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2.1.4 Função da consulta realizada pelos Juízes e Tribunais do Judiciário nacional dos

2.1.4.1 Experiência comparada: função do reenvio prejudicial

O Direito Comunitário constituía um “complexo normativo com características inovadoras”

que somente muito recentemente passou a fazer parte da formação curricular dos juristas

277

cuja aplicação compete aos Juízes nacionais de cada um dos Estados-Membros da União

Europeia.

278

São assim, várias as jurisdições que têm no âmbito de suas atribuições, a missão

de aplicar as normas comunitárias.

Sendo diversas as jurisdições nacionais responsáveis pela aplicação do Direito Comunitário,

os riscos à sua unidade são evidentes.

279

Maurice-Christian Bergerès afirma que, permitir ao

ACCIOLY, Elizabeth. Solução de Divergências no Mercosul. In: BASSO, Maristela. (Org.). MERCOSUL-

MERCOSUR: estudos em homenagem a Fernando Henrique Cardoso. São Paulo: Atlas, 2007. p. 125-168. p.

167; KLUMPP, Mariane: La efectividad del sistema jurídico del Mercosur. In: BASSO, Maristela (Org.).

MERCOSUL-MERCOSUR: estudos em homenagem a Fernando Henrique Cardoso. São Paulo: Atlas, 2007. p.

53-96. p. 88; RODAS, João Grandino. A Competência do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul para emitir Opiniões Consultivas, Brasília, 22 de novembro de 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sextoEncontroConteudoTextual/anexo/Texto_dos_Exposiotres/A_Competen cia_do_Tribunal_Permanente_de_Revisao_do_Mercosul_para_emitir_Opinioes_ConsultivasJoao_Grandino_Ro das_portugues.pdf>. Acesso em: 7 dez. 2009. p. 7-8.

276 ACCIOLY, Elizabeth. Sistema de solução de controvérsias em blocos econômicos. Coimbra: Almedina,

2004. p. 58.

277 ANDRADE, Miguel Almeida. Guia prático do reenvio prejudicial: o artigo 177º do Tratado CEE e a

cooperação entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Lisboa: Gabinete de Documentação e Direito Comparado, 1991. p. 23.

278

Adroaldo Furtado Fabrício destaca os inconvenientes que decorreriam da criação de uma estrutura comunitária paralela às jurisdições nacionais para aplicação do Direito Comunitário: “Seria, de resto, extremamente difícil e insuportavelmente onerosa a disseminação de unidades jurisdicionais comunitárias por toda a vastidão do território integrado, duplicando o vasto conjunto das organizações judiciárias nacionais, já de si caras, volumosas e pesadas, assim como, na outra ponta do dilema, seria sumamente frustrante para o jurisdicionado obrigá-lo a deslocar-se em busca de justiça a um único ou alguns escassos pontos onde tivessem sedes as Cortes supranacionais.” FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. A prejudicialidade de direito comunitário nos Tribunais Supranacionais. Ajuris, Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 24, n. 69, p. 16-75, mar. 1997. p. 32-33.

279

Sobre este aspecto: “[...] a circunstância de se confiar o controle da aplicação da ordem comunitária aos diferentes sistemas judiciais nacionais dos Estados Membros, possuidores das suas características próprias e afeiçoadas a tradições e modos de atuação particulares e eventualmente diferenciados, é de molde a por em causa a aplicação, que se quer em termos uniformes, do direito comunitário no seio de todos os Estados Membros. O resultado que importaria a este propósito evitar seria o de que os distintos aparelhos judiciais nacionais cristalizassem diferentes aplicações da ordem comunitária, assim destruindo no momento da respectiva aplicação o caráter unitário da regulamentação que se quis lograr através do processo da sua criação e da sua inserção nos diversos ordenamentos nacionais.” RAMOS, Rui Manuel Moura. Reenvio prejudicial e relacionamento entre

juiz nacional respoder às questões relacionadas à interpretação e à validade da regra

comunitária “significaria, a prazo, quebrar a unidade do direito comunitário e substituí-la por

uma visão fragmentada e deformada pelas práticas jurisdicionais nacionais”.

