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Os sentidos que são por nós produzidos para as nossas experiências pertencem ao lugar/espaço onde se firmam nossos pensamentos, convicções e ações, ou seja, na vida cotidiana. Assim, compreende-se o cotidiano como “aquilo que nos é dado a cada dia (ou que nos cabe em partilha), e nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente” (CERTEAU et all, 1996, p.31). Entretanto, do ponto de vista da educação, para se avançar a uma condição de maior capacidade reflexiva, os elementos do

cotidiano precisam ser analisados para que se possa “elevar a prática educativa do nível do senso comum ao nível da consciência filosófica” (SAVIANI,1989, p.10), e, nessa perspectiva, realizar a mediação entre o pensamento cotidiano e o conhecimento historicamente acumulado.

Segundo Saviani (op. cit.) as práticas educativas institucionais ou individuais não interferem de modo mecânico e direto na prática social global, pois atuam como atividade mediadora agindo, principalmente, nos sujeitos dessas práticas. Existe, então, um movimento recíproco entre as práticas educativas e as práticas mais amplas que se sustentam nesse processo de mediação. Nessa perspectiva, as experiências e práticas de avaliação da Educação Superior constituem-se elementos de mediação entre os contextos institucionais e as políticas em curso.

Entretanto, enquanto ação mediadora, dependem da ação dos sujeitos implicados nesses processos, da relação que os estabelecem com o seu trabalho como prática educativa e da capacidade de reflexão sobre a distinção/relação entre as esferas do cotidiano e da consciência crítica. Isso porque “a realidade da vida cotidiana ─ realidade por excelência predominante  impõe-se à consciência de maneira maciça, urgente e intensa” (BERGER e LUCKMANN, 1985, p.38). Assim sendo, ocupa espaços de nossas vidas e, por isso, “nos oprime e nos pressiona”.

Heller (1989) situa o conceito de vida cotidiana no conjunto das relações do ser humano com a sociedade, destacando a preponderância da cotidianidade. Segundo a autora,

A vida cotidiana é a vida de todo homem. Todos a vivem, sem nenhuma exceção, qualquer que seja o seu posto na divisão do trabalho intelectual e físico. Ninguém consegue identificar-se com sua atividade humano-genérica a ponto de poder desligar-se inteiramente da cotidianidade. E, ao contrário, não há nenhum homem, por mais “insubstancial” que seja, que viva tão somente na cotidianidade, embora essa o absorva preponderantemente (HELLER, 1989, p.17).

Vê-se que a vida cotidiana é o espaço/tempo em que acontecem as múltiplas atividades rotineiras, necessárias à produção da vida social dos homens. Desde o nascimento, os sujeitos se deparam com determinados tipos de relações e de atividades sociais que já estão hierarquicamente estabelecidas, desde as que são socialmente consideradas imprescindíveis para a vida em sociedade até as consideradas prescindíveis. Para fazer parte do meio em que vivem os sujeitos necessitam assimilar um sistema de referências próprio desse meio, um conjunto de relações e atividades consideradas básicas para sua melhor inserção social. Dessa forma, a “vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente” (BERGER e LUCKMANN, 1985, p.35).

Assim, o cotidiano demarca a nossa capacidade de subjetivação e se depreende que a produção de sentidos sobre nossas experiências se realiza na conjunção das atividades cotidianas e de capacidade de transcendê-las para a elevação de nossa consciência crítica.

É essa capacidade que nos permite olhar as ações cotidianas desvelando as marcas que nelas se instauram como aprendizagens individuais e coletivas. Os sujeitos desta pesquisa ao serem estimulados a refletir e a se posicionarem sobre as marcas da avaliação no desenvolvimento institucional e na própria formação, evidenciaram alguns efeitos da avaliação nas suas concepções e aprendizagens. Os depoimentos que se seguem comprovam essa afirmativa.

Aprendi com os processos de avaliação da minha instituição que nossas ações coletivas ganham maior significado quando passamos a avaliar a qualidade do que fazemos e assim entender porque precisamos nos formar a cada turma e a cada contexto institucional. (Professor do grupo A )

Diria que a maior mudança é na relação com os gestores e no ser/fazer-se professor, no sentido de que se toma consciência que ser professor é uma atividade complexa, para o bem ou para o mal (professor do grupo A )

Em relação aos processos de auto-avaliação institucional e de cursos houve avanços em minhas percepções e atuação, a partir da influência do prof. Dias Sobrinho, via PAIUB e de sua produção intelectual sobre o assunto. (professor do grupo B)

Percebe-se que professores ao relatarem suas aprendizagens com a avaliação entendem esses processos como favorecedores de uma visão mais ampliada sobre a Educação Superior e sobre as políticas vigentes. Além disso, em todos os depoimentos destacados nas linhas anteriores, a questão da formação do professor é ponto de destaque, pois ao tomar consciência da complexidade da docência amplia-se a idéia do ser/fazer-se professor o que demonstra a compreensão de que a formação docente é um processo contínuo e que a avaliação é favorecedora desse processo.

