• Nenhum resultado encontrado

LEM I (1980) (2005) 6 2ª inversão de tríades

3.1 Perspectiva Cultural

Perguntados sobre que lugar é a Escola de Música estudantes-compositores responderam:

um lugar que reúne pessoas que têm interesse por música. O mais importante para mim é isso. (...) Não é nem o que eu tenho a aprender e nem os livros aqui, é o contato com os colegas; cada um tem pensamentos diferentes a respeito de música, da vida de um modo geral, da arte também, e com os

35 Coherence relates to completeness within the web of subjective implications aroused. 36 Wholeness is the critical sine quo non of a musical work.

37 A successful composition addresses both objective and rational as well as subjective and emotional wholeness. 38 Um dos professores responsáveis pela implementação do curso de composição na UFBA, o qual atuou diretamente na formação de mais de cem compositores durante as décadas de 1970 e 1980 (Lima, 1999).

professores também. Cada um tem algo a acrescentar. (Gabriel Sobral)

Não existe a Escola de Música fazendo um trabalho, existe um monte de coisas separadas nela, e a gente vai catando o que dá para pegar. Aqui em Salvador existem muitas coisas diferentes acontecendo como se fossem guetos, e aqui na Escola é como se fosse um microcosmo disso. (Pedro Lyra) um lugar meio paradoxal (Danniel Ferraz)

Estes excertos apresentam algumas formas de como é percebido o espaço de convívio. Em um primeiro momento um espaço dado, físico, onde relações e trocas acontecem, mas observa-se também a partir das expressões “paradoxal” e “microcosmo” que é um espaço inferido, interpretado, em construção.

Também pode-se observar nas frases “cada um tem algo a acrescentar” e “a gente vai catando o que dá pra pegar” certa ênfase em relações e em diversidades como mecanismos que ensinam, revelando que uma dimensão fundamental do aprendizado diz respeito às experiências proporcionadas por vivências. É devido a estas vivências por vezes contraditórias, às divergências latentes, à variedade de acontecimentos, à riqueza de processos presentes e, principalmente, à complexidade de relações, que entendemos tal experiência como cultural.

Voltaremos às citações um pouco mais à frente, agora faz-se importante apresentar as definições e conceitos de cultura com as quais corroboramos e julgamos mais adequadas para este estudo do ensino de composição. Não é pretensão discutir as diversas abordagens e conceituações de cultura, as quais protagonizam um amplo, perene e riquíssimo debate dentro da antropologia, mas sim apresentar algumas abordagens tradicionais para esclarecer o que queremos

dizer quando falamos a palavra cultura. Esperamos assim situar o leitor ante ao texto.

José Luiz dos Santos diz que:

Cultura é palavra de origem latina e em seu significado original está ligada às atividades agrícolas. Vem do verbo latino colere, que quer dizer cultivar. Pensadores romanos antigos ampliaram esse significado e usaram para se referir a refinamento pessoal, e isso está presente na expressão cultura da alma. (Santos, 1996, p. 27)

Segundo Laraia, no final do século XVIII e início do século XIX o termo germânico Kultur era utilizado com o objetivo de simbolizar “todos os aspectos espirituais de uma comunidade” e o termo Civilization “principalmente as realizações materiais de um povo”. Edward Tylor sintetizou-os no termo Culture. A síntese de Tylor é bastante tentadora pela liberdade que proporciona ao termo, o qual abrange “em uma só palavra todas as possibilidades de realização humana, além de marcar fortemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição à ideia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos” (Laraia, 2009, p. 25)”

Estas citações demonstram o potencial problema semântico que envolve a palavra cultura. E, em reação às consequências deste potencial, Geertz (2008), mesmo reconhecendo a “força criadora” da conceituação dada por Tylor, propõe um conceito “internamente coerente” com um “argumento definido a propor”.