280

Em sentido

muito próximo, Umberto Celli Júnior chega a afirmar que não seria exagero a compreensão de

que, se a tarefa interpretativa do Direito Comunitário fosse confiada aos Estados-Membros,

haveria tantos ordenamentos jurídicos comunitários quantos fossem os ordenamentos

jurídicos nacionais de cada um desses Estados.

281

Nessa mesma linha, em Adroaldo Furtado

Fabrício, lê-se: “A possibilidade de oscilações exegéticas transformaria o corpo supranacional

de normas em melancólico quadro de recomendações dirigidas à boa vontade dos governos

nacionais e de seus Tribunais, ou em singela e platônica formulação acadêmica”.

282

Para conciliar a aplicação do Direito Comunitário pelo juiz nacional à necessária aplicação

uniforme deste direito foi concebido o mecanismo do reenvio prejudicial, mecanismo

essencial ao sistema normativo comunitário.

283

Este mecanismo permite (ou obriga) que os

órgãos jurisdicionais nacionais, perante os quais se coloca um caso concreto que demande a

aplicação da norma comunitária, dirijam-se ao Tribunal de Justiça da União Europeia para

solicitar uma manifestação acerca da interpretação ou da validade do Direito Comunitário, a

fim de garantir a uniformidade em sua interpretação e em sua aplicação.

284

ordens jurídicas na construção comunitária. Revista brasileira de Direito Comparado, Rio de Janeiro, v. 8, n. 14, p. 133-160, 1993. p. 143.

280 BERGERÈS, Maurice-Christinan. Contencioso comunitário. Porto: Rés-Editora, 199-?. Traduzido por

Evaristo Santos. p. 248. Em sentido muito próximo: “O juiz nacional pode, entretanto, ter dúvidas sobre a interpretação ou a validade da concreta norma ou acto de Direito Comunitário. Se lhe fosse permitido resolvê-las sozinho e livremente, isso implicaria, a prazo, um fracionamento do Direito Comunitário, quebrando-se, desse modo, a uniformidade que se pretende atingir na interpretação e na aplicação da Ordem Jurídica comunitária. Assim foi necessário criar um mecanismo que evitasse divergências de jurisprudência nos vários Estados Membros.” QUADROS, Fausto de; MARTINS, Ana Maria Guerra. Contencioso comunitário. Coimbra: Almedina, 2002. p. 50.

281 CELLI JUNIOR, Umberto. Solução de Conflitos na União Européia: lições para o Mercosul? Revista da Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 97, p. 415-434, 2002. p. 420.

282 FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. A prejudicialidade de direito comunitário nos Tribunais Supranacionais. Ajuris, Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 24, n. 69, p. 16-75, mar. 1997.

p. 33-34.

283

Como destaca Rui Manuel Moura Ramos: “Em sede de garantia de aplicação uniforme do direito comunitário, o processo do reenvio prejudicial não pode deixar de se considerar essencial para o sistema [...].” RAMOS, Rui Manoel Moura. O tratado de Nice e a reforma do sistema jurisdicional comunitário. In: DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Contemporâneo: estudos em homenagem ao Prof. Dr. Luís Ivani de Amorim Araújo pelo seu 80º aniversário. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 609-635. p. 622-623.

284 Sem ousar uma análise exauriente dos julgados, na jurisprudência do Tribunal, são facilmente localizáveis

passagens que remetem ao objetivo buscado por meio do reenvio prejudicial de alcançar a uniformidade na interpretação do Direito Comunitário. Exemplificativamente, cita-se o caso Van Gend & Loos (Sentença do Tribunal de Justiça, de 5 de fevereiro de 1963), onde se lê: [...] a função do Tribunal de Justiça no marco do

artigo 177, cuja finalidade é garantir a unidade de interpretação do Tratado pelos órgãos jurisdicionais nacionais, confirma que os Estados reconheceram ao Direito comunitário uma eficácia susctível de ser invocada

A importância do reenvio prejudicial é refletida em seus números. De acordo com as

“Estatísticas judiciárias do Tribunal de Justiça”, no ano de 2008, dos 333 Acórdãos proferidos

pelo Tribunal de Justiça, 186 o foram em reenvios prejudiciais.

