos terrenos atingidos. Desse modo, se se prevê que um terreno vazio está demarcado como ZEIS, imediatamente o valor daquele terreno é reduzido, pois ele é retirado do campo no qual vale pura e simplesmente a lei da oferta e da procura, tornando bem mais simples sua aquisição por parte do Estado.

Com a modificação empreendida pela LC nº 108/12, isso não é mais possível. A partir de agora, o proprietário de imóvel vazio localizado no perímetro da ZEIS poderá, desde que sua propriedade seja regular, requerer que seu terreno seja excluído da ZEIS, passando a ser regido pelos parâmetros da macrozona em que se encontra. Em nosso entender, essa previsão legal praticamente inviabiliza a ZEIS do Tipo 1, pois se não há no perímetro da Zona Especial espaço que possa ser utilizado para urbanificação, construção de habitação de

interesse social e reassentamento, a ZEIS consistirá simplesmente em uma delimitação urbana na qual haverá um população de baixa renda aglomerada, frustrada diante da existência de instrumentos legais que lhe garantem obras de regularização e melhoria urbanística, mas que não podem ser executados em virtude da incapacidade estatal de conseguir terrenos baratos em que possam ser feitas as construções.

Esse revés sofrido pela ZEIS 1 poderia ser compensado ou atenuado caso estivesse em prática uma política urbana de efetivação das ZEIS do Tipo 3, relativas a vazios urbanos (imóveis não utilizados ou subutilizados), que constituirão reserva de terras para a construção de habitação de interesse social e freio à especulação imobiliária. No entanto, este é mais um instrumento legal de enorme potencial previsto no PDPFor que tem caído em relativo esquecimento, diante da desídia do Poder Executivo Municipal.

4.3.4 A exclusão de imóveis ocupados por qualquer atividade, localizados dentro dos