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LEM I (1980) (2005) 6 2ª inversão de tríades

3.2 Experiência Cultural

3.2.6 Expectativas/Perspectivas

A convivência faz com as percepções sobre a escola e sobre as possibilidades de futuro sejam melhor conhecidas ou criadas. Entendendo como experiência a situação de estar por conhecer o ambiente e de, a partir deste conhecimento, traçar

ideias sobre o futuro, é que o sub-vetor da Expectativas/Perspectivas surge. As expectativas iniciais sobre o curso tendem a sofrer modificações, guiadas pelos interesses dos estudantes e por novas leituras sobre a realidade, a qual está em adaptação às demais condições contextuais. Elas também podem revelar o quanto um estudante espera da instituição e, portanto, a responsabilidade que esta tem para com seus membros.

A escola de música é – deixa eu ver como posso falar – onde eu vou construir meu maior sonho de viver de música mesmo, na vida acadêmica musical. (Lucas Jagersbacher)

Lidar com expectativas tão intensas em relação à escola parece ser algo difícil tanto para a instituição quanto para o estudante. No entanto, ao longo do curso, com melhor conhecimento da área e das possibilidades de atuação, as expectativas sobre a escola vão sendo definidas, e os meios possíveis para o seu cumprimento tornam-se mais concretos. Vejamos:

a princípio, quando eu entrei na faculdade eu pensava em fazer mestrado, doutorado, mas não sei se quero mais isso não. (Gabriel Sobral)

eu vejo rumos, eu quero muito seguir o academicismo. Não só pela questão profissional, mas eu acho que dá espaço pra se dedicar ao estudo. (Danniel Ferraz)

As duas últimas citações sintetizam respectivamente a idéia de expectativas e perspectivas e apontam para uma condição importante do percurso: saber para onde se está caminhando. A experiência de projeção, criando caminhos e avistando possibilidades pode ser determinante para a manutenção do estudante no curso e para sua satisfação. Por outro lado, uma compreensão conquistada através de um

contato mais próximo da Escola de Música e a área da composição possibilita imaginar perspectivas de atuação e de futuro, pessoal e profissional, de maneira mais definida. Vejamos citações que ilustram tais circunstâncias:

eu imaginava que de alguma maneira eu ia continuar com aquilo que eu gostava de fazer até antes de decidir que ia cursar composição. Eu fazia CD’s, assim, com umas 10 composições minhas que eu criava usando um programa de MIDI, como Cakewalk, escrevendo pelo pianoroll, além de ter uma banda de pop rock em Coité. Compunha também com ela, fazia música, eu fazia arranjo, botava cordas, gravava todos os instrumentos, essa era a minha experiência e achava que ia continuar mais ou menos nessa linha porque aquela descrição do curso é meio enganosa, você realmente acha que seu curso vai ser aquilo, como trilha de cinema e TV, arranjos para bandas, arranjos para estúdios eu achava que era por aí e que eu ia virar um produtor de estúdio e que as bandas iriam me chamar para produzir um CD. (Paulo Rios)

Então, após passados alguns anos de curso as perspectivas dele apresentam- se como seguinte:

eu já tinha mais ou menos claro que eu queria fazer o mestrado, aí mais pra frente não tinha não... Já tinha ido pra fora (do país), porque antes de terminar a graduação eu já tinha recebido uma menção honrosa em Portugal, aí tinha viajado e tido essa experiência que eu acho muito bacana; bem como participar de festival também envolve viagem e conhecer gente nova e ter experiência de ser tocado e essas coisas... Então já tinha tido essas duas experiências, queria continuar isso e um canal pra isso é participar de concurso que, apesar de você ter certas discordâncias com a ideologia do negócio ,é isso que você tem e é valido também, assim como você ganha um e “neguinho da beija flor” perde, “neguinho da beija flor” ganha outro ali e você perde, aí está sendo tocado, está conhecendo gente, engorda o currículo e permite que faça mais coisas desse tipo, eu acho válido... então as ambições eram essas e continuam sendo. (Paulo Rios – grifos nossos)

Assim, a ideia de ser produtor, trabalhar em estúdio, presente nas expectativas iniciais, toma outra forma: novas possibilidades surgem a partir da imersão no ambiente do curso de composição; concursos e festivais, assim como o interesse em pós-graduação.