O imperativo da avaliação como estratégia de uma instituição para atender ao critério de transparência, mostrando-se à sociedade e a si mesma, aparece como ponto convergente entre os sujeitos entrevistados. Os professores compreendem que as experiências de avaliação que viveram estão localizadas num cenário de diversidade, conflitos entre funções e intenções da avaliação, mas que, ao mesmo tempo, esse cenário clama pela responsabilidade social, imanente às instituições de Educação Superior para buscarem a qualidade de sua atuação.

Dias Sobrinho (2004) destaca que a avaliação como um processo social não se basta a si mesma, pois tem uma abrangência que vai além dos espaços e domínios das instituições e de seus sujeitos. Segundo o autor,

A avaliação da educação superior ultrapassa amplamente os âmbitos mais restritos do objeto a que se dirige. Seus efeitos atingem não só o sistema de Educação Superior como também têm impactos sobre toda a sociedade (DIAS SOBRINHO, 2004, p. 706).

Assim, as práticas educativas do cotidiano institucional são melhor compreendidas quando se dominam os conhecimentos sobre elas, os sistemas simbólicos que nelas se constroem e o cenário político no qual estão inseridas.

Nos relatos dos professores, o sentido de coletividade se faz presente, nas experiências registradas, assim como a consciência dessa coletividade como necessária a cada um dos sujeitos inseridos nesse campo, o que fica ainda mais evidenciado no depoimento a seguir.

Acho que nada sabemos sobre avaliação de instituições, parece que não interessa há muitos este fato. Penso que devíamos saber pois, vejo após algumas experiências que há diferentes forças nesse campo que, se conhecidas e integradas, podem produzir grandes transformações. Mas aprendi que avaliar é despir, tirar a máscara, e para isso não estamos preparados. Nós que fazemos a Educação Superior somos muito prepotentes e individualistas. (professora do grupo A )

Considerando-se a força da avaliação na trajetória escolar dos professores e, atualmente, como estratégia de uma proposta de política da Educação Superior, pode-se depreender que as experiências vividas, assim como toda experiência humana é, em última análise, social, isto é, envolve contato e comunicação (DEWEY,1976).

Isso significa que toda a experiência implica interação e, assim sendo, é propiciadora de mudanças, tanto nos modos de pensar e agir do sujeito que a vivencia e, também, influencia o contexto em que elas se processam, conforme afirma Dewey (1976):

A experiência não se processa apenas dentro da pessoa. Passa-se aí por certo, pois influi na formação de atitudes, de desejos e propósitos. Mas esta não é toda a história. Toda genuína experiência tem um lado ativo, que muda de algum modo as condições objetivas em que as experiências se passam (DEWEY,1976, p. 31).

Analisando o conjunto dos registros dos professores entrevistados, observa-se que as instituições e, portanto, seus sujeitos não estão inertes às demandas políticas que tomam a avaliação como mecanismo de regulação da qualidade. Assim, é possível apresentar um contraponto à idéia do depoimento anterior de um professor de instituição pública de que “ não interessa a muitos este fato” (a avaliação).

Os depoimentos dos professores que atuam em instituições privadas mostram, também, que as exigências oriundas dessas avaliações não passam despercebidas pelos professores e que eles têm apresentado seus posicionamentos e vêm participando, com empenho, das iniciativas institucionais para a melhoria das condições de ensino, com vistas ao atendimento às exigências prescritas nos instrumentos orientadores da avaliação produzidos pelo MEC.Veja-se um exemplo em que tal fato se evidencia.

A avaliação passou a mexer com o funcionamento interno dos cursos e da instituição. Não é possível negar a interferência das visitas de avaliadores para verificação “in loco”. Todos acabam sendo envolvidos na preparação para a

avaliação e isso, de certa forma, provoca maior interação entre o grupo. ( professor do grupo A)

Observa-se que a avaliação, conforme depoimento do professor, mexe com o dia-a-dia das instituições, impulsionando a interação entre os envolvidos que, de uma forma ou de outra, se mobilizam para atender às solicitações das comissões. A interação, como um efeito causado pela mobilização dos sujeitos em prol de um mesmo objetivo, é propulsora de intercâmbios de idéias e de práticas. Nessa perspectiva, depreende-se que os processos de avaliação são capazes de produzir mudanças nos níveis em que alcançam as práticas dos sujeitos nela envolvidos.