O conceito de cultura que eu defendo é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise;

portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado. (Geertz, 2008, p. 4)

As idéias de Geertz polemizam com outra abordagem antropológica bastante difundida e com grande destaque no século XX, o estruturalismo. O maior representante desta corrente dentro da antropologia foi o belga Claude Lévi-Strauss. Suas etnologias realizadas em diversas regiões do mundo levaram-no a pensar que a cultura e seus paralelismos estariam submetidos a um conjunto de princípios inconscientes, onde as oposições binárias formariam os “princípios que geram elaborações culturais”. Para Laraia, Lévi-Strauss acaba formulando “uma nova teoria da unidade psíquica da humanidade”. (Laraia, 2009, p. 61)

A perspectiva estruturalista propõe o abandono do exame particular dos objetos a que se consagra. Estuda as estruturas subjacentes ao organizar e ao administrar, formadas pelos elementos que os caracterizam enquanto traços inerentes ao espírito humano. Seu propósito é a constituição de modelos arquetípicos de todas as organizações e de todas as formas de organizar. (Thiry-Cherques, 2006, p. 138)

Aonde pode nos levar a crença na existência de estruturas que subjazem o pensamento humano? Quais os impactos de possíveis decodificações de estruturas presentes no pensamento composicional? E nas estruturas que fundamentariam os processos compositivos?

Não enveredando por críticas já consagradas ao estruturalimo (Ricoeur; Foucault; Derrida) resta-nos dizer que tal abordagem não seria coerente com os objetivos aqui propostos, os quais lidam diretamente com uma historicidade, a saber, um ensino de composição em local e momentos específicos, buscando compreender

e captar suas práticas a partir de experiências e concepções diversas, sem buscar sínteses arquetípicas.

Já as teorias que consideram a cultura como “sistemas adaptativos” servindo para adaptar grupos humanos às necessidades ambientais, trazem outra perspectiva interessante. De fato, algum grau de adaptação torna-se necessário ao ingresso em um novo ambiente ou à manutenção de si quando o ambiente muda. Neste sentido, sejam por eventuais mudanças que ocorram dentro do ambiente da Escola de Música ou pela chegada de novos “personagens” e idéias, surge a demanda por negociações adaptativas. Mas, o aprendizado do compor é meramente adaptativo? O seu ensino limitar-se-ia apenas a técnicas de instrumentalização para realização operacional e algo criativa de equações sonoras para sobrevivência no mercado ou outra entidade?

Sobre tais questões concordamos quando Lima (1999) apresenta a seguinte argumentação:

O objeto a ser focalizado (o ensino de composição) é algo de natureza bastante caprichosa, já que, a rigor, inexiste sem a presença do próprio aluno. O professor de Composição não pode simplesmente ‘ensinar o que sabe’, sob o risco de sufocar as possibilidades de desenvolvimento criativo dos alunos. Também não pode ficar imobilizado, esperando que as coisas aconteçam por si próprias. Na mediação entre esses dois extremos transitam as pedagogias da Composição. Tudo isso aponta para a necessidade de reflexão sobre a natureza do conhecimento composicional, condição fundamental para que se possa enfocar as condições de sua construção (Lima, 1999, p. 40 – grifos nossos)

Conhecimento composicional (ou conhecimentos composicionais) torna-se a palavra chave de todo este enredo que envolve cultura, ensino e composicão,

porque qualquer tentativa de descrição do ensino praticado num determinado ambiente é uma busca pelo conhecimento alí praticado, aprendido, inventado.

São exatamente as “teias de significados” – como os conhecimentos transitam, são partilhados, construídos e reconstruídos – que buscamos analisar e, por isso, a perspectiva interpretativa da cultura apresentada por Geertz parece mais adequada. Ela permite um enfoque sobre a diversidade enquanto eixo construtor de unidade, diversidade “como algo distante do ecletismo, como oportunidade de engajamento e ressignificação, como polêmica produtiva”. (Lima, 2011, p. 3).

Uma definição que se aproxima da perspectiva aqui adotada é dada por Roberto Da Matta (1981), o qual diz que, cultura, como conceito socio-antropológico é

um mapa, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. É justamente porque compartilham de parcelas importantes deste código (a cultura) que um conjunto de indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas, transformam-se num grupo e podem viver juntos sentindo-se parte de uma mesma totalidade. (Da Matta, 1981, p. 2).

Documentos relacionados