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Revisão bibliográfica

4 O CONCEITO DE CAMINHABILIDADE

4.3 EXPERIÊNCIAS GLOBAIS

Nos últimos anos, várias cidades têm se mostrado motivadas a requalificar ambientes públicos urbanos na busca por cidades mais humanas, onde o pedestre é priorizado. Copenhague, Melbourne e Medellín são algumas cidades reconhecidas atualmente pela qualidade dos seus espaços públicos e por projetos recentes de renovação urbana com foco nas pessoas, e diversas outras cidades têm seguido esse caminho. Bons exemplos podem ser encontrados em Lisboa, Buenos Aires, Cidade do Cabo, ilustrados através das figuras 15 a 17. Espaços anteriormente dominados por automóveis foram requalificados a fim de introduzir o lugar do pedestre de forma mais justa, garantindo conforto e segurança às pessoas. Figura 15. Lisboa, antes (esq., 2009) e depois (dir., 2014) Fonte: Google Street View Figura 16. Buenos Aires, antes (esq., 2013) e depois (dir., 2016) Fonte: Google Street View Figura 17. Cidade do Cabo, antes (esq., 2009) e depois (dir., 2015) Fonte: Google Street View

A prefeitura de Barcelona, onde os deslocamentos realizados por transporte público e ativo (a pé e por bicicleta) já prevalecem sobre os outros modais (mais de 73% do total de deslocamentos, dados de 2011), implantou um Plano de Mobilidade Urbana (2013-2018) com a missão de continuar seguindo em direção a um modelo de mobilidade mais sustentável, eficiente, justo, seguro e saudável17, aumentando ainda mais a participação destes modais (para 79% do total) e restringindo o uso dos automóveis particulares. Uma das propostas centrais do plano foi a implantação de um novo modelo de organização da malha urbana denominado supermanzanas (superquadras), formado a partir do agrupamento de 9 manzanas18 , módulo de quadra criado por Cerdá no Plano de 1859. Esse modelo propõe que as vias internas das superquadras sejam formadas por uma plataforma única, com prioridade total aos pedestres, permitindo exclusivamente o trânsito de bicicletas e veículos de residentes, emergência e cargas. A proposta inverte a relação atual da porcentagem de solo urbano destinado a veículos e destinado a pedestres (Figura 18). Em setembro de 2016 a primeira superquadra foi implantada no bairro Poblenoue.

Bogotá, capital colombiana, chegou a ser referência mundial em qualidade urbana e modelo de gestão pública diminuindo de forma notável os índices de violência urbana. Uma “revolução urbana” foi promovida pelo ex-prefeito Enrique Peñalosa (1998-2002) que teve como objetivo declarar “guerra aos carros” e devolver os espaços públicos aos cidadãos. Nas suas palavras, “estacionar é um problema particular. As ruas são para os pedestres”.

17 Plano de Mobilidade Urbana de Barcelona (PMU 2013-2018). Disponível em:

<http://mobilitat.ajuntament.barcelona.cat/en/urban-mobility-plan/introduction> Acesso em abril 2017.

18 O modelo de manzanas foi elaborado por Ildefonso Cerdá no seu plano de reforma e expansão da cidade

de Barcelona, na Espanha, que ficou conhecido como Plano Cerdá (1859). O plano implantou um traçado urbana reticulado baseado em dois pontos principais: circulação e habitação, que classificaram o território em vias (espaços públicos) e intervias (espaços de vida privada). As intervias eram formadas pelas manzanas, quadras modulares com pátios internos, edificadas em apenas dois ou três lados, e chanfros nos cruzamentos, possibilitando múltiplos modos de agrupamento e de desenho urbano.

Figura 18. Proporção do solo urbano destinado a veículos (cinza) e a pedestres (verde) no

modelo atual (esquerda) e no modelo das superquadras.

Fonte: Plano de Mobilidade Urbana de Barcelona (PMU 2013-2018)

Nos Planos de Ordenamento Territorial (POT), desenvolvidos durante sua gestão, o espaço público foi concebido a partir de uma visão mais sistêmica, “definido de forma bastante abrangente, de maneira tal que qualquer área de propriedade pública ou privada pode ser considerada pública se tiver impactos coletivos” de forma que “os agentes políticos especializados se apropriaram da categoria de espaço público como um eixo estruturante da política urbana” (Pinto, 2015). Se hoje Bogotá não vive uma situação tão boa, isso se deve em parte à falta de continuidade das políticas públicas após o governo Peñalosa já que o governo que o sucedeu reduziu drasticamente o valor investido em projetos de espaço público.

Londres é outro excelente exemplo. Mais de uma década após a implantação do pedágio urbano, que taxa os veículos que trafegam pelas áreas centrais, muitos benefícios já foram percebidos, como o aumento significativo no uso dos transportes públicos e queda no número de viagens de automóvel, de acordo com dados da

administração municipal. Dois terços de todas as viagens feitas por transporte público na cidade envolvem caminhar por cinco minutos ou mais19. Assim, foi lançado o Plano de Ação de Transporte (Transport for London, 2014), que possui como principal meta a criação de ruas mais verdes, seguras e convidativas ao pedestre. Como justificativa para a implantação do plano, a municipalidade vai além do simples estímulo à caminhada como atividade física, e cita os benefícios de se ter ambientes com ar mais puro e menos ruídos, bairros mais conectados, e menos estresse e medo. O plano utiliza a abordagem da “rua integral” (whole-street approach), que mira em indicadores como diversidade de população, acessibilidade, sensação de segurança, existência de sombras e abrigos, lugares para descansar e coisas para ver e fazer.

Por fim, é importante lembrar que, apesar de exemplos bem sucedidos como esses serem animadores e gerarem um desejo de replicá-los em nossas cidades, não se tratam meramente de problemas de desenho urbano, mas que demandam mudanças políticas e culturais (Pedersen, 2017). Trata-se de um esforço coletivo, de um senso comunitário que deve envolver a sociedade como um todo, e que leva tempo. Se Copenhague é hoje referência mundial em termos da qualidade dos seus espaços públicos, onde carros e bicicletas convivem de forma harmoniosa mesmo nos locais onde não há separação física entre eles, isso se deve em parte porque as crianças são ensinadas desde pequenas sobre esses temas, inclusive segurança cicloviária. A ideia de compartilhamento do espaço torna-se natural desde muito cedo. Quando implantadas “de cima para baixo” as mudanças são sempre mais difíceis e dolorosas para todos.