285

Ainda de acordo com a

mesma estatística, analisando-se a “Evolução geral da atividade judicial (1952-2008)”,

verifica-se que de um total de 15.652 processos, 6.318 correspondiam a reenvios

prejudiciais.

286

Mas, além de sua frequência e do objetivo de alcançar a uniformidade na interpretação do

Direito Comunitário, é destacável a contribuição do reenvio prejudicial à clarificação e ao

desenvolvimento progressivo do Direito Comunitário em diversos setores

287

. Corroborando

esse entendimento, Pierre Pescatore aponta que as decisões mais marcantes do Direito

Comunitário foram tomadas no marco do reenvio prejudicial:

Para além da necessidade de unidade, que é um tema dominante das decisões de remessa das jurisdições nacionais como dos próprios acórdãos do Tribunal, o recurso prejudicial tem contribuído fortemente para a perfeição do direito comunitário. Todo o jurista, quer se ocupe do direito como juiz, como prático ou com fins científicos, sabe que a interpretação judiciária, além da função contenciosa, é ao mesmo tempo um meio eminentemente criador, no sentido de que ela permite consolidar o direito quando ele é instável, de o clarificar quando é incerto, de o fazer evoluir quando é inadaptado ou incompleto. Não é, portanto, por acaso que as decisões do Tribunal que têm contribuído da forma mais visível para o desenvolvimento do direito comunitário tenham resultado, precisamente, do recurso prejudicial e, em primeiro lugar, sobre a interpretação: o efeito directo do direito comunitário, a sua prioridade sobre o direito nacional, a defesa dos direitos fundamentais, os princípios do mercado comum e da ordem concorrencial, a

de 1982) tratando do parágrafo 3º do artigo 177º: “Esta obrigação se insere no marco de colaboração, instituída

com o fim de garantir a correta aplicação e a interpretação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos Estados membros, entre os órgãos jurisdicionais nacionais, em sua qualidade de Juízes competentes para a aplicação do Direito comunitário, e o Tribunal de Justiça.” Por fim, no caso Lyckeskog (Sentença do Tribunal

de Justiça, de 4 de junho de 2002), manifestou-se o Tribunal nos seguintes termos: “A obrigação imposta aos órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não são suscetíveis de ulterior recurso de apresentar ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial se inscreve no marco da cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais, em sua condição de juízes encarregados de aplicar o Direito comunitário, e o Tribunal de Justiça, cooperação

estabelecida a fim de garantir uma correta aplicação e uma interpretação uniforme do Direito comunitário em todos os Estados membros. Esta obrigação tem por objetivo principal impedir que se consolide em um Estado membro uma jurisprudência nacional que não se ajuste às normas do Direito comunitário [...].” Todos os trechos citados constam em: GARCÍA, Ricardo Alonso. Las sentencias básicas del Tribunal de Justicia de las

Comunidades Europeas. 3. ed. Madrid: Civitas, 2006. p. 90, 282 e 275. Os grifos são nossos em todos as

passagens.

285

Conforme as Estatísticas judiciárias do Tribunal de Justiça (item número 7). Disponível em: <http://curia.europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2009-03/ra08_pt_cj_stat.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2009.

286 Conforme as Estatísticas judiciárias do Tribunal de Justiça (item número 18). Disponível em:

<http://curia.europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2009-03/ra08_pt_cj_stat.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2009.

287 MATEO, Manuel Cienfuegos. Las sentencias prejudiciales del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas en los Estados Miembros. Barcelona: Jose Maria Bosch, 1998. p. 30.

dimensão social da Comunidade, etc., têm sido definidos nos acórdãos contenciosos.288

Pela importância da função desenvolvida por meio do reenvio prejudicial De Richemont o

qualificou como ‘a pedra angular do ordenamento jurídico comunitário’.

289

Além da função mais destacada de garantir a interpretação uniforme do Direito Comunitário,

são apontadas como outras funções do reenvio prejudicial: a assistência e a cooperação

judicial, a proteção jurídica dos particulares e o desenvolvimento progressivo do Direito

comunitário.

290

2.1.4.2 Análise comparada: identidade das funções da solicitação de opinião consultiva e