Quando eu saí da graduação eu já sabia que queria fazer o mestrado e depois o doutorado e que queria ter esse pé lá fora, em outros estados em outros países e estou tentando. (Paulo Rios)

Outro estudante também faz o seguinte relato:

Meu veículo até então era o contrabaixo e sem ele eu não tinha veículo musical nenhum, então eu comecei a me enxergar como músico e não como contrabaixista, e a palavra “compositor” hoje, para mim, acho que abrange todo esse universo, porque eu tenho que compor, tenho que tocar, tenho que ensinar... tenho que analisar, discutir... em fim, essa passou a ser a minha ambição de vida. (Cleisson Melo)

A perspectiva enquanto projeção de possíveis formas de estar no mundo faz parte do que, como havíamos dito, Sartre chama de projeto. Por isso, a experiência de conhecer e, a partir do conhecido, projetar, é uma condição fundamental da descrição de uma experiência cultural. A condição momentânea da perspectiva mobiliza conhecimentos, vivências, desejos e viabilidades numa síntese que norteia o sujeito e dá significado a suas escolhas e experiências anteriores, fazendo aquilo que para Sartre caracteriza o ser humano: “o homem caracteriza-se antes de tudo pela superação de uma situação, pelo que ele chega a fazer daquilo que se fez dele, mesmo que ele não se reconheça jamais em sua objetivação” (Sartre apud Maheirie, 1984, p. 151).

Tomando como referência esta tentativa de fazer a partir “daquilo que se fez dele”, em seguida serão apresentadas perspectivas de alguns compositores; suas próprias palavras demonstrando como negociam a realidade dada e os seus desejos. Os dois primeiros são estudantes no final do curso e já vêem as possibilidades de forma mais concreta que os ingressantes; últimas palavras são de um aluno egresso, o qual depõe apresentando uma interpretação específica do curso e pretensões presentes em sua saída.

estou querendo me mudar pro Rio e lá percebi o mercado do teatro muito mais forte. Pretendo desenvolver com isso, até pela flexibilização que tenho de fazer tanto o popular quanto o erudito. Pretendo montar um home studio, fiz curso disso, apanhando a questão de composição. (Diogo Azevedo)

pretendo ir pra um interior ou pra minha cidade mesmo e trabalhar mesmo ensinando música lá, trabalhando na área de educação. (Rodrigo Leal)

eu fiz até Composição VIII, mas acabei não me formando por conta de algumas matérias do recheio e por conta de nesse percurso eu começar a amadurecer outras idéias também ligadas ao social, idéias de implicações artísticas, de querer ser produtivo. (...) Quando eu terminei composição VIII eu já estava resolvido a entrar no mercado de música de uma forma mais agressiva, no bom sentido da palavra, parei um ano para produzir um disco de música infantil, que eu carrego até hoje como o meu cartão de visita como música. Bom, como eu falei que já queria entrar no mercado de uma maneira mais produtiva do que acadêmica, não que o acadêmico não seja produtivo, então eu fiz Composição VIII sabendo que eu faria uma peça como um estudo meu, eu não queria que fosse tocada. (Paulo Rocha)

Mesmo com as dúvidas existentes quanto à atuação profissional e o campo de trabalho, os compositores vislumbram formas inserção no mundo do trabalho, e de formas variadas. Tais vislumbres dependem de diversas condições sociais e

pessoais, mas, o conhecimento das possibilidades de trabalho, dos “nichos” produtivos, a expansão de horizontes, proporcionam ao compositor condições para fazer um diagnóstico mais apropriado das possibilidades de atuação, nas dimensões artísticas e produtivas.

Os sub-vetores aqui apresentados dialogam entre si e, algumas vezes, uma citação usada para um sub-vetor serve para exemplificar outra também. Lidamos com uma realidade complexa onde as experiências são percebidas diferentemente e com ênfases diferentes, no entanto, acreditamos que um esquema disposto dessa maneira engloba satisfatoriamente um conjunto de vivências que representam a experiência cultural no curso de composição.

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