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3. O EFEITO DA PUBLICIDADE NOS VIDEOJOGOS: REVISÃO DA LITERATURA E HIPÓTESES

3.3. Revisão da Literatura: Estudos Anteriores

3.3.4. A Experiência de Flow e sua Influência nas Atitudes, Memória e Sentimentos

compreensão da relação entre o jogador e o jogo. A experiência de flow formaliza a noção de ludicidade, incorporando três aspetos essenciais da experiência subjetiva (Hoffman & Novak, 1996):

Um sentido de controlo das interações com o ambiente; A capacidade de focalizar a atenção nas interações;

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84 Quando um indivíduo se encontra num estado de flow, ele focaliza toda a sua atenção na

interação, sendo todos os restantes pensamentos e perceções considerados irrelevantes e, como tal, ignorados. Assim, o estado de flow implica uma fusão entre ações e atenção, onde a concentração é tão elevada que pouca atenção resta para outras tarefas, havendo dessa forma uma mistura entre o self e o ambiente, entre o estímulo e a resposta numa noção diferente de tempo (Csikszentmihalyi 1998). O estado mental resultante é extremamente gratificante, devido ao facto de não haver auto-consciência e da noção de tempo ganhar uma forma renovada (Hoffman & Novak, 1996).

Para que o estado de flow aconteça, existem algumas condições necessárias que têm de se verificar no jogador e também no jogo: tem de haver uma correspondência entre as competências e os desafios, num nível elevado mas ótimo (Csikszentmihalyi, 1988), e a atenção focalizada tem de estar presente. Este nível de desafio é um fator chave para a ocorrência desta experiência otimizada, proveniente da absorção psicológica com uma tarefa desafiante (Weber et al., 2009). Se os desafios forem demasiado difíceis para o indivíduo, ele fica ansioso, mas se forem demasiado fáceis, o indivíduo aborrece-se (Hoffman & Novak, 1996). Isto é particularmente importante quando se considera a atividade de jogo, dado que o sucesso de um jogo e a sua ludicidade estão estritamente relacionados com a capacidade do jogo em oferecer ao jogador um desafio e, simultaneamente, corresponder às capacidades do mesmo para o resolver, pelo que o desafio percebido num jogo é simultaneamente uma componente essencial e um antecedente primário para a ocorrência de uma experiência de flow na atividade de jogo. No que respeita à atenção focalizada, os jogos são contextos de elevado envolvimento, nos quais vários sistemas sensoriais estão alerta, e por esta razão, representam experiências que têm o potencial de prender totalmente a atenção do jogador. Além disso, o facto de a atividade de jogo ter, geralmente, uma motivação intrínseca, é também um importante fator para alcançar um estado de atenção focalizada, de acordo com as conclusões de Webster et al. (1993).

O flow é assim um constructo completo e multidimensional, composto pelo envolvimento, atenção focalizada, presença e desafio. As competências são uma parte importante e um antecedente do flow, sendo que o flow na atividade de jogo depende do equilíbrio entre o nível de dificuldade do jogo e as capacidades do jogador para o jogar. Concluindo, qualquer atividade, seja ela mental ou física, pode desencadear um estado de flow desde que seja desafiante, que exija concentração intensa e compromisso (atenção focalizada), que contenha

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85 objetivos claros, que providencie feedback imediato acerca da performance e que se adeque

ao nível de competências da pessoa que a vai realizar (Dietrich, 2004).

Apesar da sua relevância teórica para o estudo dos videojogos e respetivo impacto nos jogadores, o flow permanece ainda um conceito pouco explorado neste domínio. Os videojogos possuem várias características ideais para a criação e manutenção de um estado de flow (Sherry, 2004). Em primeiro lugar, os jogos são um meio predominante de entretenimento e um componente fulcral no lazer das pessoas das mais variadas culturas, faixas etárias e níveis sócio-económicos. De facto, como já tivemos oportunidade de constatar, as pessoas dedicam enormes quantidades de tempo e esforço aos videojogos (Jin, 2011). Dado que o modelo de flow foi originalmente pensado para dar conta do prazer que as pessoas retiravam das atividades de lazer, faz sentido que os videojogos e a relação das pessoas com estes sejam examinados através de teorias de flow. Segundo Weibel et al. (2008), a experiência psicológica do jogo é consistente com as dimensões das experiências de flow, definidas por Csikszentmihalyi (1988). A atividade de jogo implica um envolvimento intenso, feedback, desafio e competências (Weibel et al., 2008).

Seung-A Jin realizou, em 2011, um estudo sobre os antecedentes e as consequências do flow nos videojogos, no qual concluiu que um equilíbrio entre as competências do jogador e o desafio induzido pelo jogo resultava num maior flow, tal como já havia sido constatado anteriormente num outro estudo realizado em 2004, por Sherry.

Os jogadores de videojogos sentem-se aborrecidos ou frustrados quando as suas competências excedem ou, pelo contrário, ficam aquém do desafio que têm em mãos. Sweetser & Wyeth (2005) reforçaram que as competências percebidas dos jogadores eram muito importantes e deviam ser coincidentes com o nível de desafio dos jogos.

A maioria da bibliografia encontrada acerca do flow considera este estado como um resultado da reunião de uma série de condições antecedentes, não havendo muitos estudos que se tenham debruçado sobre as consequências do estado de flow. Por um lado, quando os jogadores estão num estado de flow podem ficar “perdidos” na interação com o ambiente de jogo (Hartmann et al., 2010), mas por outro têm a oportunidade de aprender mais e de usufruir de experiências subjetivas muito positivas (Hoffman & Novak, 1996). Guraü (2008) realizou um estudo no qual concluiu haver uma relação estatística positiva entre a capacidade de um advergame em induzir um estado de flow e a mudança no comportamento de compra dos jogadores desse jogo, no sentido de consumirem mais as marcas publicitadas no jogo. Ainda, os jogadores que tinham experienciado um estado de flow tendiam a desenvolver

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86 atividades de marketing viral junto de mais pessoas do que aqueles que tinham considerado o

jogo aborrecido.

Waiguny et al. (2011), também se debruçaram sobre os efeitos do flow, tendo investigado se a experiência de flow num advergame resultava numa maior capacidade de persuasão do jogo através do desenvolvimento de melhores atitudes face à marca integrada no jogo. Este estudo permitiu concluir que um estado de flow estava associado a atitudes mais positivas face à marca. Mau et al. (2008) também reforçaram a importância da experiência subjetiva da situação de jogo no impacto da publicidade, considerando que esta experiência subjetiva poderia ser bem descrita usando o conceito de flow. Neste estudo, estes autores concluíram que a experiência de flow durante a atividade de jogo tinha a influência mais significativa na atitude em torno do jogo, influenciando também de forma indireta a atitude face à marca publicitada, dada a relação direta entre a atitude face ao jogo e a atitude face à marca publicitada no jogo (Mau et al., 2008).

3.4. Hipóteses e Proposta de Modelo Teórico do Efeito da Publicidade nos Videojogos